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Tão longe e tão perto

Enquanto o governo Lula embala a transposição do São Francisco, um documentário mostra como levar a água para quem vive sem ela bem ali na beira do rio.

12 de junho de 2005 · 20 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Não é preciso ir muito longe do São Francisco para ver o que a irrigação pode fazer contra a pobreza no sertão nordestino. Quase debruçados no rio há pequenos agricultores sufocados pela falta de água. A pouca água que têm depende para subir o barranco de bombas, que por sua vez precisam de óleo diesel. Comprar o combustível exige, fora o dinheiro, viagens de barco até a cidade mais próxima, o que também é dinheiro. Na ponta do lápis, ligar a máquina é prejuízo. A água que sobe à caixa com tanto aperto desce ao roçado pelos atalhos do desperdício, em sulcos feitos na enxada que desbeiçam o terreno e aceleram a evaporação.

Tudo isso é comum, mas não inevitável. As alternativas, como o rio, estão dando sopa ali mesmo. Podem tomar a forma, por exemplo, de um tubo de plástico flexível, fabricado no Polo Petroquímico de Camaçari. A cada 30 centímetros, ele tem um furo. Quando se enche d’água, incha e goteja, molhando a terra em doses medidas. Para tocar uma bomba, há painéis solares, mais comuns na região do que se imagina. Semeados por programas de eletrificação rural que concebidos à distância, eles foram parar na vizinhança até em escolas públicas, que não têm o que fazer com eles por falta de aulas noturnas.

Trocar as velhas fórmulas de irrigação pelo gotejamento no fundo sai barato, mesmo para os padrões financeiros do semiárido nordestino. Por R$ 3 mil reais, no máximo, arruma-se uma típica propriedade de 3 hectares. E com a ajuda de um agrônomo, incluído na despesa, em geral o dono da terra paga num ano esse empréstimo, só com o que ganha em aumento de produção. Isso se os bancos lhe abrirem as portas, abolindo exigências inexplicáveis, como gastar com agrotóxicos uma parte do financiamento ou criar cabras de corte, mas não de leite, que é a base do artesanato local de laticínios. Recentemente, 50 mil euros que vieram da Itália para bancar projetos de “aproveitamento inteligente da água” mofaram por meses na agência do Banco do Brasil em Campo Alegre de Lurdes, por falta de tradutor juramentado que vertesse para o português os papéis da doação ao Sindicato de Trabalhadores Rurais do município.

O economista Luiz Antonio Prado está voltando de uma viagem a este cenário de velhas pragas roendo novas oportunidades. Com o documentarista Alberto Bellezia, filmou as mudanças que ocorreram na vida de oito sertanejos, desde que eles que experimentaram o programa de irrigação por gotejamento. O filme, patrocinado pela Arte Continua, uma ONG de San Giminiano, na Toscana, quer mostrar as vantagens dessa tecnologia numa linguagem capaz de converter outros agricultores atazanados pela escassez de água na região. A maioria da futura clientela está plantada a poucos quilômetros dos rios São Francisco e Parnaíba, onde pelo menos um milhão de hectares só esperam pequenos financiamentos e projetos simples para virar terras férteis.

Lá pelas tantas, temendo encarar o volante nas estradas esburacadas que picotam o interior do Nordeste, Prado contratou um táxi, como motorista falante. E o chofer, veterano de obras públicas no sertão, distraiu a equipe ao longo da viagem, apontando as cidades que até hoje não sabem o que é ter água encanada, embora estejam praticamente na beira do São Francisco, e de projetos de irrigação que nunca foram além da etapa de terraplenagem, a preferida dos governos e dos empreiteiros. Há lugares com mais de seis mil moradores que ainda se abastecem com pipas puxadas por jegues. Um deles, nem que fosse para saborear o nome, merecia a atenção de qualquer autoridade. Chama-se Santa Cruz da Veneranda.

Prado dirige no Brasil a Fundação Fiorello LaGuardia. Ele ainda estava na faculdade de Economia e metido no MR-8 quando as preocupações ambinetais invadiram seu currículo, com a advertência pelo Clube de Roma de que o crescimento tinha limites e esses limites estavam próximos. Fez doutorado em Ecologia em Paris. Presidiu no Rio de Janeiro a Fundação Estadual de Meio Ambiente. E foi secretário do Meio Ambiente no governo petista de Victor Buaiz, no Espírito Santo.

Na fundação La Guardia, trata de abrir caminho para projetos que dêem a cooperativas de produtores de mamona no Nordeste a chance de tirar proveito do programa do Biodiesel, em vez de serem tragados pelo incentivo oficial às grandes plantações. Também está atrás de fórmulas que barateiem o acesso às fontes de energia renovável no campo. E procura canalizar créditos agrícolas para a irrigação por gotejamento.

A LaGuardia tem o nome do lendário prefeito de Nova York na primeira metade do século passado, o dinheiro dos imigrantes italianos nos Estados Unidos que não querem ser confundidos com a máfia e a disposição de gastá-lo no “desenvolvimento sustentável” de países que estejam à procura de uma saída para a pobreza. Mas o programa chegou aqui numa hora em que o governo Lula, quando não está ocupado demais com escândalos políticos, só tem cabeça para empreitadas faraônicas, como a transposição do São Francisco. Aquele projeto que promete a mais de 300 quilômetros do rio a água que continua longe de suas margens.

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