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Elevação do nível do mar ameaça aves limícolas migratórias

Estudo mostra que o aumento do nível do mar e a compactação de planícies de maré no Amapá reduzem o alimento para aves migratórias, aumentando seu risco de extinção.

Carolina Lisboa ·
22 de abril de 2025

Uma pesquisa realizada no litoral do estado do Amapá revelou que a elevação do nível do mar está reduzindo a disponibilidade de habitat para diversas aves limícolas migratórias no litoral da Amazônia. O estudo alerta que esse fenômeno pode estar ocorrendo em várias regiões do mundo, ameaçando globalmente muitas espécies que dependem das zonas úmidas costeiras para sobreviver.

As aves limícolas, também conhecidas como aves de praia ou de beira-mar, são espécies que se alimentam de pequenos invertebrados presentes no limo, lodo ou lama. Elas dependem de áreas úmidas, principalmente nas zonas entremarés como estuários, praias marinhas, margens de lagoas e lagunas costeiras. Nesse grupo incluem-se batuíras, maçaricos, narcejas, ostreiros e outras aves da ordem Charadriiformes, sendo muitas delas migratórias. 

O estudo alerta para a transformação gradual das planícies de maré, áreas fundamentais para a alimentação dessas aves durante suas longas migrações e temporadas de período não reprodutivo no país. As pesquisas foram coordenadas por Carlos David Santos do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e conduzidas pelo Projeto Aves Migratórias com o apoio do Programa Petrobras Socioambiental. A equipe de cientistas de Portugal e do Brasil utilizou imagens de satélite para mapear a distribuição das planícies de maré ao longo de 40 anos e realizou levantamentos aéreos para contar as aves em 630 km do litoral da Amazônia.

“Embora a migração das zonas úmidas para o interior seja uma resposta natural à elevação do nível do mar, as novas planícies de maré geradas pela transgressão marinha não oferecem as condições necessárias para a alimentação das aves limícolas, pelo menos no intervalo de quatro décadas”, explica Carlos Santos, que é pesquisador do Laboratório Associado ARNET e do Max Planck Institute, além de ser professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa.

A transgressão marinha é a migração da linha de costa em direção ao continente. É um fenômeno provocado pelo aumento da temperatura média global do planeta, que provoca a expansão térmica dos oceanos e a fusão das massas de gelo, originando um maior volume de água e aumento do nível médio das águas. Como consequência, há o avanço do mar relativamente à linha de costa, ultrapassando a faixa litoral.

As planícies de maré que resultam da transgressão marinha têm sedimentos demasiado compactos para serem colonizadas por animais invertebrados que servem de alimento às aves limícolas, a exemplo do maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), espécie dominante na região de estudo, que apresentou densidades dez vezes inferiores nessas áreas do que nas planícies de maré mais antigas, o que indica um impacto direto na sua alimentação.

“Nosso estudo mostrou como as aves limícolas migratórias estão respondendo à ocupação gradual de planícies de maré por áreas resultantes da transgressão marinha. Utilizando sensoriamento remoto, levantamentos aéreos e terrestres, e amostragem de presas, buscamos entender esse fenômeno pouco estudado para apoiar a criação de Unidades de Conservação e aprimorar planos de manejo em áreas-chave do Amapá, como o Parna Cabo Orange, a Esec Maracá-Jipioca e a Rebio da Lagoa Piratuba”, ressalta Jason Mobley, Coordenador Técnico do Projeto Aves Migratórias.

O estudo alerta, por fim, que a redução das áreas de alimentação das aves limícolas migratórias, que viajam entre a América do Norte e a América do Sul e que dependem das vastas planícies de maré ao longo de suas rotas, pode estar ocorrendo em diversas outras regiões do planeta, ameaçando inúmeras espécies. “A elevação do nível do mar está transformando drasticamente as zonas úmidas costeiras, reduzindo a disponibilidade de habitats essenciais para aves limícolas migratórias. Essa perda e transformação de áreas compromete sua capacidade de sobrevivência e aumenta o risco para diversas espécies que dependem dessas zonas durante suas migrações”, conclui Onofre Monteiro, Coordenador de Monitoramento e Pesquisa do Projeto Aves Migratórias.

  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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