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O PAC chinês apresenta sua conta

Tratada numa série de reportagens como país que “sufoca no crescimento”, a China é um modelo de tudo o que o Brasil deve aprender a evitar nos planos econômicos do governo.

21 de novembro de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Planos de crescimento acelerado, com base no dogma de que toda a energia hidrelétrica é, por definição, limpa. Projetos de barragens que atravessam regiões consideradas patrimônio da humanidade, inundam rios onde há raras espécies de peixes, ameaçadas de extinção. E um partido no poder que considera as críticas ambientais a seu programa econômico uma conspiração para sabotar as metas da economia, senão um crime de lesa-pátria.

Já ouviu isso em algum lugar? Talvez não, porque são histórias contadas numa série de reportagens que o New York Times está publicando sobre a China. Qualquer semelhança com o Brasil pode ser coincidência. Mas a China, segundo o jornal, sufoca na poeira do desenvolvimento. O Ministério da Saúde chinês atribui à poluição a disparada do câncer para o primeiro lugar nas taxas de mortalidade. E o próprio governo calcula em 500 milhões os chineses sem acesso à água potável.

Exportação de fumaça

O país, crescendo aos trancos e barrancos, criou cidades industriais cuja fumaça raramente deixa os moradores verem o sol, e 99% de sua população urbana respiram ares que, para pulmões europeus, seriam tachados de gases tóxicos. Há trechos de seu litoral em que o mar já não suporta outra forma de vida marinha fora algas venenosas. E a China exporta nitrogênio e enxofre, em forma de chuva ácida, para Seul e Tóquio. E dizem que até o horizonte turvo de Los Angeles tem traços de vapores chineses.

Nada disso parece incompatível com a arrancada que, meio século atrás, botou o país nos trilhos de uma revolução, tirando estudantes da sala de aula para caçar pardais, demonizados como pragas agrícolas, e convocando aldeias inteiras para transformar florestas em lenha para fornalhas, na febre de produção siderúrgica que cortou à metade as florestas chinesas.

Essa política, descrita pela historiadora americana Judith Shapiro num livro – ao mesmo tempo chato e fascinante – sobre “a guerra do maoismo contra a natureza”, convenceu chineses a demolir montanhas com pás e picaretas, só para mostrar que nada podia contra a devoção revolucionária. Mas se tornou inconveniente para um governo que, como anfitrião dos jogos olímpicos de 2008, não sabe como limpar a tempo o ar que servirá aos atletas.

Não foi à toa que, no discurso sobre o estado do país deste ano, o primeiro-ministro Wen Jiabao fez 48 referências ao meio ambiente. E é por isso também que as reportagens do New York Times sobre a China vêm tanto ao caso.Elas pegam pesado nos erros cometidos pela pressa de substituir o carvão, que ainda move 67% de suas usinas, por energia renovável. Só em 2006 o país acrescentou 102 gigawatts às suas hidrelétricas.

Na represa de Três Gargantas, bateu nada menos de dez recordes mundiais, em tamanho de reservatório, consumo de cimento, volume de terraplenagem e produção de eletricidade. Ao mesmo tempo, removeu mais de um milhão de chineses. Transpondo arrozais de vales férteis para encostas áridas, desmatou montanhas sem resolver o problema dos camponeses desterrados. E assorearam rios, que por sua vez comprometem com sua carga crescente de sedimentos a alimentação das turbinas. Cinqüenta mil pessoas foram envenenadas em Fengdu no começo do ano por afluente do rio Yangtzé.

Três Gargantas seria um portentoso troféu da vitalidade chinesa, vitrine de um programa para construir mais doze usinas gigantescas no Yangtzé, se não fosse também um depósito de problemas como “poluição da água, voçorocas e outros desastres geológicos”, capitulados como “perigos ocultos” num documento oficial. Um deles é que o peso do reservatório precipite terremotos.

Mas andar na frente tem lá suas vantagens. Três anos atrás, o governo chinês cancelou treze represas no rio Nu, em nome do patrimônio ambiental preservado em suas margens. Os bagres do rio Madeira não tiveram tanta sorte.

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