É profundamente desanimador assistir, durante décadas, as justificadas negativas a empreendimentos potencialmente prejudiciais ao meio ambiente e, portanto que recebem sucessivos “não” dos órgãos ambientais responsáveis e que, de repente, com o passar dos anos vira um “sim”, conseguido com maquilagem nova, pressão econômica e/ ou política. Este procedimento já se tornou comum no nosso país, a ponto de nem mais nos animar as primeiras negativas ou embargos ocorridos pelas autoridades ambientais em diversas obras sejam elas hidrelétricas, rodovias, hidrovias, aeroportos, indústrias, loteamentos ou hotéis. No fim, depois de anos, tudo vai ser autorizado mesmo. O setor privado, principalmente, resiste em aceitar um não e vai lutando, modificando relatórios, pagando mais consultores e, enfim, o não vira sim.
Um bom exemplo deste fato é o da hidroelétrica de Tijuco Alto, no vale do rio Ribeira no estado de São Paulo. A Companhia Brasileira de Alumínio reclama que há 16 anos está tentando construir esta obra e que o Poder Público não se define sobre o assunto. Oras bolas, se o Ministério Público e o IBAMA inviabilizaram seu licenciamento há anos, porque os empresários não se conformaram com o não e foram procurar uma alternativa em outro rio e em outra região menos importante e vulnerável? A resposta é simples: porque tinham certeza que no final acabariam conseguindo.
Algumas empresas defendem, há décadas, aproveitamentos perniciosos ao meio ambiente, como o de Tijuco Alto, que teve concessão do DNAEE, em fins da década de 1980 e licença ambiental prévia, concedida em 1994 pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e pelo Instituto Ambiental do Paraná. Graças à interferência do Ministério Público, que apresentou um contundente e extenso relatório técnico de 32 páginas e aos procedimentos seguintes, o IBAMA indeferiu a construção em 2003, com base na fragilidade do EIA/RIMA frente aos indiscutíveis e graves impactos ambientais e sociais da obra.
O rio Ribeira é o único sem barramentos no estado de São Paulo e tem sua foz no estuário de Iguape Cananéia, que é considerada uma das 5 regiões lagunares mais ricas em biodiversidade do planeta, pela União Internacional de Conservação da Natureza (UICN). A hidrelétrica prevê a geração de 144 megawatts, com uma área inundada de 52,8 km2, distante 150 km da fábrica de alumínio em Mairinque, que ela deveria servir. Os impactos ambientais desta barragem são múltiplos e gravíssimos. Talvez o mais importante e perigoso para o meio ambiente seja a contaminação por chumbo do sistema hídrico, devido a depósitos de galena no fundo do reservatório e à exploração deste minério. Este fato será agravado pelas descargas de fundo da barragem e, pelo controle de vazão à jusante, em rio que historicamente já apresenta problemas de cheias, com graves conseqüências sobre as comunidades locais. É, ainda, muito discutível o fato de que o Poder Público transfira para uma empresa privada a responsabilidade de controlar a vazão nas cabeceiras de um rio tão importante e problemático com o rio Ribeira. Somam-se a isso as estradas que propiciariam erosões, as alterações nas formações cársticas, pois a região é rica em cavernas, sendo a mais conhecida a Caverna do Diabo, com possíveis afundamentos, a interferência na fauna aquática, sem falar nas populações, que seriam diretamente atingidas, dentre elas grupos de quilombolas. Os estudos apresentados pela empresa não mencionaram, ou simplesmente desconsideraram a gravidade destes fatos, dentre muitos outros, e em nenhum momento apresentaram soluções ou alternativas cabíveis. Mas mantiveram a pressão política.
Se há 16 anos se temia autorizar barramentos no único grande rio, sem significativos aproveitamentos no estado de São Paulo, imaginem hoje. Todos os rios daquele estado, a exemplo de muitos outros, já tiveram todos seus potenciais hidroelétricos aproveitados. Pelo menos um rio deveria ser preservado e o rio Ribeira, pela sua localização e importância deveria permanecer sem grandes aproveitamentos hidroelétricos. Pelo menos serviria de testemunho. É o único, o último. Assim, se o assunto já era sério em fins da década de 1980 é muito mais sério hoje em dia, pois a situação tem piorado e não melhorado na Mata Atlântica, que está nos seus estertores finais graças à saciedade do poder econômico e à complacência do Poder Público.
O caso do Tijuco Alto é apenas um dentre muitos outros semelhantes. O setor ambiental não se opõe ao desenvolvimento, nem à geração de energia hidroelétrica, como muitos querem fazer crer. Apenas cumpre sua função de evitar danos ambientais e sociais maiores e que, a médio e longo prazo, podem significar mais prejuízo econômico para o Brasil que os benefícios de curto prazo de barragens efêmeras. O que são 50 anos ou 70 anos de vida útil de um reservatório, comparados com recursos naturais e espécies que dão beneficio sustentável ao país há séculos e que, se não são destruídos, lhe serviriam por muito mais tempo?
A sociedade através de Organizações não Governamentais, em especial da SOS Mata Atlântica e do ISA, as prefeituras e muitos outros segmentos, estão se posicionado fortemente contra a construção dessa hidroelétrica, como tem sido fartamente divulgado pela imprensa. Mas, assusta o fato de que a Companhia Brasileira de Alumínio tenha preparado outro estudo de impacto ambiental, modificando e melhorando vários aspectos da primeira proposta da obra, que será discutido e analisado pelo IBAMA, nos próximos 8 meses. Em tempos de PAC, isto significa, ou melhor, tudo indica que a obra será autorizada. Será autorizada na região mais protegida da Mata Atlântica, entre os estados de São Paulo e Paraná, onde existem 21 unidades de conservação decretadas, entre as estaduais, federais e particulares, sejam elas de uso direto ou indireto dos recursos naturais onde se sobressaem: O Parque Estadual de Intervales e de Carlos Botelho, Parque Estadual do Alto do Ribeira, Parque Estadual de Jacupiranga, Parque Estadual da Ilha do Cardoso e a Estação Ecológica de Juréia- Itatins.
A enorme região onde se insere o vale do Ribeira abrange 2,1 milhões de hectares de florestas que correspondem a 21% do que resta de mata atlântica no Brasil, nos estados de São Paulo e Paraná. É a maior área contínua protegida dos remanescentes de Mata Atlântica, incluindo aí as restingas. A barragem, por todos os dados já fornecidos por especialistas, traria conseqüências muito danosas para muitas dessas áreas protegidas, além de prejudicar a vocação natural da região para o ecoturismo, que só não é muito expressivo, na atualidade, porque, como sempre, as unidades de conservação ainda não estão adequadamente implantadas.
É triste que um governo dito socialista possa vir a aprovar um empreendimento que trará mais dinheiro para quem já tem demais, em detrimento do futuro de um rio que corre naquela, ao mesmo tempo, excepcional e frágil região. A empresa interessada poderia abandonar sua já antiga reivindicação e poderia buscar sua energia necessária para a produção de alumínio, em outro local. Se autorizada a obra muitos brasileiros perderão, hoje e no futuro. Resta-nos acreditar que o IBAMA tenha condições para manter seu “não” original, o que parece, neste momento, quase impossível.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →