É interessante constatar que até hoje, sete anos após a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), muita gente e mesmo autoridades e até professores de universidades acreditam, enquanto alguns só pretendem acreditar, que a categoria de manejo Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é de uso sustentável. A verdade é que não é. Existem sérios motivos e confusões na interpretação da Lei, que facultam este duplo entendimento. Na tentativa de esclarecer aqueles que não tiveram envolvimento direto com a preparação da Lei até sua promulgação e, também, de dar um chega para lá naqueles que querem impor o uso direto desta categoria de unidade de conservação, vou contar o que aconteceu e mostrar a legislação em vigor.
A Lei que reza sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza é a Lei nº. 9.985 de 18 de julho de 2000. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº. 4.340, de 22 de agosto de 2002.
No artigo 7º da Lei do SNUC se divide em dois grupos as categorias de unidades de conservação: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. O artigo 8º diz quais são as categorias de unidades de proteção integral:
I- Estação Ecológica;
II- Reserva Biológica;
III – Parque Nacional;
IV- Monumento Natural; e
V- Refúgio de Vida Silvestre.
Os artigos subseqüentes, ou seja, Art. 9º, 10, 11,12 e 13 define estas categorias. Já o Art. 14 reza que são categorias do grupo das Unidades de Uso Sustentável as:
I- Área de Proteção Integral;
II- Área de Relevante Interesse Ecológico;
III- Floresta Nacional;
IV- Reserva Extrativista;
V- Reserva de Fauna;
VI- Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
VII- Reserva Particular do Patrimônio Natural
Os artigos 15 a 21 definem estas categorias de unidades de conservação. Nesta altura quero chamar a atenção para o fato de que realmente a Lei foi assim aprovada. Muitos lutaram no Brasil para que as RPPNs fossem mesmo de uso sustentável. Havia muitos interesses envolvidos, pois grandes proprietários de terras ou grileiros, principalmente na Amazônia, queriam fazer de suas terras RPPNs para não pagar impostos territoriais, mas, principalmente, para evitar invasões, assentamentos rurais e desapropriações em suas fazendas. É evidente que, assim mesmo, queriam usar suas terras diretamente. Só queriam aproveitar-se da categoria de manejo para resolver seus problemas. Tanto é assim que, algumas RPPNs gigantescas tiveram seu registro de reconhecimento cassado.
No entanto, muitos ambientalistas que estavam bem informados foram ao Presidente da República para que ele revertesse esta situação, muito perigosa para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O IBAMA também se posicionou contra o uso sustentável das RPPNs. O Presidente da República então, felizmente, vetou parte do Art. 21 que define as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, tornando-as de fato e de direito em Unidade de Conservação de Proteção Integral. Quer dizer, claramente foi tirado o que rezava a Lei a ser sancionada sobre uso direto dos recursos naturais.
O Art. 21 diz: “A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.
§ 1° O gravame de que trata este artigo constará de termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental, que verificará a existência de interesse público, e será averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis.
§ 2° Só poderá ser permitida, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, conforme se dispuser em regulamento:
I- a pesquisa científica;
II- a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais;
III- (VETADO)
§ 3° Os órgãos integrantes do SNUC, sempre que possível e oportuno, prestarão orientação técnica e científica ao proprietário de Reserva Particular do Patrimônio Natural para a elaboração de um Plano de Manejo ou de Proteção e de Gestão da unidade.”
Assim, como houve veto em parte do artigo que facultava o uso sustentável, ou seja, foi vetado o item III do § 2º, na verdade ela é de fato e de direito de proteção integral, com objetivos claros de unidades de conservação de uso indireto dos recursos naturais e tem como objetivos expressos na Lei somente a pesquisa científica e a visitação. O Presidente não podia vetar os artigos da categorização, espinha dorsal da Lei do SNUC, por isso o remendo mal explicado. Bendito remendo!
O Decreto nº. 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta a Lei do SNUC, nada acrescentou à Lei no que se refere à definição de RPPN, ou de seus objetivos e manejo.
Nos Sistemas Estaduais de Unidades de Conservação muitos Estados consertaram a confusão e esses estados estabeleceram, nas Leis estaduais, a categoria de RPPN como de Proteção Integral.
Assim, o que muitos querem fazer à força, ou seja, o uso direto das RPPNs é total e indiscutivelmente impossível e ilegal, além de altamente indesejável para a conservação da natureza no país. O setor privado vem contribuindo forte e significativamente para a preservação em nosso país, somando seus esforços aos governamentais. O número de RPPNs reconhecidas oficialmente já ultrapassa de 500 áreas, tanto no nível federal, como estadual, e já soma mais de 500.000 hectares. A maioria vem sendo bem manejada. Muitas têm planos de manejo, fiscalização, infra-estrutura e pessoal adequados e recebem visitação expressiva. É, portanto, uma iniciativa que deu resultados práticos, com grande êxito, que não deve ser desvirtuada, para atender interesses de uns poucos aproveitadores.
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