A cada dia aumenta o número de entidades empresariais, empresários e consultores de empresas que apóiam a campanha pelo relaxamento da legislação ambiental no Brasil e a demissão da ministra Marina Silva e seus “xiitas”, para substituí-la por alguém que seja complacente com o desmando ambiental. É uma campanha que mistura oportunismo, hipocrisia e erros compreensíveis de visão de pessoas ingênuas envolvidas no debate, mas com compreensão apenas de um dos lados dessa complicada equação.
O retorno da soja
O sucesso dessa campanha legislativa e política representará o caminho mais rápido para o apagão ambiental e não adicionará um centésimo de percentual de crescimento duradouro à economia brasileira. Ao contrário, prejudicará o crescimento no médio prazo. Até porque, o relaxamento ambiental só vai gerar investimento onde ele já está garantido, pelo desaparecimento dos verdadeiros fatores que o vinham inibindo. Na soja, por exemplo, cuja retração nos últimos dois anos foi um dos principais fatores de redução do desmatamento na Amazônia. O frenesi do etanol que se espalha pelo EUA, substituindo plantações de soja por milho, levou à recuperação do preço da leguminosa no mercado mundial, como mostra Míriam Leitão em sua coluna do último sábado em O Globo.
A tendência de substituição está dada, principalmente, pelo diferencial de crescimento do preço da soja e do milho: os preços da soja já cresceram 16% e do milho 85%, nos últimos 12 meses, e eles andam juntos. Conclusão, as plantações de milho crescerão no EUA e as de soja no Brasil. Hora de endurecer o jogo, para evitar o desmatamento. Mas o presidente Lula da Silva, obcecado com a promessa vã e irrealizável de crescer 5% ao ano nos próximos quatros anos de mandato, quer o contrário: relaxar.
Controvertida
O processo de pressão por mudança na legislação ambiental é o mais grave. Trocar ministros é uma prerrogativa dos presidentes. Claro que a troca deliberada de uma ministra ligada ao ambientalismo por uma pessoa contratada para ser frouxa na gestão ambiental beira o crime de responsabilidade. Quem me lê aqui, sabe que tenho sido duro crítico de muitas das políticas da ministra Marina Silva e discordado de muitas das atitudes dela e de sua equipe.
Não acredito, por exemplo, que a política de concessão florestal seja boa ou mesmo recomendável para a Amazônia. A melhor defesa que se faz dela deriva do diagnóstico da impotência do estado para zerar o desmatamento. Com as concessões, ganha-se aliados, que desmatarão provavelmente mais devagar do que os vorazes desmatadores ilegais, em ação quase livre por toda a região que vai da Amazônia ao Cerrado, passando pelo Pantanal. Mas a única meta aceitável é o desmatamento zero e um estado que não é capaz de impô-la, tampouco será eficaz na regulação do manejo florestal, nem pode assegurar aos brasileiros que o manejo será feito sob o império absoluto da lei.
Também discordo da atitude adotada com relação ao anúncio dos números do desmatamento recente. O último não teve nem a transparência, nem o rigor técnico indispensáveis nessa matéria. Tenho criticado a insistência da equipe do Meio Ambiente em atribuir a queda do desmatamento a ações “estruturantes”, que estariam produzindo um efeito durável nessa inflexão da trajetória de desmatamento. As ações mais duráveis, como a criação de unidades de conservação, ainda estão em processo de implantação ou amadurecimento. Outras, como a criação de reservas extrativistas ou a concessão de autorização para explorar madeira nativa são muito discutíveis. Essa teimosa fixação em algo que ainda não se materializou de verdade, tira a atenção sobre a ameaça representada pela recuperação da soja e da pecuária e pelo avanço do carvão ilegal, pendurado na cadeira de produção siderúrgica, setor que o ministro Furlan quer ajudar.
Caráter não se improvisa
A equipe ambiental de Lula tem méritos indiscutíveis. O primeiro deles é o caráter, muitas vezes confundido com radicalismo, em um país marcado pelo crescimento avassalador da complacência e da tolerância com o que não se pode tolerar. Marina Silva prefere, como disse em entrevista recente, “perder o pescoço, a perder o juízo”. Não significa que, durante sua gestão, ela e sua equipe não tenham engolido sapos – com perdão dos amantes desses anfíbios – ou feito acordos e compromissos. Também não pôs seu cargo à disposição as várias vezes em que foi derrotada em decisões articuladas pela Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Houve momentos, poucos, em que a equipe endureceu o jogo, porque estava tratando de assuntos nos quais não podia ceder. Nesses casos, preferiu o impasse, para ver se o tempo ajudava. Mas dificilmente se poderia chamar essa equipe de xiita.
Um bom exemplo da diferença de caráter entre os dois lados é o seguinte: recentemente, em um de seus comícios pós-eleitorais, no Mato Grosso, o presidente Lula se encontrou com o governador Blairo Maggi, ambos reeleitos, que reclamou de Marina Silva e dos entraves ambientais ao avanço da agro-indústria. Teria, por isso, pedido sua cabeça. Deve ter pedido mesmo. O presidente deveria saber que ele reclamava das dificuldades para grilar, desmatar, poluir e avançar sobre unidades de conservação. Aparentemente, ouviu com compreensão o inaudível.
Meses atrás, Maggi encenava negociações com o Ministério do Meio Ambiente, para combater o desmatamento ilegal. Em entrevista ao programa Roda Viva, ao qual eu estava presente, perguntada sobre essa negociação e sua confiança na palavra do governador, Marina Silva, com certa ingenuidade, mas com caráter, não vacilou em afirmar diante das câmeras que Maggi era um “parceiro” no esforço de conter o desmatamento.
Desmoralização
Repito que a troca de ministros não me parece o ponto crucial do problema. É a troca de atitude e de política, da qual a demissão de Marina Silva não seria mais que um instrumento, que é grave. Essa equipe conhece a questão ambiental. Pode errar, mas o faz por convicção, por adesão a determinadas concepções de políticas. Seu fundamentalismo aparece mais na defesa do extrativismo, por exemplo, do que no trato com as empresas.
É uma das poucas áreas do governo que não finge que não vê, nem sabe da corrupção. Ao contrário, desde a operação Curupira, a equipe do MMA tem agido junto com a Polícia Federal para por na cadeia grileiros, desmatadores, carvoeiros, funcionários do IBAMA, das agências estaduais e das próprias polícias, como aconteceu, novamente, na última semana, em Rondônia.
A demissão de Marina Silva, feita da forma como anda pintando, após um processo de fritura típica dos corredores mais obscuros do poder em Brasília, seria um sinal de grande força política e simbólica para desmoralização da autoridade ambiental no Brasil.
Lobby sem mérito
As melhores razões para que não se confunda crescimento, com desenvolvimento, que envolve inevitavelmente, no mundo contemporâneo, o respeito aos direitos sociais e ambientais, estão no artigo equilibrado do economista José Eli da Veiga, na Folha de São Paulo deste último sábado, contra o qual se contrapõe burocrático e formalístico arrazoado.
Falando mais cruamente, há muito hipocrisia neste jogo de pressões. Está claro que o alvo principal não é o crescimento. Não há ingênuos no meio empresarial brasileiro que se armou para desfechar esse golpe contra a regulação ambiental. Todos sabem que o relaxamento não destravará o crescimento emperrado pela carga tributária excessiva; pelas taxas de juros exorbitantes; pela crise fiscal estrutural do estado que zerou a capacidade de investimento do setor público em infra-estrutura, ciência e tecnologia; pela desordem regulatória promovida pelo desmonte do marco regulatório da era FHC – que era muito ruim – promovido pelo ex-ministro José Dirceu e politização das agências regulatórias; pela falta de segurança política para investimentos de longo prazo; pelo excesso de intervenção política do governo no mercado e pelo oportunismo curto-prazista dos investidores.
O que se quer com o relaxamento, não é destravar projetos futuros, mas desativar a regulação dos procedimentos correntes. Uma parte das empresas brasileiras ainda contabiliza como “custos” o que, no mundo civilizado não passa de obrigações determinadas pela demanda civilizatória por responsabilidade corporativa, social e ambiental. A pressão é por desordem ambiental, para permitir o rebaixamento ilegítimo e hoje ilegal dos padrões ambientais que, de resto, ainda são largamente descumpridos no país.
O presidente Lula, na sua obsessão pelo crescimento a qualquer custo, arrisca virar um colecionador de apagões: apagão aéreo, apagão ambiental, re-apagão energético e, no limite, um vasto apagão moral.
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