Uma pesquisa do Vox Populi para o Instituto O Eco, cujo campo foi realizado algumas semanas antes do início da campanha oficial para as eleições, nas seis maiores regiões metropolitanas do país, mostrou que 62% da população acreditam que o aquecimento global é uma realidade presente e 74% admitem que ele se deve à atividade humana. Além disso, 34% responderam espontaneamente, isto é sem o auxílio de uma lista de questões, que o principal problema ambiental do Brasil é o desmatamento.
Quando apresentados a uma lista de tipos de poluição, 55% dos moradores da região metropolitana de São Paulo, apontaram a poluição do ar como principal problema de sua cidade. Os moradores do Rio de Janeiro, se dividiram entre a poluição do ar (20%), limpeza urbana e saneamento (16%) e poluição das águas e do mar (16%). Em Belo Horizonte, 34% cravaram poluição do ar e o restante se dividiu entre os outros cinco tipos de poluição. Em Recife, 39% apontaram problemas de limpeza urbana e saneamento, em seguida poluição do ar (16%) e poluição das águas e do mar (15%). Em Curitiba, poluição do ar (29%) e limpeza urbana e saneamento (24%) foram considerados os principais problemas ambientais. Em Porto Alegre também, mas em ordem inversa: limpeza urbana e saneamento (31%) e poluição do ar (22%). No geral, desmatamento e poluição do ar aparecem como os principais desafios ambientais do país e das capitais, respectivamente.
Candidatos alienados
Algumas semanas depois do campo da pesquisa, começou a propaganda eleitoral gratuita. O candidato à reeleição, Lula da Silva, escolheu o crescimento como seu principal tema de campanha e elegeu o meio ambiente como um dos vilões. Foi quando começou a novela dos entraves ao crescimento e o bode do meio ambiente foi introduzido na sala principal da política brasileira. O candidato da oposição apoiou. Também escolheu como mote de campanha o crescimento e também apontou o meio ambiente como entrave. Só podia perder. Nunca se viu oposição ganhar com o programa da situação. Poucas semanas após a reeleição de Lula, o Brasil fez um papelão na Convenção do Clima, como se o aquecimento global não fosse problema capital, ou o Brasil nada tivesse com ele. Negou-se a se comprometer com metas específicas de desmatamento evitado, coisa que provavelmente não faria se tivesse ouvido a opinião pública brasileira.
A verdade é que Lula e Alckmin fizeram campanhas alienadas dos grandes temas nacionais. De costas para a opinião pública. Basearam-se em pesquisas genéricas e perfunctórias de opinião, não em pesquisas de profundidade, tentando captar a opinião pública em sua expressão mais completa, examinando os temas e problemas que inquietam os brasileiros. Se tivessem ouvido o povo, teriam descoberto que ele não vê o meio ambiente como obstáculo ao crescimento, mas como problema e desafio a serem encarados pelo governo, em articulação com a sociedade, de forma positiva.
A prova acabou de sair na pesquisa do Ibope, encomendada pelo WWF, mostrando que o povo definitivamente não concorda com Lula quando diz que meio ambiente é obstáculo ao desenvolvimento. A maioria, 64%, acredita ser possível conciliar o objetivo de preservação com o do desenvolvimento. Nem quer crescimento com poluição e degradação ambiental (80%). Na verdade, grande parte da opinião pública acha que o verdadeiro entrave ao desenvolvimento é a corrupção, ação predatória desses aloprados que saqueiam os cofres públicos (62%). Lula anda de braços dados, nessa avaliação negativa da política de proteção ambiental, com 7% da população.
Nenhum candidato a governador, nesses estados em que a maioria da população de suas capitais se preocupa com poluição do ar e outros tipos de poluição, teve qualquer coisa a dizer a respeito desses temas em suas campanhas. A quase totalidade dos candidatos a deputado estadual e federal, tampouco representou em suas campanhas esse interesse majoritário da população. Certamente, não terão passado de 5% dos candidatos, aqueles que, como Fernando Gabeira, no Rio de Janeiro, deram expressão aos sentimentos populares favoráveis ao meio ambiente e de rejeição à corrupção que assola o país.
Nenhuma surpresa, portanto, que o presidente comunista da Câmara dos Deputados e o presidente peemedebista do Senado, mais um punhado de líderes dos partidos no Congresso, decretassem na calada da noite um abusivo aumento de salários, quando o país enfrenta uma grave crise fiscal, com escolas, hospitais, segurança, Ibama, na penúria. Claro, os dois estão de costas para o povo, cortejando o baixo clero que elege gente como Severino Cavalcanti, Aldo Rebelo e Renan Calheiros para a presidência das Mesas do Congresso Nacional, supostamente a casa do povo. O baixo clero se elege nos grotões de interesses muito específicos, de costas para o povo e seus dirigentes se elegem nos grotões dos plenários.
Velho Chico
Nem tudo é tão ruim assim, se poderia argumentar, o Supremo Tribunal abortou esse aumento à sorrelfa e determinou que, se quiserem legislar em benefício próprio, os parlamentares terão que votar à luz do dia e ter seus nomes registrados no placar eletrônico do cinismo político brasileiro. Pois é, mas o mesmo STF caça, com argumentos que misturam formalismo e equívocos factuais, a liminar que impedia a transposição das águas do São Francisco, que todo mundo sabe que dará errado. Vai se desperdiçar uma fortuna do meu, do seu, do nosso dinheiro e, principalmente dos impostos pagos pelos pobres, para irrigar os cofres das empreiteiras e fazer talvez a derradeira violência suficiente para encerrar a trajetória de degradação que fará do Velho Chico um curso de água intermitente.
Se o ministro Sepúlveda Pertence tivesse estudado melhor o caso do EUA, que cita em seu voto, teria descoberto que foi uma tragédia. Lá a transposição secou o Colorado, no seu curso inferior, já no México, e ele não chega mais ao mar o ano todo. Transposições em outros rios, que não tiveram como resultado o comprometimento de seu curso, são fontes reconhecidas de inundações extremamente danosas à população e ao meio ambiente.
Grilagem oficial
Em Mato Grosso, a Assembléia Legislativa surrupiou 30 mil hectares de área de conservação, em projeto de lei recentemente aprovado. A decisão foi embrulhada em um processo de unificação dos parques de Cristalino I e Cristalino II, no extremo norte do estado. Até o governador Blairo Maggi achou um exagero e acabou vetando o projeto. Pois não é que os deputados derrubaram o veto do governador?
No Mato Grosso do Sul, os deputados estaduais modificaram a principal lei que protege o Pantanal desde 1982, para permitir a ampliação de usinas de álcool na bacia do Alto Paraguai. Uma decisão que parece ter como objetivo desmentir, no futuro próximo, o anúncio governamental de que o Pantanal é o bioma mais protegido do país, talvez do mundo. O mais bem protegido e o mais frágil. Certamente, a ampliação das usinas, condenada pela ministra Marina Silva e pelo Conama, dará uma contribuição segura para ajudar na degradação das águas do Pantanal e de sua biodiversidade. De quebra, ajudarão a ir matando os atrativos que poderiam fazer do Pantanal uma das mais rentáveis rotas de turismo de natureza do mundo. Protegido, mesmo, está o rendimento vitalício de R$ 22 mil, que o governador Zeca do PT garantiu para si mesmo e para seus colegas.
O governador, ao contrário de seu colega, Blairo Maggi, não deu sinais de que vetará. Mas pode, também, não sancionar a lei, já que está de saída. Mas, contra ele não é. No seu mandato criou incentivos para as usinas de álcool no Pantanal e, em declarações à imprensa, disse coisas que põem em dúvida seu conhecimento sobre a região que governou. Uma de suas pérolas foi a seguinte: “é preciso ficar claro que não se está propondo a instalação de usinas no Pantanal, como se quer fazer parecer. A lei, se aprovada pela Assembléia, vai autorizar a construção de usinas apenas no altiplano, com todos os recursos tecnológicos atuais, que reduzem riscos de poluição”. Pode deixar a decisão para seu sucessor, o peemedebista André Puccinelli, que já se declarou favorável à lei. Os dois deram as costas à opinião pública e só têm ouvidos para os usineiros.
Zeca do PT está concedendo incentivos fiscais às usinas. Ótimo exemplo de como não se deve usar a receita pública: para beneficiar empresários, sem impor condições. Mesmo no álcool essa renúncia de receita seria melhor aplicada se incentivasse a relocalização de usinas e fábricas, para áreas de menor risco ambiental. Além disso, dar dinheiro do povo sem condicionalidades deveria ser ilegal. Empresário que se beneficia de incentivos fiscais, créditos subsidiados e outras vantagens e privilégios estatais, deveria ser obrigado a assinar um contrato de conduta e ser rigorosamente fiscalizado e punido quando o descumprisse. Mas, no Brasil, incentivo e subsídio não passam de presentes do público para o privado.
Claro, alguém pode argumentar que talvez a opinião pública do Mato Grosso do Sul seja favorável às usinas, porque elas trariam o progresso. Não sei, não vi pesquisa sobre isso. Mas mesmo que fosse assim, não daria a eles o direito de por em risco o Pantanal. Os estados pantaneiros não têm o direito de destruir o Pantanal, porque ele pertence ao Brasil e à humanidade. Da mesma forma que o Brasil não tem o direito de destruir a Amazônia, porque ela também é um patrimônio da humanidade.
Mas o mais importante é que são decisões às quais sobra miopia e falta inteligência. São patrimônios de alto valor econômico e social, se mantidos íntegros. Degradados não serão mais que fontes de pobreza futura.
Divórcio
Os políticos brasileiros estão em marcha resoluta rumo ao Século 18. O que se pode dizer de uma situação em que Executivo, Legislativo e Judiciário estão de costas para a sociedade? Em que a taxa de transgressão das regras, de crimes e contravenções é maior ou igual no Poder Público, que na sociedade? Que se trata de uma grave disfunção das instituições. E não só na questão ambiental. Há crime no campo ambiental, tanto quanto há em todas as outras áreas de atividade no país. Vivemos uma inquietante descontinuidade nas relações entre Estado e Sociedade no Brasil. O Estado se descolou da Sociedade e esse descolamento está levando à degradação das instituições e ao retrocesso político.
É como se diante do regresso institucional, a Sociedade e, principalmente o Estado, tivessem ligado o mecanismo evolutivo do “dane-se”. O resultado é imediato. Nas esferas políticas o cinismo beira a hipocrisia. Nas esferas sociais, vira pura transgressão.
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