Esses dias eu fui convidada a dar uma palestra sobre os aspectos ambientais da pequena cidade histórica onde vivo: Pirenópolis, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ao prepará-la, outra vez constatei o óbvio, ou seja, o que vem acontecendo, mesmo em certos rincões meio perdidos do nosso querido país, no que diz respeito a se jogar fora oportunidades de um desenvolvimento turístico adequado.
Como era
Comecei falando como era a cidade e seu entorno há vinte anos, quando a conheci. Desde a saída de Brasília até Pirenópolis, com seus 140 km, já se desfrutava da viagem, pois havia ainda muito Cerrado, matas ciliares com os imponentes buritis e muita fauna. Viam-se as araras, papagaios, emas, lobos guará, veados, tamanduás, tatus, seriemas, e, também, bonitas jibóias. Parávamos para coletar cajuí, o caju do campo, pequi, gabiroba, araçá e muitas outras frutas nativas do bioma. As cachoeiras eram mais imponentes, havia muitas nascentes, com água absolutamente pura e muito menos pedreiras, que enfeiam as paisagens. A cidade de 1724, tombada pelo IPHAN, era mais genuína, mais segura e muito melhor para se viver que nos dias atuais. Visitá-la significava ver belas paisagens, desfrutar de cachoeiras pouco freqüentadas, apreciar a verdadeira e abundante comida goiana, assistir as cavalhadas, passear pelas ruas quietas do centro histórico admirando os prédios antigos, enfim, estar em Pirenópolis e seus arredores era um enorme prazer.
Como é hoje
Saindo de Brasília atualmente, sofre-se por 140 km até Pirenópolis, por uma estrada esburacada, perigosa e que atravessa pelo menos 50 km de tristes favelas, dentre elas a agora impropriamente chamada de “Águas Lindas”. Já não se vê nada de bonito. São terras requeimadas, com pastos degradados, favelas em expansão a partir de cada vilarejo, loteamentos de chácaras, acampamentos abandonados do MST nas matas ciliares, cachorros famintos perambulando por toda parte, cadáveres de cavalos atropelados que ninguém recolhe e risco grande de sofrer um acidente ou, de noite, de ser assaltado.
Já na Serra dos Pireneus, perto de Corumbá de Goiás e na rota entre esta cidade e Pirenópolis, a coisa melhora um pouco, mas nem tanto. É verdade que agora existe o Parque Estadual da Serra dos Pireneus, com mais de 2.700 hectares, circundado por uma APA e um Monumento Natural Municipal: Cidade de Pedra, com 1.700 hectares, além de muitas Reservas Particulares do Patrimônio Natural, em especial a do Vagafogo, conhecida nacionalmente. Mas, de outra parte, as queimadas são uma constante, a ponto de se queimar duas vezes ou mais por ano as mesmas áreas. Assim, se impede a reprodução de plantas frutíferas como o caju, o cajuí, a gabiroba, o pequi, entre muitas outras do cerrado. A fauna sente a falta de alimentação e vem escasseando de forma assustadora. O Parque Estadual não foi implantado e consequentemente está fechado à visitação pública. Os pirenopolinos, portanto, não o valorizam para nada, exceto para peregrinações religiosas e outras bem pagãs, no seu morro mais elevado, que tem como denominador comum o lixo que deixam. O Monumento Natural Municipal da Cidade de Pedra, não passou, até agora, do papel usado para publicar seu decreto de criação, mesmo sendo um magnífico monumento geológico, que atrairia muitos visitantes, se bem implantado. A exploração das pedreiras aumentou exponencialmente, sem normas claras de cuidados ambientais. Assim, se ouve a explosão de dinamite como fortes rojões constantemente e ninguém parece se incomodar. O assoreamento provocado pelos incêndios e pela extração predatória da pedra de Pireneus, que não respeita nem as áreas de proteção ambiental (APPs), grassa por todos cursos de águas.
O turismo é barulhento e anárquico. Aqui o turista pode fazer de tudo, desrespeitando a legislação em vigor. Pode acampar em qualquer beira de rio e de cachoeiras. Pode usar fogueiras, provocando incêndios muitas vezes incontroláveis, pode por o volume de seus aparelhos de som em qualquer decibel que lhe aprouver, pode usar drogas e se embriagar, atrapalhando a vida dos nativos e infernizando-a com freqüência. Assim, a destruição da natureza vem eliminando, de forma rápida, aqueles atrativos que a fizeram nacionalmente conhecida. A falta de segurança e os absurdos de meliantes chegam a arrepiar tanto quanto em São Paulo ou Rio de Janeiro, guardadas as devidas proporções, é claro. A orla do belo rio das Almas, ao invés de ter uma bonita praça pública com ciclovias, bancos, sanitários adequados ou arborização, virou motel clandestino, depósito de lixo e de cadáveres de gente e de outros bichos.
Como a grande maioria dos municípios de nosso país, Pirenópolis carece de saneamento básico, que é anunciado pelos políticos há décadas. A morosidade do IPHAN e sua indecisão fazem com que muitos prédios e casas fiquem semi construídos, abandonados, enfeando o que antes era bonito. O barulho nos finais de semana e nas férias incomoda aos turistas que estão em hotéis e pousadas e que vieram em busca de descanso e, também, aos moradores mais pacatos. O lixo que não fica na cidade está em todas as partes, especialmente na beira dos rios e nas cachoeiras.
Em compensação, é preciso reconhecer que melhorou muito a área urbana. A cidade em si está maior e mais bonita, tem melhores serviços e sua infra-estrutura turística é agora boa. A luta constante do IPHAN teve alguns resultados positivos, como a iluminação tradicional da parte histórica, a restauração de monumentos históricos e tem evitado a expansão de construções discordantes, no centro. Algumas autoridades municipais tiveram boas idéias e intenções, como quando foi proibido o ingresso ao centro de caminhões e veículos de transporte massivo. Ou como quando se preparou o plano diretor da cidade, que não se aplica, ou até com a construção do cavalódromo e do subutilizado aeroporto.
A escolha do futuro
O que faz falta é que a cidade escolha como vai ser seu futuro e isso ainda pode ser feito. A começar pelo turismo, que é seu maior potencial porque está entre as capitais do Brasil e a do Estado de Goiás, ou seja, está perto de cerca de 4 milhões de habitantes, ávidos por opções para fins de semana, em especial os prolongados e, também, porque ainda tem o potencial natural. Seu Parque Estadual da Serra dos Pireneus e seu Monumento Natural Municipal da Cidade de Pedra são atrações garantidas, se forem bem manejados e possuírem a infra-estrutura mínima adequada para receber turistas. Mas, parece que o pessoal por aqui, e em especial as autoridades, não percebem este fato. As cachoeiras mais belas da região se encontram em terras de particulares. Algo deveria ser feito pelas autoridades constituídas para garantir seu acesso, respeitando o direito dos proprietários, mas com regras mínimas sobre segurança, educação, capacidade de carga e respeito às áreas de preservação permanente, pelo só efeito da Lei.
Nas pedreiras, onde há a mineração do quartzito conhecido como pedra dos Pireneus, poder-se-ia observar, além da legislação, as modernas técnicas de exploração para maximizar a produção aproveitando os dejetos e sem sujar ou entupir os cursos de água ou as nascentes. Poder-se-ia aumentar a oferta de produtos turísticos com visitas às RPPNs que já existem, reconhecimento de novas, bem como visitas às comunidades que processam o baru, àquelas que usam teares para o artesanato local, e ciclovias ao longo dos rios, além de canoagem e rafting. Poder-se-ia evitar os barulhentos ralis de motos, carros e helicópteros. Fiscalizar o desmatamento, as queimadas e a caça predatória. Traduzir em tranqüilidade o ruído dos rojões, da explosão da dinamite e do som dos carros de play boys. Reciclar o lixo, fazer saneamento básico e um parque municipal agradável onde se poderia sentar e bater papos com amigos, vendo os tucanos, papagaios, maritacas, andorinhas e muitas outras espécies que por aqui ocorrem. O pôr do sol, os ipês floridos, enfim tanta coisa bonita em um ambiente bucólico identificaria a cidade como um local de prazer e descanso das duas grandes capitais que a cercam.
Seu futuro é este para o bem de seus cidadãos e para seu desenvolvimento social e econômico. O outro, fugaz, será exaurir os últimos remanescentes de mata e continuar enfeando a cidade com a mineração do quartzito até o fim das reservas. Trazer cada vez mais bandidos e contraventores e deixar que continuem as queimadas até afastar aqueles que adorariam um lugar bucólico, limpo e bonito para passear e com eles levando os recursos financeiros e a possibilidade de desenvolver o turismo sustentável, verdadeira vocação da cidade e de seu entorno.
O que acontece em Pirenópolis também vem acontecendo em outras cidades históricas pequenas, onde o turismo pode ser a indústria motora para o desenvolvimento regional, mas que poucos percebem ou acreditam e agem parece que com o objetivo determinado de eliminar esta opção mais duradoura.
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