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Se Iowa decidisse

Se os dois vitoriosos no caucus de Iowa forem candidatos e um deles virar presidente, o que aconteceria com a política ambiental do EUA? Certamente seria muito melhor que a de Bush.

7 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Iowa é um pequeno reduto eleitoral religioso e conservador. Tem importância no processo eleitoral do EUA porque abre a fase das primárias, com um “caucus”, uma reunião de eleitores, para escolher os delegados para a convenção e definir o nome do candidato que esses delegados apoiarão. Em cinco das últimas sete eleições, os vitoriosos em Iowa terminaram sendo os candidatos de seus partidos. Este ano, Iowa chamou atenção. Pela primeira vez, o número de eleitores presentes ao “caucus” democrata superou em 100 mil pessoas a marca dos republicanos. Iowa é, claro, um reduto republicano. Os republicanos escolheram um candidato que tem muito a ver com eles: Mike Huckabee é um ex-pastor batista, cristão fervoroso, capaz de pregar em um culto, como fez em várias ocasiões em diferentes templos evangélicos durante a campanha, com inúmeras citações percorrendo vários livros distintos da bíblia, sem anotações ou consultas ao texto e se define como um “republicano conservador”. A cara de Iowa. Surpresa foi a escolha dos democratas, ao invés do protestante branco, um negro, filho de um queniano, com um nome que nada tem de ocidental e ainda ostenta um “Houssein” que pode arrepiar os conservadores anti-islâmicos : Barak Houssein Obama.

O “caucus”, ao contrário das primárias, não é uma escolha por voto. É uma espécie de “consulta pública” misturada com grupos de discussão. Os candidatos vão ao estado, falam em universidades, clubes, igrejas, escolas; fazem publicidade na TV; organizam manifestações públicas. No dia do caucus, os eleitores se reúnem em grupos para discutir o que dizem os candidatos e o que eles pensam dos candidatos. Duas horas antes da decisão final, dá-se o período da “persuasão”, quando os eleitores tentam conquistar mais adeptos para seu candidato. O grupo que resultar maior desse processo, tem o seu candidato como o indicado. Foram Huckabee e Obama.

Se, como em outras cinco das sete últimas eleições, eles terminarem escolhidos – Huckabee não é o favorito republicano no próximo estado a promover primárias, New Hampshire, mas Obama está empatado com Hlillary Clinton – a quantas ficaria o EUA na questão ambiental, especialmente, em relação ao desafio climático, comparado com o péssimo desempenho de Bush?

Pode-se dizer que, sem fazer nada, qualquer um dos dois já seria melhor. Para início de conversa, nenhum deles censurará os cientistas da NASA, do NOAA e de outras agências do establishment científico do país, como Bush tem feito. Ao contrário, qualquer um dos dois consultará esses cientistas, para saber qual o real nível de risco e o que fazer. Nenhum dos dois nega a necessidade de agir, embora com pontos de partida distintos. Barak Obama reconhece a que a mudança climática é um fenômeno real e em grande parte determinado pela ação humana. É o antípoda de Bush. Huckabee diz que determinar se o aquecimento global de fato está ocorrendo ou vai ocorrer e se é ou não resultado da ação humana é um problema para os cientistas resolverem. Ele não tem certeza sobre isso. Mas mesmo que no final não haja o aquecimento, diz ele, se agirmos para evitá-lo, ainda que se prove desnecessário ao final, teremos feito da terra um lugar melhor e mais seguro para se viver, especialmente para as futuras gerações. Um mundo mais limpo, sem poluição, com mais áreas verdes e mais conservação é melhor, independentemente da razão que nos leve a fazer isso, conclui.

Obama parte da perspectiva científica para dizer que o problema existe – que define como “a momentosa ameaça humana para o planeta” – e que o EUA tem que assumir um papel de liderança na sua solução por ser o maior emissor de gases estufa do mundo. “Enquanto muitos de nossos parceiros industriais estão trabalhando duro para reduzir suas emissões, nós estamos aumentando as nossas”. A solução, segundo ele, é fortalecer instituições, revigorar alianças e parcerias.
A base do raciocínio ambiental de Huckabee é a religião e o escotismo. Huckabee costuma dizer que, no meio ambiente, é um escoteiro, “devemos deixar o ambiente melhor do que o encontramos”. Mas o fundamento principal de sua visão ambiental é de que “a terra é do Senhor e nós não somos seus proprietários; apenas seus zeladores. Desde o gênesis somos lembrados de que Deus é o Criador e nós somos responsáveis por cuidar daquilo que Ele criou”. Segundo esse pensamento, “temos a liberdade de usufruir e usar os recursos, mas usar não é abusar e não temos o direito de pilhar o planeta impiedosamente”. Por isso defende que nosso manejo do ambiente promova sua valorização estética e preserve os recursos para as gerações futuras. Questionado sobre a sinceridade de seu conservacionismo, Huckabee tem uma de suas frases de efeito: “eu sou um republicano conservador, e há a percepção de que os Republicanos conservadores não ligam para o meio ambiente; mas quero lembrar que o termo conservador significa conservar aquilo que é caro e de valor para nós. Poucas coisas são mais valiosas para nós que os recursos naturais que Deus criou e nos deu para manejar com o máximo cuidado”. Huckabee tem um currículo bastante positivo em matérias de conservação, como governador do Arkansas, sobretudo para um republicano conservador.

Obama, tem um impecável currículo ambientalista, que o faz o preferido de organizações influentes como o Sierra Club, com pequenas manchas recentes pelo apoio que deu a projetos de carvão no seu estado de Illinois. Sua assessoria corre para dizer que ele é a favor de seqüestro de carbono, mas certa de que não ajuda muito. Terminam investindo no fato de que ele é um militante da causa ambientalista e dos direitos humanos desde seus tempos de estudante na universidade Columbia e, depois, como estagiário do nascente movimento de Ralph Nader em defesa do consumidor. Obama mostra convicções firmes, passa um sentimento de urgência e tem um plano para fazer do EUA um líder global em energia limpa, no qual começa reconhecendo que o aquecimento global é real e resultado da ação humana. Propõe um sistema de “cap and trade”(cota e crédito) de carbono, tendo como meta reduzir as emissões de carbono aos níveis e no tempo recomendados pelos principais cientistas; adotar metas de economia de combustível para todos os modais de transportes; investir US$ 150 bilhões em 10 anos para desenvolver energias de baixo ou zero-carbono. Entre outras. Seu currículo de iniciativas e ações políticas na área ambiental é muito bom. Entre elas, destaca-se o co-patrocínio do “Global Warming Pollution Reduction Act” de 2007, que iria requerer que o EUA reduzisse suas emissões para 80% abaixo dos níveis de 1990, até 2050: uma meta muito agressiva para aquele país.

Huckabee também é a favor de um sistema de cota e crédito de carbono, de metas de economia de combustível, de parcerias internacionais e liderança do EUA na mudança energética. “Não podemos pedir às outras nações para fazerem aquilo que não estamos dispostos a fazer. Quando tenhamos feito o nosso dever, temos a responsabilidade de chamar os outros para se unirem a nós nesse mesmo esforço. Somos seguidores ou líderes, eu quero que lideremos”. Mas não tem planos, nem propostas concretas, como Obama. A crítica mais comumente repetida sobre ele é que “tem sentimentos, mas pouca substância”. Ele responde a ela de forma bastante tranqüila: “quando for presidente, chamarei as maiores cabeças, os principais cientistas do país, para me ajudar a decidir qual o melhor curso de ação”.

Então não há diferenças notáveis entre o republicano conservador, um branco evangélico, ex-pastor, e Obama, um negro, educado em escolas públicas da Indonésia – passou dois anos em uma escola católica daquele país – sem muita educação religiosa? Claro que há. Não apenas de grau e intensidade, mas também, de substância. As políticas conduzidas por um, serão muito diferentes daquelas que o outro conduziria.

Uma delas já está clara. Obama quer que o EUA se reintegre inteiramente ao sistema da Convenção do Clima, na ONU, liderando a decisão sobre o acordo para o “pós-Kyoto” e se propõe, também, a criar um fórum com os maiores emissores, para acertar entre eles “binding commitments” (“compromissos forçosos). Huckabee não gosta de acordos internacionais que imponham obrigações ao EUA: “teria sido um erro assinar o Tratado de Kyoto (sic) porque ele daria a nações estrangeiras o poder de nos impor padrões”. Mas, complementa mitigando sua posição: “Al Gore não está inteiramente errado quando ele falou da “Terra na balança”, equilíbrio é exatamente o que precisamos nessa discussão; todos nós precisamos ter um respeito saudável por nossos recursos, um nível responsável de uso desses recursos, e um plano abrangente para preservar ou renovar esses recursos”. Deu para entender? Eu diria que, se eleito presidente, ele não assinaria algo parecido com o Protocolo de Kyoto.

Mas as diferenças entre Obama e Huckabee na questão ambiental e climática parecem menores do que as diferenças entre os dois e Bush. Obama é o oposto de Bush e Huckabee muito diferente dele. Logo a corrida, para o ambiente começa bem. Qualquer um dos dois seria melhor que Bush mesmo que não fizesse 2/3 do que diz que fará.

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