O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, não atualizou sua geografia e é daqueles que não acreditam em prevenção. Também não parece ter noções elementares de probabilidade, instrumento essencial da epidemiologia. Disse que “impedir que ele chegue [o vírus da gripe aviária] é uma bobagem, o vírus já chegou na Alemanha, na Itália, na Checoslováquia, na França”. Para ele, as aves migratórias podem trazer o vírus para terras brasileiras. Essa declaração, pelo titular de uma pasta que tem por obrigação lidar com epidemias, fenômenos de contágio e minimização de riscos coletivos, é um esplêndido exemplo de por que não se deve nomear ministros por critérios clientelistas ou pelo puro toma-lá-dá-cá partidário.
A gripe aviária não pode ter chegado à Checoslováquia, porque ela desapareceu junto com a Europa comunista: uma parte virou República Tcheca e a outra Eslováquia, países independentes, resultantes de uma separação pacífica, após muito tempo de convivência forçada sob a mesma bandeira. Fora esse deslize geográfico, todo o resto da declaração ministerial também está errada.
Epidemias são processos de contágio. A probabilidade de contágio aumenta com o incremento do número de casos individuais de portadores do vírus no ambiente. Logo, quanto mais possibilidades de entrada e disseminação do vírus forem eliminadas pelo controle, fechamento de portos, quarentenas e proibição de importação de indivíduos que podem ser portadores do vírus, menor o risco – a probabilidade – de epidemia. Algum assessor mais bem informado deveria ter contado ao ministro da Saúde Pública, que saúde pública é matéria sobretudo de prevenção. Certamente, adotar medidas de precaução nunca é bobagem. Canja de galinha pode ter ficado sob suspeita ultimamente, mas cautela nunca é demais. Prevenção é obrigação.
É por não termos mecanismos de prevenção de nomeações ineptas para cargos relevantes, que nós cidadãos somos forçados a ouvir todo tipo de tolice de autoridades constituídas pelo método fisiológico. Fomos alertados pelo ministro, num momento de cândida revelação de suas limitações intelectivas, de que vivemos situação extrema de risco epidemiológico. Pois a afirmação de que é bobagem tentar evitar uma epidemia, pela autoridade máxima responsável pela saúde coletiva, significa dizer que nada há a fazer não só com a gripe aviária, mas com o dengue, o cólera, a tuberculose, o sífilis, o HIV e tantas outras ameaças de epidemia e pandemia por contágio, que já estão aí. Mas são exatamente os cuidados preventivos, a detecção precoce e o tratamento adequado, no tempo adequado, que impedem sua propagação.
A cultura brasileira nunca foi de dar prioridade à prevenção. Basta uma examinada no histórico dos orçamentos executados – não os escritos – da saúde pública no Brasil. Mas, foi precisamente na prevenção – nunca na assistência curativa, no tapa-buraco – que tivemos as maiores vitórias no Brasil, como a erradicação da poliomielite, por exemplo. O avanço do saneamento e a disseminação do soro caseiro contribuíram, de forma decisiva, para derrubar a mortalidade infantil no Brasil, de forma muito rápida, para o patamar de 27:1000, ainda alto porque continua elevado o déficit de saneamento no país.
Os batalhadores da saúde pública no Brasil, de Oswaldo Cruz a Sérgio Arouca, devem ter tremido no túmulo, ao ouvir um ministro da Saúde dizer besteira sanitária desse tamanho.
Como não temos vacina contra o fisiologismo e a incompetência no setor público, só nos resta esperar que o desmazelo das autoridades não nos exponha a risco excessivo. Não teríamos apenas uma série de tragédias humanas com uma epidemia de gripe aviária, mas sofreríamos grave dano econômico. Somos um grande exportador de carne de frango, competente e competitivo, e nossas aves são saudáveis. A contaminação seria um golpe em nossas exportações e em nossa balança comercial. Por razões de saúde pública e de economia, tolice seria ficarmos de braços cruzados, à espera da revoada virótica.
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