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EUA: mudança pelo voto

Houve uma onda verde na eleição do EUA. Dela saíram governadores, uma Câmara e um Senado, “mais verdes”, dizem os ambientalistas. E com eles cresce a esperança em mudanças.

11 de novembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Fiquei espantado com a interpretação dominante de que não haveria mudanças radicais nos Estados Unidos, após a vitória democrata, que tirou de Bush o controle do Congresso dos Estados, inverteu a correlação de forças na federação – antes os republicanos tinham mais governadores, agora os democratas é que têm – e deu a maioria aos democratas também em vários legislativos estaduais.

Tem a ver, talvez, com idéia de que não haveria um reviravolta em relação ao Iraque, ao Irã e à guerra contra o terrorismo. Nessa dimensão, nem pode haver. O presidente continua sendo muito poderoso, por causa dos instrumentos de poder do Executivo, que fazem os analistas locais falarem em “presidência imperial”. Mesmo politicamente enfraquecido, principalmente em questões de segurança nacional e militar, o presidente tem a voz dominante.

Pois não foi exatamente aí que começou a mudança, com a demissão de Donald Rumsfeld , o chefe todo-poderoso do Pentágono? Em seguida, Bush, que nunca admitiu qualquer discussão em torno de sua política para o Iraque, disse em coletiva à imprensa que estava “aberto a novas idéias para o Iraque”. Está certo que ao substituir Rumsfeld, Bush garimpou no mesmo setor do establishment, em que tem buscado seus auxiliares. Mas o ex-diretor da CIA, Robert Gates, é conhecido por ser pragmático e saber construir consensos.

Mesmo retendo todo o poder, é preciso reconhecer que, nos Estados Unidos, a maioria manda. A presidência das comissões mais importantes da Câmara e do Senado mudará de mãos. Nancy Pelosi, que presidirá a nova legislatura na Câmara, disse que trabalhará em parceria com a Administração Bush, mas para mudar. Já foi recebida por Bush, para iniciar os entendimentos. Ela é a segunda na linha de sucessão. Ontem, foi a vez do senador democrata Harry Reid, que presidirá o Senado, ir à Casa Branca. Na saída, disse que a prioridade um dos democratas será revigorar os mecanismos de fiscalização parlamentar do Poder Executivo, com um foco no Iraque. “Vamos descobrir o que anda acontecendo com a guerra no Iraque, simplesmente não houve fiscalização nos últimos anos”, declarou.

O senador Carl Levin, democrata de Michigan, vai presidir a poderosa comissão das Forças Armadas e disse que preparará uma resolução estabelecendo o plano de retirada programada e gradual das tropas do Iraque, estabelecendo um prazo para que os iraquianos “façam os compromissos políticos que só eles podem fazer”, após o qual começaria a retirada das tropas. “É preciso deixar claro que nosso comprometimento não é sem-fim”.

Poder Dividido

Mudança radical, só com revolução. Mas mudança haverá e significativa. Lá, não é como aqui. Quando há uma mudança de lado no voto, há conseqüências políticas significativas, embora não radicais. A sociedade não é radical. Democratas e republicamos não ocupam pólos extremos, mas dois pontos eqüidistantes do centro do espectro político. E entre esses pontos existe, há algum tempo, parlamentares dos dois partidos, que agem de comum acordo, ora pendendo para a posição central dos democratas, ora pendendo para a posição dominante entre os republicanos. Bush é que é extremado. Ele é que está fora da curva. E agora, será forçado pela maioria a se mover mais para o centro. O que aconteceu foi a divisão clara do poder, pelos eleitores. Os postos de poder do Congresso, as presidências das duas Casas e das comissões, saíram do controle de Bush e dos republicanos. Para realizar a parceria que Nancy Pelosi e os democratas estão oferecendo, Bush terá que despartidarizar suas atitudes e, mais importante, mover-se ao centro em todas as questões em que houver controvérsia com o Congresso. Para um país como o EUA, é mudança bastante. Para um presidente como Bush é uma mudança quase radical.

Clima de mudança

Na área ambiental a mudança pode ser mais rápida e efetiva, do que no campo da segurança nacional. Na segurança, há mais limitações estratégicas e o medo opera a favor de Bush. Embora a maioria dos cidadãos do EUA esteja contra a sua política para o Iraque, maioria ainda mais expressiva continua temendo os ataques terroristas e os inimigos externos. Na verdade, boa parte dos que são contra a diplomacia de guerra de Bush se opõe a ela por temer que induza retaliação terrorista.

No meio ambiente, o medo está contra Bush. A maioria teme os efeitos do aquecimento global, os danos à saúde causados pela poluição e votou pela mudança da política ambiental, em geral, e do clima, em particular.

Meio ambiente não fazia parte dos temas centrais que apareciam as pesquisas. Mas a preocupação ambiental aparecia com clareza em vários tipos de manifestação. As próprias pesquisas, quando perguntavam, encontravam o descontentamento da maioria com a política ambiental. Uma pesquisa AP/IPSOS, por exemplo, mostrou que 62% discordam da maneira como Bush está lidando com questões domésticas, como meio ambiente, assistência médica, educação e energia. Só 35% aprovam sua condução nessas áreas. Menos do que na política externa, 44%, e na economia, 39%.

Verdes vitoriosos

Vários políticos com inclinações verdes venceram disputas contra candidatos que se opunham a medidas de proteção ambiental. No estado de New York, o democrata Eliot Spitzer, que tem credenciais ambientais respeitáveis, venceu o republicano John Faso, cujas opiniões sobre o ambiente são tudo, menos limpas. Spitzer, como Procurador Geral do Estado de New York processou Bush por má conduta em questões ambientais como emissões de gases estufa; poluição de mercúrio pelas termoelétricas e uso de pesticidas em escolas públicas. Levou as tribunais, também, vários poluidores.

O seu maior feito foi forçar seis termoelétricas do estado a reduzir as emissões de gases estufa em volume que equivale a retirar 2,5 milhões de carros das ruas. Foi, também, o primeiro Procurador-Geral estadual a processar termoelétricas a carvão de outros estados, pelo smog e chuva ácida que provocavam em seu estado. Foi apoiado por todas as celebridades ambientalistas da cidade de New York. Robert Kennedy Jr deu uma declaração de apoio, na qual dizia que “eu sei que o combate ao aquecimento global, a limpeza do rio Hudson, o fechamento da planta nuclear de Indian Point, são questões que ele vai enfrentar efetivamente. Se alguém pode resolver essas questões, essa pessoa é Eliot Spitzer”. Ele ganhou com a maior diferença da história eleitoral do estado.

Em Massachussets, o democrata negro Deval Patrick deu uma surra na republicana Kerry Healey. O tema fundamental foi a oposição à Iniciativa Regional sobre Gases Estufa, uma espécie de Protocolo de Kyoto do qual participam 7 estados do Nordeste do EUA, pelo governador republicano, Mitt Romney, de quem Healey era vice. Romney desistiu de concorrer à reeleição por seus baixos índices de popularidade.

Patrick foi Procurador-Geral Assistente do EUA para assuntos de direitos civis, no governo Clinton. Os ambientalistas apoiaram sua candidatura em massa, dizendo que tinha não só um ótimo programa ambiental, mas também a coragem para implementá-la. Ponto um da agenda, o retorno à Iniciativa.

Na Pennsylvania, o governador Ed Rendell, que implementou políticas a favor das energias limpas, contra a poluição por mercúrio e de criação de unidades de conservação, ganhou a reeleição contra o representante da indústria siderúrgica de Pittsburg – uma das mais poluidoras e reacionárias do EUA – ex-jogador de futebol americano e apresentador de esportes da ABC, Lynn Swan. Rendell.

Em Maryland, o democrata Martin O’Malley, ex-prefeito de Baltimore, ganhou do governador republicano Robert Erlich, que buscava a reeleição. Erlich era criticado pelos ambientalistas por cortar verbas das unidades de conservação e por sua inação em relação à qualidade do ar. Ele se recusou a assinar o processo contra Bush pela regulação frouxa sobre mercúrio. O prefeito O’Malley assinou por Baltimore ao lado dos 11 estados que moveram o processo.

Os ambientalistas estão contando como uma vitória a reeleição de Arnold Schwarzenegger, embora tenham apoiado seu concorrente democrata, Phill Angelides. Afinal, Arnie aprovou a mais avançada lei de redução de emissões de gases estufa do país e concorreu com um programa ambiental impecável. O porta-voz da influente organização ambientalista Sierra Club, Eric Antebi, disse à imprensa que Schwarzenegger sofrerá muita pressão dos republicanos e do presidente, “mas se ele mostrar liderança e fizer a coisa certa, estaremos lá, a seu lado”.

Pintando Capitol Hill de Verde

No Congresso do EUA, maioria governa e manda. Já se sabe quem presidirá a Câmara e o Senado, os respectivos líderes da minoria, transformados em líderes da maioria. Já se sabe quem presidirá as comissões parlamentares.

A derrota parlamentar mais comemorada por todos os ambientalistas do país foi a de Richard Pombo, deputado republicano pela Califórnia, que perdeu para o desconhecido engenheiro especializado em energia eólica, Jerry McNerney, que fez campanha centrada na defesa da energia limpa. Pombo era um dos mais poderosos deputados republicanos, há 11 anos na Câmara e presidente da poderosa comissão de Recursos Naturais, que examina legislação sobre cardumes pesqueiros, vida selvagem, terras públicas, populações indígenas, irrigação, mineração e oceanografia. Considerado o inimigo nº 2 do ambientalismo – adivinhem que é o nº 1 – Pombo é, na verdade, em matéria de política ambiental, um falcão. As ONGs ambientalistas despejaram US$ 1,5 milhões na campanha de McNerney.

A Liga dos Eleitores pela Conservação, que investiu vários milhões de dólares na campanha de candidatos verdes, demonstrou euforia após as eleições: dos nove candidatos que listou como os “campeões do meio ambiente”, oito foram eleitos. Da lista dos “Doze Sujos”, “derrotamos nove”, diz Gene Karpinski, seu presidente.

A diretora política do Sierra Club estava eufórica na manhã do dia 8 de novembro, o day after das eleições desse ano no EUA. “O ambiente ganhou na noite passada! Os eleitores escolheram uma Câmara mais verde, um Senado mais verde e governadores mais verdes”.

E agora?

Os analistas consideram, agora, mais provável um acordo bipartidário, como o que foi negociado na Califórnia por Schwarzenegger, para aprovar uma lei federal sobre controle de emissões de gases estufa. Essa lei fortaleceria os mais de 20 estados que já têm alguma legislação nesse sentido e mais ainda os 12 estados que, como a Califórnia, desejam implantar um sistema de cota e crédito. Ele se livrariam das dezenas de processos que estão correndo na justiça, com a alegação de que só o Governo Federal pode legislar sobre cotas para emissões.

Essa expectativa foi reforçada pelas declarações da senadora democrata, a californiana Barbara Boxer, que vai presidir o Environmental Public Works Committee do Senado. Ela disse que os democratas promoverão uma mudança efetiva nas políticas para aquecimento global, qualidade do ar e lixo tóxico.

Boxer estará substituindo o republicano conservador James Inhofe, na presidência da comissão. Inhofe bloqueou projetos que buscavam reduzir a emissão de gases estufa, chamando o aquecimento global a “maior farsa jamais perpetrada contra o povo americano”. Uma reviravolta, esta sim, quase radical.

Os ambientalista calejados, sabem que não será uma revolução. Dizem que um Congresso mais verde pode lançar os fundamentos para uma virada na política ambiental, depois que Bush se for.

Com o poder dividido entre a Casa Branca e o Capitólio, só serão aprovadas aquelas mudanças que forem objeto de acordo bipartidário. Por isso, existe alguma chance de que haja mais que avanços apenas incrementais em algumas áreas. Bush está isolado no seu extremismo. Já cedeu, em parte, e cederá mais no tema do Iraque, onde é mais difícil avançar muito, rapidamente. Um dos principais auxiliares na área ambiental foi citado em off, esta semana, na imprensa, dizendo que o governo vai trabalhar com a senadora Boxer. A senadora informou que George Banks, diretor-associado para Relações Internacionais, do Council for Environmental Quality, da Casa Branca, pediu um encontro para discutir aquecimento global.

A perspectiva é de mudança. O melhor seria que, pressionado por republicanos e democratas, Bush aceitasse avanços no reconhecimento oficial da agenda do clima. Isso, certamente, permitiria que houvesse progresso nas discussões para revisão do Protocolo de Kyoto e sobre o acordo para o pós-Kyoto. A diplomacia do EUA se recusou a discutir essas questões no âmbito do Protocolo e, como uma solução de compromisso, criou-se na COP de Montréal uma arena paralela, absolutamente vazia, um “diálogo” sobre alternativas para o futuro. Não está dando em nada. E esse era o objetivo. Realmente, só depois da saída de Bush, se deveria esperar o retorno ao Protocolo em si. Mas a aprovação, por exemplo, de uma lei federal regulando emissões de gases estufa, seria um combustível poderoso para avanços no âmbito do Protocolo.

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