O mercado financeiro está atento às evidências de mudança climática e sua relação com a concentração de gases estufa. Grandes investidores institucionais têm pressionado as empresas a tornarem público seu balanço de emissões. O Carbon Disclosure Project é um dos mecanismos utilizados por investidores institucionais para obter a divulgação dos balanços de carbono das empresas. Iniciado em 2000, o projeto consiste em enviar uma carta e um questionário às 500 maiores empresas globais listadas pelo Financial Times, com o objetivo de obter o registro de suas emissões de gases estufa, saber as medidas de neutralização que estão pondo em prática e sua avaliação sobre os riscos associados à mudança climática.
Este ano, foram entrevistadas mais empresas, 2180 ao todo, das quais 950 responderam (43,6%). Mas, entre as maiores globais, 360 responderam (72%). Há uma clara evolução na adesão das empresas ao processo de abertura de suas informações sobre emissões de gases estufa: a proporção das que responderam ao questionário saiu de 47%, no primeiro relatório, para 59%, no segundo e 72%, agora. O grupo de investidores que apoiou a iniciativa deste ano soma 225 instituições, que controlam mais de US$ 31 trilhões.
O relatório de 2006, com o resultado das respostas das maiores globais do FT, foi lançado no último dia 18, em New York, tendo Al Gore como “keynote speaker”. Ontem, dia 19, foi lançado em Hong Kong. Hoje está sendo lançado em Londres. Ao longo de setembro, outubro e novembro, será lançado em outros países e, no dia 29 de novembro será a vez do Brasil, em Curitiba. O levantamento registra emissões de carbono equivalentes a 10% das emissões globais, totalizando mais de 3 bilhões de toneladas de CO2. Os setores de mais alto impacto no clima são os que mais se dispõem a tornar públicas suas emissões, atingindo 94% de respostas no segmento de produção de energia elétrica – internacional. As empresas européias se dispõem a tornar públicas suas emissões de gases estufa em proporção superior à da média: 86%. As empresas baseadas no EUA são as mais relutantes: apenas 66% abriram seus balanços de gases estufa. No Brasil, 50 empresas foram pesquisadas, das quais 30 (60%), responderam, um índice ainda mais baixo, e são empresas globais, é bom lembrar.
Não é por acaso. Como a Europa é signatária do Protocolo de Kyoto e tem um mercado de carbono ativo, as empresas de alto impacto são obrigadas a divulgar seus balanços e, se estiverem acima de suas cotas, têm que comprar créditos para compensar o excesso. Além disso, as que reduzem emissões e ficam abaixo da cota, podem vender créditos. No EUA, que não é signatário do Protocolo, o mecanismo é voluntário e só agora alguns estados o estão tornando compulsório. O Brasil é signatário, mas faz parte do Anexo C, de países liberados de cotas. De um modo geral, a maior disposição de abertura do balanço de emissões se dá entre empresas dos países do Anexo B do Protocolo de Kyoto, que são os mais propensos a adotar medidas regulatórias para conter as emissões de gases estufa. Uma indicação a mais de que o mercado, por si só, não é capaz de induzir a redução das emissões, como acredita o governo do EUA.
O relatório mostra que 87% das empresas dizem que a mudança climática representa risco ou oportunidade comercial para elas, mas apenas 35% acham que as respostas regulatórias à mudança do clima podem constituir risco financeiro. Contudo, apenas 36% vêem a mudança climática como uma fonte de risco regulatório. A ação concreta, porém, está ainda atrasada em relação ao reconhecimento do risco: apenas 48% das companhias que disseram que a mudança climática representa risco comercial ou oportunidade adotaram medidas de redução de gases estufa. O mercado de créditos de carbono é, entretanto, considerado relevante para suas operações por 46% das que responderam.
A maior parte do problema, a julgar por essa amostra, está concentrada em alguns poucos setores: 80% das emissões de gases estufa registrados pelas empresas vêm de quatro grupos, energia elétrica – setor internacional; energia elétrica – América do Norte; Petróleo e Gás integrado; Metais, Mineração e Siderurgia. Mais ainda, o relatório mostra que a intensidade das emissões varia significativamente entre os setores e dentro deles.
O relatório apresenta, também, um “Índice de Liderança Climática”, que procura informar aos investidores aquelas companhias de alto impacto no clima que apresentam as melhores práticas de divulgação desse impacto, com base na qualidade das respostas ao questionário. O índice varia de 0 a 100. No segmento de energia elétrica – internacional, a líder foi a RWE, com 95 pontos. No setor de energia elétrica – América do Norte, o grupo FLP ficou na frente, com 85 pontos. Em petróleo e gás integrado, a BP obteve 95 pontos, ficando na liderança. Em metais, mineração e siderurgia, a ponta ficou com a Rio Tinto, com 95 pontos, seguida pela BHP Billington, com 90 pontos. No setor automotivo, a BMW é a primeira, com 85 pontos, seguida pela Ford e pela Renault, com 80 pontos, cada. Na indústria química, a Bayer é a melhor, com 90 pontos, seguida pela Dow e pela Praxair, com 85. Entre os bancos, o HSBC, o UBS e o Westpac, são os primeiros, com 90 pontos, acima do ABN Amro, com 85.
É uma iniciativa importante, apesar de suas claras limitações. As informações são prestadas voluntariamente pelas empresas e não são verificadas. As variações anuais refletem mais mudanças de atitudes de empresas individuais do que tendências que possam ser medidas efetivamente. Por exemplo, o aumento na tonelagem de emissões registrada a cada ano é mais indicativo do crescimento do número de empresas abrindo seus dados, do que de emissões propriamente ditas. Mas ela tem, também, virtudes. O relatório voluntário revela uma atitude positiva importante, de empresas se dispondo a tornar público seu impacto no clima e de se submeter à pressão de investidores e consumidores, para adotar medidas de redução de emissões.
O relatório nota que uma meta-análise das publicações científicas sobre o clima revelou quase unanimidade científica a respeito da existência da mudança climática e da responsabilidade da intervenção humana, via emissões de gases estufa, nesse processo. O número crescente de adesões de empresas a iniciativas como essas, também é sinal de que vai se formando consenso majoritário sobre o clima no mundo corporativo. A liderança assumida pelo governador da California, Arnold Schwarzenegger, no partido Republicano, na política do clima, está deixando o presidente Bush isolado. Bush é o último dos céticos que detém muito poder. Nenhuma surpresa, é o último dos “cold warriors” na ativa também. Está sendo pressionado por seu partido – com manifestações explícitas de bispos evangélicos conservadores, de empresários republicanos e de políticos e lideranças do partido – para que altere sua política sobre o clima. Hoje não há um cientista sério que negue a mudança climática ou o efeito estufa causado pela ação humana. Os céticos, agora, são os que não acreditam que a humanidade possa enfrentar o problema. Continuam em minoria.
Os sinais são muitos e claros de que estamos caminhando, devagar, infelizmente, rumo a um consenso climático. Ele provavelmente desembocará em um “Pós-Kyoto” muito mais exigente e muito mais efetivo do que o Protocolo original. Essa junção entre o consenso científico, o crescimento da concordância no mundo corporativo de que há risco e oportunidade no clima e o crescimento da consciência ativa dos consumidores, chegará à política e gerará consensos políticos mais firmes e eficazes no futuro. Resta torcer para que dê tempo.
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