Quanto vale a notícia de queda do desmatamento, anunciada pelo Presidente da República, na véspera do embarque dos ministros Marina Silva, do Meio Ambiente, Sérgio Rezende, da Ciência e Tecnologia, e Celso Amorim, das Relações Exteriores, para a COP 13, em Bali?
Vale a credibilidade internacional do Brasil. Não será a primeira vez que o governo anuncia um dado velho para criar clima favorável a uma ação diplomática no exterior. Aconteceu na véspera da ida do presidente Lula à Assembléia das Nações Unidas. Falou da queda do desmatamento, quando já havia dados confiáveis mostrando que o desmatamento estava aumentando. E fez pior, diante da apresentação de dados que contrariavam a versão oficial, o governo desautorizou esses dados e disse que os seus números não estavam defasados, que o máximo que haviam detectado era uma perda de ritmo na queda do desmatamento. Semanas depois, ficou impossível desmentir a realidade e as autoridades ambientais passaram a admitir o aumento do desmatamento.
A insinceridade tem perna curta no mundo de hoje. Como o governo nada está fazendo para enfrentar esse retorno do desmatamento, é líquido e certo que terá que anunciar o seu aumento no futuro. Como agora ele não tem mais o monopólio dos dados nem da capacidade de interpretação das imagens de satélite, terá que fazer isso antes que se complete um ano desse anúncio de hoje. Os sinais são de agravamento acelerado, no Pará e no Mato Grosso, principalmente. As notícias que chegam de lá é que a retomada do preço da soja e do gado está produzindo um avanço da grilagem e do desmatamento com tal força, que muitos temem que voltemos à média histórica de perda anual de cobertura florestal na Amazônia. A expansão do álcool em áreas de pasto e soja, contribui para empurrar essas atividades sobre a Amazônia florestada.
Qualquer cenário para o governo é ruim. Se o noticiário internacional não for escrito por repórteres experientes, que acompanham a Amazônia, a cobertura será nesse tom positivo que o governo quis suscitar. Se o anúncio for distilado por quem conhece a Amazônia, a cobertura já virá relatando as visões discordantes. No primeiro caso, o governo fatura e depois perde. No segundo, nem fatura.
Ainda há tempo para corrigir. O Secretário Executivo do ministério do Meio Ambiente, João Paulo Cappobianco, disse que não há razões para comemorar. Mas ele sabe que não é porque 11240 km2 não é um bom número, e sim porque é um número que não reflete a realidade atual, de desmatamento em crescimento. É porque a tendência se reverteu, e o governo sabe disso. O que a ministra Marina Silva, com a credibilidade e a autoridade moral que tem, deveria fazer em Bali é dizer que o desmatamento não está caindo, que voltou a subir por causa da demanda internacional, de países desenvolvidos e da China, por álcool, soja e carne. Esse comércio sem controle de origem e qualidade incentiva o desmatamento. A sinceridade permitiria começar uma conversa mais profunda sobre um pacto global contra o desmatamento das florestas tropicais, que forçasse a responsabilidade social e ambiental das empresas globais responsáveis pela maior parte da demanda, por exemplo, de soja e carne produzidas com desmatamento no Brasil ou da palma do desmatamento na Indonésia.
Dificilmente fará isso. A diplomacia brasileira não enfrenta abertamente, em um fórum global, problemas domésticos, ainda que, como no caso do desmatamento, tenham uma conexão global. Defenderá uma posição insustentável sobre o acordo pós-Kyoto e perderá a credibilidade, quando a imprensa internacional mostrar à opinião pública mundial os novos dados, contemporâneos do desmatamento.
O desmatamento é um problema doméstico porque o governo não consegue impor a lei, provocou uma piora considerável na operacionalidade do sistema de comando e controle, ao mexer de forma pouco planejada na estrutura do IBAMA, e não é capaz de agir em relação às empresas brasileiras que financiam grande parte das atividades ilegais na Amazônia, muitas delas com financiamento subsidiado de bancos oficiais. Mas é, também, um problema global, primeiro porque empresas transnacionais estão na cabeça das redes econômicas que sustentam o comércio de soja, carne e biocombustível, sem requerer certificação e rastreamento para determinar se os produtos são ou não de desmatamento (e se usam trabalho degradante ou forçado). Portanto, exigem regulação global ou em cada país, que force ou incentive a adoção de padrões de gestão corporativa responsável por parte dessas empresas. A segunda razão é que o desmatamento tem conseqüências sistêmicas no clima planetário. Isso é verdade para o desmatamento no Brasil, na Indonésia e outros países onde as florestas tropicais úmidas estão sendo convertidas para a agropecuária, de forma desordenada e predatória.
Portanto, esse anúncio dos números do desmatamento é para ser lamentado, definitivamente não para ser valorizado, muito menos comemorado.
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