Recentemente alguém me perguntou qual é a importância da biodiversidade para a qualidade da vida humana. No início, a pergunta me pareceu tola e pensei em me recusar a responder. Mas logo considerei que, se essa pergunta foi feita, é porque a resposta não deve ser tão evidente para os outros como é pra mim. O resultado foi o seguinte:
Para explicar de forma fácil, proponho começar imaginando como seria um mundo sem biodiversidade. Se o conceito de biodiversidade ou diversidade biológica se aplica no seu senso mais amplo, a resposta seria muito simples. Viveríamos num planeta mineral. Não existiria nenhuma forma de vida, nem sequer a humana. Com efeito, biodiversidade é um conceito que inclui toda a diversidade das formas de vida, desde as mais simples, como os vírus, até as mais complexas como os humanos. Também inclui a diversidade genética dentro de cada espécie.
Pode-se assumir ainda que, de alguma forma, os seres humanos existiriam em um planeta mineral. Mas a única maneira de sobreviverem num mundo sem biodiversidade seria de forma etérea, ou seja, se fossem espíritos, não sendo preciso satisfazer uma necessidade tão elementar e vulgar como comer.
É preciso levar em conta que os humanos, desde o início dos tempos, obtiveram todos seus alimentos de outros seres vivos. Nisso a nossa espécie não difere de nenhum outro animal. Os humanos, para obterem sua energia diária, devem matar e comer outros animais ou vegetais. Por mais nobres, formosos ou elegantes que sejam os humanos, não podem fugir do ato de comer outros seres vivos, nem de defecar os resíduos. Em outras palavras, a primeira utilidade da biodiversidade para o ser humano é a alimentação. A agricultura e a pecuária são pura e simplesmente biodiversidade domesticada e geneticamente manipulada. Todas as plantas e animais das quais a gente se alimenta, seja no desjejum, no almoço ou no jantar, eram há apenas poucos milhares de anos seres selvagens que nossos antepassados machos perseguiam com paus, pedras, lanças, arcos e flechas, ou eram sementes, nozes e frutas que nossas antepassadas fêmeas coletavam com os dedos, uma a uma.
Pode-se pensar que hoje, desenvolvidas a agricultura e a pecuária com técnicas sofisticadas de produção, (incluindo bioengenheria) o restante da biodiversidade não tenha mais utilidade. Quem pensa assim está radicalmente errado. Os famosos cultivos transgênicos, apresentados como a garantia de uma humanidade sem fome no futuro, dependem da disponibilidade de material genético que, quase sempre, está ainda na natureza. Por isso é tão importante conservar amostras representativas da diversidade biológica do planeta, ou seja, os parques nacionais e outras unidades de conservação.
No começo da civilização e até muito pouco tempo a biodiversidade também era o principal recurso para a vestimenta humana. Peles e couros, algodão, lã, seda, juta, e outros materiais eram considerados básicos para os homens. Hoje, o plástico e as demais fibras sintéticas estão cada vez muito presentes nas vestimentas, embora os insumos naturais continuem sendo onipresentes. E, apenas para não deixar escapar nada, é bom lembrar que os materiais sintéticos de hoje dependem em enorme medida da biomassa acumulada nos estratos terrestres há milhões de anos atrás, como o petróleo.
Também desde os alvores da civilização foi a biodiversidade que ofereceu material de construção, como ossos de baleia ou madeira para as estruturas, e móveis ou palha para os tetos das casas. A biodiversidade, na forma de materiais flutuantes permitiu navegar e até voar nas estruturas e asas dos primeiros aviões. E, a biodiversidade, na forma de lenha, também é, desde o início dos tempos, a matéria prima do fogo, que forjou as civilizações.
A biodiversidade sempre foi e será a inspiração ou a base da medicina, obviamente excetuando a cirurgia. As plantas foram os primeiros remédios da humanidade nas mãos dos bruxos e, até hoje, são essenciais para o avanço da ciência. Muitos medicamentos provêm das plantas bem conhecidas, mas a maior parte deles vem das que são encontradas em remotas selvas, desertos e mares. E há muito mais o que ainda se desconhece. Não se pode esquecer ainda da importância de substâncias de animais para uso na medicina, como os venenos extraídos das cobras peçonhentas. A biodiversidade é, também a fonte da beleza humana, desde o leite de burra onde se banhava Cleópatra, até os mais sofisticados perfumes franceses.
Mas a biodiversidade é, claro, muito mais que alimento, vestimenta, material de construção, combustível, medicina ou cosméticos. A biodiversidade é a base de nosso sentido estético e, como tal, é a grande promotora do turismo e de outras tantas atividades em ambientes naturais, como a caça esportiva, a pesca, a observação de aves e o amadorismo entomológico, por exemplo. Poucas coisas são mais representativas da qualidade de vida dos humanos do que as belas paisagens ou as flores.
Então, a correlação entre biodiversidade e qualidade de vida é absoluta, estreita e direta. Os povos que cuidam da sua biodiversidade a conservam através de estudos científicos. Além dos benefícios e serviços mencionados, podem obter vantagens novas e nem sempre previsíveis. A biodiversidade preservada é como um banco central de reserva, onde se cuida do patrimônio da nação e se extrai o necessário, no momento preciso, para salvar o país de uma emergência. Apenas as riquezas contidas nas unidades de conservação, onde a biodiversidade é oficialmente preservada, são infinitamente mais valiosas do que as contidas nos bancos humanos, sem contar que nem sabemos ao certo todas as riquezas que estão lá esperando o dia de serem úteis para a gente.
Na verdade, para concluir, a pergunta: “qual é a relação entre biodiversidade e qualidade de vida” é simplesmente absurda. É como perguntar qual é a relação entre a vida e a qualidade de vida. Sem vida não existe qualidade de vida. Sem biodiversidade não existe vida… nem a humana.
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