As árvores ganharam outro dia as páginas do New York Review of Books, onde o biólogo australiano Tim Flannery plantou comentários sobre dois tratados de Botânica que acabaram de chegar às estantes dos especialistas. Juntos, somados, eles pesariam 1.217 páginas. Mas Flannery está mais que acostumado a digerir para os leigos os assuntos mais pesados. Em The Weather Makers, seu livro recente sobre o aquecimento global, ele não deixa pergunta sem resposta sobre o papel do trabalho humano na mixórdia do clima. É a “verdade inconveniente” de Al Gora, sem tirar, nem pôr. Mas ninguém pode dizer que parou a leitura no meio, por achar o texto chato.
Flannery aproveitou, sobretudo, o lançamento de The Tree, de Colin Tudge, para lembrar que, até hoje, nós mal sabemos o que vem a ser, precisamente, uma árvore. Podíamos estar convencidos de sabermos até duas décadas atrás, antes que o estudo do DNA viesse balançar o sistema de Lineu, botando os cogumelos mais perto do homem que da couve-flor ou provando que a teca, árvore indiana de grande porte, é parente muito próxima do orégano e do manjericão.
O próprio Flannery se espanta ao registrar que, ultimamente, os botânicos põem os carvalhos mais ou menos ao lado dos pepinos. Sinal de que as árvores têm “uma história épica”, com grandes aventuras migratórias gravadas em seu genoma. Para contemplá-las, Tudge recomenda abrir os olhos para sua “quarta dimensão, a do tempo, e ver como os ancestrais da árvore que cresce diante de nossa janela viram a luz num canto remoto da terra, há milhões ou centenas de milhões de anos, flutuaram em seus blocos de continente quando os próprios continentes circunavegavam o globo, contornaram as geleiras da era glacial e provavelmente eclodiram num pântano primevo, desaparecido há muito tempo, com crocodilos a seus pés e os primeiros falcões e martins-pescadores do mundo montando guarda em seus galhos”.
Dito assim, fica tudo tão complicado, que Tudge considera uma imprudência falar em “árvore”. Este nome, que dá título a seu livro, não tem definição confiável na ordem natural das coisas. Há espécies que podem ser árvores ou arbustos, dependendo de onde resolvam fincar raízes. E árvores que, no passado, foram trepadeiras ou mesmo ervas rasteiras. Por levar o tema tão a sério, Tudge só se arrisca a definir árvore com palavras de criança. Trata-se de uma “planta grande com um bastão no meio”. E ela não é só uma “coisa”, mas sobretudo uma “façanha”.
Isso, pelo menos, ninguém pode negar ao desflorestamento. A sensação de perda que ele provoca está dando às árvores uma atenção que, antes, quando pareciam donas do planeta, por mais que merecessem, elas não recebiam. Três anos atrás, o geneticista David Suzuki fez, com o escritor de temas científicos Wayne Grady, a biografia de um pinheiro. Não de um pinheiro qualquer, mas de um Pseudotsuga menziessi específico ,com 50 metros de altura e cinco metros de circunferência, que vive atrás de sua casa, no Canadá. Suzuki, embora seja, por formação, zoólogo, famoso por suas pesquisas com a mosca da fruta, tratou de decifrar as linhas vitais dessa “façanha” vegetal, desde o provável incêndio espontâneo em que sua semente eclodiu há mais de 400 anos – quando “William Shakespeare ainda estava escrevendo Rei Lear” – até a morte natural, daqui a dois ou três séculos, quando talvez alguém reconheça em brotos de cicuta, crescendo em linha reta no chão da floresta, a herança do tronco que apodreceu.
Está na moda tratar árvores com respeito, pelo menos em livros. O inglês Thomas Pakenham corre o mundo com sua câmera Linhof de grande formato, para retratar as “notáveis” em qualquer continente, como um fotógrafo de celebridades. Aqui, o engenheiro florestal Harri Lorenzi está na quinta edição de “Árvores Brasileiras”, catálogo que ele começou a juntar na época em que precisava de argumentos para convencer proprietários de canaviais, no interior de São Paulo, a recompor suas matas ciliares com mudas nativas.
Meses atrás, com “Árvores da Amazônia-Brasil”, o fotógrafo Silvestre Silva conseguiu resumir em menos de 250 páginas tudo o que nunca aparece nas notícias sobre o desmatamento da região. Os recordes de derrubada conseguem, no máximo, apresentar à opinião pública as cicatrizes na floresta, quando vêm ilustrados por imagens aéreas da massa verde de copas indistintas. Silva vai mais longe. Revela o que jaz embaixo dessas estatísticas. São, por exemplo, acariquanas, berós, carapanaúbas, coataquiáuas, cumarus, morototós, mungubas, paricás, quarubas ou tauarís. Em pessoa. Apresentados, um a um, no esplendor de sua forma, como árvores que o Brasil perde diariamente, sem saber sequer que existem. Perder uma só espécie de árvore, segundo Flannery, “é uma tragédia”. Um tipo de tragédia que nunca foi tão fácil achar nas livrarias.
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