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O etanol e a natureza

A expectativa de que o Brasil alcance a marca de 22 milhões de hectares plantados de cana-de-açúcar coloca em risco a preservação do que resta de Cerrado e Mata Atlântica.

8 de março de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Nesses dias em que tanto se fala de bioenergia e efeito estufa, o que mais me impressiona é a dança dos números das extensões de terras necessárias para que nosso país aumente a produção de cana de açúcar e oleaginosas e exporte etanol e biodiesel para o mundo, em especial, aos Estados Unidos da América.

Todos sabem o que o Proalcool significou de destruição de Mata Atlântica para o plantio de cana de açúcar, tanto no sudeste, como no nordeste. O que aconteceu de mais triste para o meio ambiente foi o fato de que nem as áreas de preservação permanente (nascentes, margens de rios e demais corpos de água, restingas, mangues, áreas com muita declividade, topos de morro, etc.) e nem tampouco as reservas legais previstas no Código Florestal ( mínimo de 50% na Amazônia e 20% no resto do país), foram respeitadas pelos produtores. Além do mais o processo usual da queima da cana, como toda queima, exala CO2 para a atmosfera; aquele mesmo que é um dos responsáveis pelo aquecimento global. O ex- ministro da agricultura, atual membro da Comissão Hemisférica de Bioenergia, Roberto Rodrigues, tem dito (matéria publicada no Ambiente Brasil) que a produção de alimentos do Brasil está centrada em 62 milhões de hectares e que a cana de açúcar ocupa 6 milhões de hectares, enquanto, na opinião dele, o país possui 90 milhões de hectares aptos para a agricultura, sendo 22 bons para a cana de açúcar. Se os dados estiverem corretos, vamos pular de 6 para 22 milhões de hectares só de cana de açúcar, se o que propugna o ex-ministro for adotado.

De outra parte o Ministério do Meio Ambiente afiança segundo matéria de Frei Betto (Ambiente Brasil) que 70 milhões de hectares foram devastados para dar lugar a madeireiros, mineradores e latifúndios do agronegócio. Mas não especifica quanto desta soma é para o agronegócio. Mais ainda, segundo Sandro Gallazi da Comissão Pastoral da Terra, 25 mil fazendeiros ocupam 132 milhões de hectares e somente 2.000 ocuparam uma área grilada de 70 milhões de hectares. Como pode ser constatado, estes dados não batem com os fornecidos pelo ex-ministro Roberto Rodrigues.

Já o Secretário de Meio Ambiente de São Paulo, o engenheiro agrônomo Xico Graziano, em artigo intitulado “Tamanho Não É Documento”, afiança que nos últimos três governos 912 mil famílias tiveram acesso à reforma agrária e se considerarmos o Governo Collor, Itamar e Sarney “um milhão de famílias tornou-se com terra”. Ele então compara esses dados com os de São Paulo, onde existem 250.000 agricultores e conclui que, se assim for, a reforma agrária no país teria ultrapassado quatro vezes a agricultura paulista, atingindo um total de 51,4 milhões de hectares nos últimos 12 anos.

É momento de notar que como 62 milhões de hectares do país estariam ocupados pela agricultura, segundo o próprio Xico, cifra que está bem perto da fornecida por Roberto Rodrigues, a reforma agrária teria assentado e ocupado uma área equivalente ou bem próxima da produtiva, em termos agrícolas de todo o país. Então e, essa é conclusão do Xico, os agora “com terras” não produziriam nada ou quase nada. O triste da evidência é que, consequentemente, se ratifica que os assentamentos vêm destruindo matas naturais, não só na Amazônia, mas, também, no Cerrado e na Mata Atlântica, violando as restrições constitucionais, o Código Florestal de 1965 e os belos discursos governamentais. E, óbvio, sem obedecer a regulamentação vigente sobre áreas de preservação permanente e reservas legais e, pior, se possível, que o fazem sem beneficio nenhum para o desenvolvimento nacional.

Áreas já ocupadas e destruídas pela pecuária ou agricultura podem ser e devem ser usadas. Isso é um fato inconteste. Os dados acima demonstram que terras já desbravadas não faltam. Se o objetivo do PAC e dos desenvolvimentistas a qualquer custo é de chegar-se a 22 milhões de hectares de cana de açúcar para a produção de etanol, terra existe, de sobra. Mas, por favor, não destruam mais ambientes naturais do que já foi destruído! Pelo menos que se cumpra a legislação em vigor no que concerne a reservas legais e áreas de preservação permanente pelo só efeito da Lei.

Já que a Mata Atlântica praticamente se foi, o Cerrado está nos seus últimos estertores, quase morto como paisagem natural e se avança célere e destrutivamente sobre a Amazônia, se salve pelo menos aquelas áreas indispensáveis para a proteção da natureza e que fornecem os serviços ambientais tão vitais para nossa espécie. Mas, a destruição está avançando sobre as reservas indígenas, nas unidades de conservação sob uso “sustentável” como as reservas extrativistas e até sobre os parques nacionais e reservas biológicas, que são o último refúgio!

Das informações precedentes se depreendem dois fatos que são dignos de destaque: (1) segundo as últimas publicações sobre uso de terras no nosso país, terra parece que sobra, ou, os números estão sendo utilizados conforme a vontade do freguês; e (2) no afã de se produzir e exportar “ energia limpa” nós brasileiros vamos terminar num mar de cana de açúcar, mamona e outras oleaginosas, com toda a sujeira e destruição ambiental que esses cultivos e seus processos industriais provocam. O empobrecimento, erosão e contaminação dos solos, assim como o esgotamento e a contaminação dos aqüíferos e da água de superfície serão prejuízos perduráveis, quiçá irremediáveis no momento em que se desejar voltar a produzir alimentos ao invés de combustíveis baratos. Mas, isso parece que não importa aos nossos governantes. Eles não verão o futuro que preparam para nossos filhos e netos. Os deles estarão provavelmente muito longe, em algum paraíso fiscal.

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