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O fator Republicano conservador

A vitória de Mitt Romney em Michigan deixou nervosos os ambientalistas no EUA. Eles têm razão: seria o pior resultado no lado ambiental possível. Nada é certo nesta eleição.

16 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

A vitória de Mitt Romney em Michigan deixou os ambientalistas no EUA nervosos. Afinal, ele representa a pior proposta ambiental entre os candidatos que têm alguma chance. É quase tão ruim quanto Bush.

Foi uma vitória esperada e que não tem grande impacto na definição de quem sairá candidato pelo partido Republicano. Romney era o candidato de casa, nasceu em Michigan, onde seu pai foi governador nos anos 60, embora tenha feito carreira política no estado de Massachusetts, que governou. Mas campanha é assim, nervos à flor da pele. Como as reações e o noticiário são em cima dos fatos, não há distanciamento e um ato isolado acaba assumindo proporções que de fato não tem. Mitt Romney estava sendo considerado um candidato com chances decrescentes, deixando os ambientalistas mais calmos. A vitória em Michigan virou um “retorno”, à corrida. Voltaram a falar em suas chances. Os ambientalistas reagem. O fato é que ele era competitivo antes dessa vitória e continua sendo depois, na mesma proporção.

E essa vitória, com 39% dos votos, deve ser vista em perspectiva. Na verdade, o que houve de surpreendente em Michigan foram os 30% dos votos obtidos por McCain, que tem uma proposta ambiental muito melhor que a de Romney. Essa primária foi esvaziada pelos democratas, que discordarem de sua antecipação. Ela deveria ser na super-terça, 5/2, e foi realizada ontem com o objetivo de dar mais visibilidade ao estado, que cuja economia anda mal. A antecipação elevaria os gastos de campanha os Democratas se retiraram, menos Hillary Clinton, que disputou sozinha. Toda a emoção da disputa ficou no lado republicano e McCain conseguiu um segundo lugar bem mais robusto do que se imaginava.

Os verdes têm razão para se inquietarem com a possibilidade de Mitt Romney virar favorito. Ele não só tem a proposta ambiental mais fraca e anêmica de todas, como piorou suas posições nos principais temas ao longo do tempo. Quando governador de Massachusetts, foi um dos articuladores da “Regional Greenhouse Gas Initiative” (RGGI), em 2003 e 2005. Conhecida como “Reggie”, a iniciativa reunia vários estados das regiões Nordeste e do Meio-Atlântico, para estabelecer um sistema de cota e crédito de carbono, que está em implementação. Quando a proposta ficou pronta, em 2005, Romney, retirou seu estado do pacto, reclamando que representaria um custo alto demais para as empresas com elevadas emissões que não conseguissem cumprir suas cotas. Hoje, fazem parte da Reggie os estados de Connecticut, Delaware, Maine, New Hampshire, New Jersey, New York, e Vermont. O sucessor de Romney, o Democrata Deval Patrick, reintroduziu Massachusetts como observador. São também observadores o Distrito de Columbia, os estados da Pennsylvania, Rhode Island, e as províncias do leste canadense e New Brunswick. Todos devem entrar formalmente em breve, assim que tenham legislações compatíveis aprovadas por seus Legislativos.

Romney critica seus companheiros de partido por terem cedido à visão ambientalista dos liberais e defende que os republicanos devem manter uma proposta conservadora para o meio ambiente. No confronto com McCain em Michigan, disse que “em matéria de mudança climática, John McCain e Al Gore são muito parecidos mais meu conforto. John McCain tem patrocinado legislação, nos últimos anos, que dariam a Al Gore a maior parte do poder e do controle regulatório, que ele procurou obter quando ele e Bill Clinton tentaram fazer a “América” assinar o tratado de Kyoto sobre aquecimento global”. Ele se referia ao Lieberman-McCain Act, uma proposta relativamente moderada de legislação para reduzir as emissões do EUA, que só é considerada um avanço importante, diante do descalabro vigente.

O resultado é que sua própria proposta parece a política de Bush requentada com algumas pitadas de verde. Ele reconhece que a mudança climática parece estar acontecendo, mas diz que não está claro quanto que a ação humana tem contribuído para o problema. Defende, como Bush, acima de tudo, a independência energética, que poderia ter, como subproduto, a redução dos gases estufa, porque implicaria aumentar a participação dos biocombustíveis e outras fontes renováveis. Mas, quando governador, vetou a implantação de duas usinas de energia eólica no estado, e defende a exploração de petróleo na Reserva de Vida Silvestre do Ártico e na Plataforma Continental Externa do EUA, embora se oponha à prospeção no pantanal da Flórida, as Everglades.

É contra o Protocolo de Kyoto e qualquer acordo “que imponha padrões ao EUA”. Mas considera, como Bush, admissível um acordo que comprometa todos os países e não apenas aqueles hoje no Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. É um dos defensores da liquefação e gaseificação do carvão, que considera tecnologias limpas. Defende a energia nuclear e os biocombustíveis, porém sem qualquer consideração sobre como são produzidos. Como na defesa dos biocombustíveis por Bush – e mesmo por Lula, no Brasil – não há real preocupação com seu papel na redução de emissões, mas apenas como um mecanismo para dinamizar a economia doméstica.

Romney não esconde de que lado está. Ao atacar McCain na campanha pelas primárias de Michigan, cuja maior cidade é Detroit, apresentou-se como o defensor da sua indústria automobilística, que está afundando em crescentes dificuldades, sobretudo porque há anos vem perdendo capacidade competitiva. Disse que não é aceitável impor a essas empresas o ônus de produzirem carros mais eficientes no consumo de combustíveis. Essa ênfase na defesa dos interesses econômicos estabelecidos e nas dificuldades econômicas, era tudo que uma parte dos cidadão de Michigan queria ouvir. Lá a taxa de desemprego é maior e vem de mais longe que no resto do EUA e a economia, baseada em indústrias tradicionais de baixa competitividade, entrou em recessão bem antes do resto, que só agora parece estar prestes a chegar nela. Deve ter lhe valido os nove pontos de vantagem sobre McCain. Mas, por isso mesmo a votação de McCain foi expressiva: ele não põe a ênfase de sua campanha na economia, está mais interessado na questão internacional, nos problemas com a migração e outros temas sociais e na agenda ambiental. Essa votação robusta, contra um competidor “jogando em casa” e falando o que o eleitor quer ouvir, é um bom sinal para quem está preocupado com a competitividade de Romney.

Eleição tem sempre incerteza, mesmo quando há favoritos claros. Na sucessão de Bush a incerteza é enorme. O jogo está claramente embolado do lado republicano, embora pareça que a candidatura ficará mesmo entre McCain e Romney, com Huckabee como pivô da decisão. Ele tem ficado sistematicamente em terceiro. Se os dois primeiros obtiverem número muito parecido de delegados, o apoio de Huckabee definirá a parada. Não está nada claro para qual dos dois penderia. Há uma grande parcela de republicanos enfurecida com Bush e querendo um republicano que seja o mais diferente dele possível. Ponto para McCain. Os dois já perderam primárias para outros candidatos. Ponto para Huckabee, que é mais novidade. Nada se definirá antes da super-terça e pode nem se definir nas primárias, ficando tudo enrolado para ser decidido na convenção, em setembro.

No lado democrático, a decisão será, muito provavelmente, entre Barak Obama e Hillary Clinton e tudo vai depender do voto dos negros e dos latinos. Obama tem muito apoio independente, mas o peso dos independentes nas primárias é muito menor do que na eleição propriamente dita. Hillary tem a máquina partidária e os democratas tradicionais a seu favor. Mas Obama, tem muito mais penetração entre os jovens, que podem fazer alguma diferença, por estarem mais mobilizados do que nunca. Também no campo democrata as coisas podem embolar e nem a super-terça ser capaz de resolver. Aí, tudo se definirá na convenção de agosto.

Nas eleições, o quadro não será de menos incerteza. Se der McCain, do lado republicano, ele divide os independentes com Obama e, obviamente, acaba ficando com o voto conservador, como o “menor dos males”. Disputando com Hillary, ele pode levar os independentes que iriam para Obama, mas ela poderia ficar com uma parte do voto conservador que não quer outro republicano e terá mais votos entre os negros e os latinos. Se der Romney, pelos republicanos, numa disputa com Obama, os dois são tão diferentes que é muito provável que a eleição se polarize podendo chegar à radicalização. Nunca vi os democratas vencerem uma eleição radicalmente polarizada, sobretudo quando têm uma proposta fora do centro, como aconteceu com McGovern contra Nixon, que buscava a reeleição com enorme rejeição por causa do Vietnam e de Watergate e não obstante deu uma surra no democrata. Contra Hillary, Romney teria o machismo conservador a seu lado. Mas Hillary está mais ao centro que ele, onde tende a se concentrar a maioria do eleitorado e poderia levar vantagem.

Realmente, a grande vantagem de Hillary é ser a candidata mais ao centro, mas ainda com alguma promessa de mudança. Entre os republicanos, Romney está fora do centro, para a direita e McCain, mais para o lado liberal. No campo democrata. Obama está fora do centro, à esquerda de Hillary. A maior desvantagem de Hillary é ser mulher e o chauvinismo no EUA, principalmente por causa da paranóia com a segurança nacional, pode ser um obstáculo no seu caminho para a Presidência. A grande vantagem de Obama é a promessa de mudança, com uma verve à la Kennedy e uma oratória visivelmente inspirada no exemplo do ex-presidente e de Martin Luther King. Kennedy anda sendo recuperado pelos democratas, tomados de certa nostalgia dos “anos Kennedy”, como há, aqui, dos “anos JK”. É o que chamo de efeito memória, quanto mais perdidas nas brumas do tempo, mais a evocação de certas épocas ou lideranças parece sedutora. Sua maior desvantagem é ser negro, neto de uma queniana tribal e ter um padrasto muçulmano, numa terra que ainda não se livrou inteiramente do preconceito, embora nos últimos anos o EUA esteja em várias partes mostrando claros avanços na absorção do multiculturalismo.

Uma eleição para ser decidida no photochart, se não for por métodos piores, como aconteceu na disputa Bush-Gore, em que perdeu aquele que teve a maioria do voto popular. Só uma coisa é certa: se der Romney, será o pior resultado possível para o meio ambiente e para a política global do clima. Razão para o nervosismo dos ambientalistas.

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