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Parques e museus para o povo

Quase 70 anos após sair das mãos da iniciativa privada, o Parque da Cidade é uma amostra de descuido pelo bem público. Um modelo de bagunça tão brasileiro como a jabuticaba.

26 de março de 2008 · 17 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O Parque da Cidade é o mais belo memorial da desordem carioca. Foi chácara do Marquês de São Vicente, do Conde de Santa Marinha e do industrial Guilherme Guinle, que o vendeu ao governo em 1939. Estatizado, teve nos primeiros tempos a sorte de ser dirigido, durante mais de onze anos, pelo entusiasmo intransigente de um pioneiro do ambientalismo brasileiro, o futuro primatólogo Adelmar Coimbra Filho. Em seguida, perdeu-se. Como residência senhorial, foi visitada, da monarquia à república, pelo imperador Pedro Segundo e pelo presidente Getúlio Vargas. Como logradouro público, acabou desertada pelas autoridades.

No Parque da Cidade se somam um museu municipal, com 17 mil peças que mal podem ser exibidas por falta de espaço ou segurança, e jardins estaduais, que confinam, morro acima, com o Parque Nacional da Tijuca. Três instâncias da administração pública se empilham, portanto, em sua jurisdição. Mas, na prática, quem manda ali dentro é a favela, que sobe com todo viço tropical à sua volta, derramando-se pelo estacionamento dia e noite, invadindo os gramados com campos de pelada e traçando nas encostas o labirinto plástico das tubulações clandestinas.

Caso de estudo

No dia em que as ciências sociais resolverem estudar a sério a falência do Estado brasileiro como depositário fiel do patrimônio público, o caminho mais aprazível para os pesquisadores será o que sobe a ladeira para o Parque da Cidade. Ele dá vista privilegiada para um modelo de bagunça urbana tão brasileiro como a jabuticaba. E, de quebra, apesar dos pesares, continua bonito. Em quase 70 anos de gestão estatal, sem sair de onde sempre esteve, passou da aristocracia ao populismo, sem perder as raízes solidamente fincadas na preferência nacional pelo regime cívico da propriedade privada. Hoje, seus portões só fecham no fim de expediente para quem não mora na Vila Parque.

Como está, virou um símbolo tão típico do Rio de Janeiro como a herança do inglês James Smithson tem a cara da cidade de Washington. Smithson foi um aristocrata nascido na França, filho natural do duque de Northumbeland. À sombra da devoção iluminista pelas ciências naturais, fez nome como químico, mineralogista e geólogo. Em testamento, deixou ao povo dos Estados Unidos sua fortuna, com a condição de que fosse usada “para a difusão do conhecimento”.

Com uma cláusula dessas, pode-se fazer praticamente tudo, inclusive a nova televisão oficial do governo Lula. Mas os Estados Unidos, com as feridas da independência ainda abertas, custaram a engolir o presente, que lhes parecia uma afronta aos brios nacionais, despachado como foi – assim, sem mais nem menos – da antiga metrópole. O congresso americano empurrou com a barriga o legado de Smithson durante seis anos, até que o governo Andrew Jackson decidisse aceitá-lo. Ficou nos anais dos debates em plenário o argumento do senador sulista William Preston, rebarbando a sorte grande: “Qualquer vagabundo poderá achar que dignificará seu nome desta maneira”.

O dinheiro finalmente desembarcou nos Estados Unidos em 1938, trazido em onze caixas cheias de moedas de ouro pelo advogado Richard Rush, que foi à Europa liquidar o inventário. Eram 503 mil dólares. Valeriam, atualmente, uns onze milhões de dólares. Mas foi nesse berço relativamente modesto que nasceu a fundação Smithsonian. Com o tempo, ela veio coroando seu castelo original, em tijolos aparentes, plantado entre 17 mil metros quadrados de jardins no eixo monumental de Washington, com uma faraônica tiara de museus e galerias.

Fazem parte da Smithsonian a Galeria Nacional de Arte e os museus da Tecnologia e do Espaço, de História Natural, da História Americana, do Índio Americano, da Cultura Afro-Americana e dos Correios. A seu redor surgiram galerias arte africana, decorativa, oriental e contemporânea. Sem falar no zoológico, com dois mil animais em 660 mil metros quadrados de parques, em plena Washington. A herança de Smithson está em expansão há 170 anos graças à inclinação americana por um modo seguro de assegurar a presença do povo em velhos redutos do elitismo. Chama-se entrada franca. Aqui, entregam-se as chaves.

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