A Confederação Nacional da Indústria divulgou recentemente uma sondagem especial entre as empresas industriais sobre meio ambiente. O destaque foi todo para as reclamações. As empresas vêem exagero nos requisitos ambientais, denunciam o custo para atender às exigências ambientais, reclamam da complexidade das regras e da demora para o licenciamento.
O fato é que a regulação e a exigência de licenciamento estão se generalizando pela economia brasileira: 84% das empresas sondadas precisaram de licenciamento ambiental. Esse número pode ser visto como bom ou como ruim. É bom para quem acredita, como eu, que a atividade empresarial precisa de regulação. E precisa muito, de regulação ambiental. Se não, vira um salve-se quem puder.
O número é visto como ruim, para aqueles que acham que regulação só atrapalha. O problema é que dificilmente a maioria das empresas tomará os cuidados necessários com o meio ambiente por vontade própria. A choradeira dos empresários pode ser vista como um indicador de que poucas delas exerceriam autodisciplina suficiente sem regulamentação.
A coisa pega é nas disfunções do setor público brasileiro, que deslegitimam a regulação e permitem que se confunda exigência legitima e necessária, de incompetência burocrática e achaque: 73%, dizem ter tido problemas com o licenciamento, mostra a sondagem da CNI. A grande maioria, 65%, reclama da demora na análise dos pedidos de licença. Devem ter toda razão. Nada anda funcionando bem no setor público, como tenho tentado mostrar aqui. E precisava funcionar direito, porque a contrapartida da regulação é um órgão regulador isento, sério e eficiente.
Agora, porque uma coisa é mal feita, não significa que não deva ser bem feita. Regulação ambiental tem no mundo todo. E sem ela seria uma tragédia ambiental ainda maior. Quem quiser ser competitivo nesse novo mundo, tem que adotar práticas sérias de gestão ambiental sim. Essa é uma área, na qual o mercado, só passará a exercer autodisciplina, depois que a maioria absoluta dos consumidores, individuais e corporativos, passar a exigir padrões ambientais de produção. Enquanto isso, a única forma de garantir um mínimo de respeito ecológico é estabelecer mecanismos de governança ambiental. Chamo de governança, exatamente, para enfatizar três características: legitimidade, eficiência e democracia. O que se pode dizer, hoje, no Brasil é que estamos diante de um apagão regulatório. E isto é verdade. Precisamos mais do que uma reforma regulatória, de uma revolução regulatória. Mas, depois dessa revolução, teremos governança regulatória ambiental, e não liberação geral.
O fato é que aumentou a proporção de empresas que adota práticas de gestão ambiental, aumentou o número de atividades que são exercidas a partir de licenças ambientais e aumentou o investimento na área ambiental: 80% das empresas industriais dizem investir em proteção ambiental; 52% menos de 3% do total do investimento, 39%, entre 3% e 11% e 9%, acima de 11%.
Mas a pesquisa mostra, também, que 56% reclamam dos custos para atender às exigências ambientais. Aí tem cara de choradeira de empresário. Empresário brasileiro é dos mais chorões do mundo. Reclama de tudo e acha que o estado está aí só para atrapalhar, cobrando impostos demais e regulando demais. Só não acha que tem excesso de estado, quando quer subsídios, incentivos e outros benefícios. Ainda recentemente, ganharam juros mais baixos do BNDES e um pacote de ajuda para a agropecuária.
Boas práticas ambientais são uma exigência da nova economia e desse novo mundo, já informado, pela ciência, de que aquecimento global e graves perdas ambientais, que se transformam em desastres econômicos, não são ficção ou catastrofismo de ambientalista. São reais e estão se tornando iminentes. Não foi por outra razão que as seguradoras nos EUA incluíram indicadores climáticos, ligados ao aquecimento global, em seus modelos de risco. Com isso, aumentaram os prêmios nas regiões de incidência de furacões e maremotos. Pois a probabilidade desses eventos e com maior intensidade, aumentou comprovadamente, por causa da mudança climática. Também não é por acaso que oito gigantes do setor de energia, no EUA, entre eles General Electric, Shell e Exxon, foram à Comissão de Recursos Naturais e Energia do EUA, pedir que o Congresso adote medidas fortes de restrição á emissão de gases estufa. O big business não está satisfeito com a atitude de Bush filho, que despreza as evidências, a maioria obtida por pesquisas pagas pelo Tesouro de seu país, sobre mudança climática. Nem é de graça o apoio do CEO da Wal-Mart, Lee Scott, a esse pedido e o anúncio de metas agressivas de gestão ambiental para os próximos dez anos, nessa cadeia gigante de lojas.
A prova de que a regulamentação e o licenciamento são necessários está nas próprias respostas das empresas: 74% delas dizem ter adotado práticas de gerenciamento ambiental. Mas só 20% fizeram isso para agradar seus consumidores e um número menor ainda para melhorar a qualidade ou ganhar em competitividade. A maioria esmagadora, 60%, adotou esses procedimentos para atender a regulamentos ambientais e 53% para atender às exigências de licenciamento.
Portanto, não é o caso de relaxar a regulamentação e o licenciamento, que protegem nosso patrimônio comum e a saúde coletiva, mas de melhorar a sua aplicação, para que não prejudiquem as empresas. Tampouco adianta resistir a formas ambientalmente corretas de gestão empresarial. Os consumidores vão demandar isso cada vez mais. É bom para a empresa, para o país e para o mundo.
É melhor gastar energia atacando as bandas podres do setor público, que não têm competência, que achacam os empresários, que atrapalham quem quer trabalhar direito. Mas aí, é preciso ter a coragem de denunciar os maus elementos que abusam da autoridade pública. Minha experiência é ver a maior chiadeira, nos fóruns empresariais, contra a corrupção e a incompetência. Mas, quando são chamados a denunciar esses maus elementos, recuam, temerosos de sofrerem retaliações. Aí, vira um círculo vicioso e as tragédias, políticas, econômicas, sociais e ambientais são todas resultado de círculos viciosos. A única saída é romper essa cadeia trágica. Tem um custo inicial alto, mas, no longo prazo, compensa largamente.
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