Colunas

Intervenção civil

A Casa Civil esconde os novos dados do desmatamento. Mas não há como maquiar o que o governo faz na Amazônia, onde implementa um programa devastador e não aplica a lei.

7 de julho de 2008 · 16 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Duas informações vindas de Brasília – ambas publicadas por Míriam Leitão em sua coluna – a respeito da demora na divulgação dos dados do DETER, são preocupantes. Os dados do INPE sobre desmatamento, no programa DETER – que usa o sistema PRODES – para o mês de junho estão prontos. Foram entregues ao governo, antes de serem divulgados ao público e a Casa Civil se assenhoreou deles, assumindo a responsabilidade discricionária sobre quando serão divulgados. Aparentemente, serão primeiro discutidos com o presidente em reunião ainda não marcada até a última sexta-feira.

A segunda informação é que o comando político central do Planalto, o diretório de governo, acha que a divulgação dos dados cria indesejável “stress mensal”. Como o governo vive de marketing mais que de políticas, prefere sonegá-los ao público, ou atrasar sua divulgação. Quando não tenta interferir de formas ainda mais rombudas. Como, por exemplo, querendo que a Embrapa gere outros dados, com outra fonte e metodologia que, eventualmente, façam o governo sair melhor na foto na Amazônia. Não é este o papel, nem a expertise da Embrapa.

Não há como maquiar o que o governo faz na Amazônia, onde implementa um programa devastador, se omite na aplicação da lei e enfraquece as ações das agências do Meio Ambiente, por exemplo, ao criar duplo comando sobre as políticas para a região. Ao entregar a Mangabeira Unger a coordenação da política de sustentabilidade para a Amazônia, um punhado de idéias requentadas, que tem mais PAC do que sustentabilidade, desestabilizou e encurralou a ex-ministra Marina Silva. Agora, interfere politicamente na divulgação dos dados sobre desmatamento. Se a Embrapa entrar nesse jogo de governamentalização das agências técnico-científicas do estado, perderá credibilidade e a legitimidade. Há sinais de que resistirá a essa investida. Faz muito bem. Para isso, deve olhar de perto o exemplo do IPEA, uma agência estatal de pesquisa que já foi de primeira classe e de respeito internacional e está se transformando numa mera estação repetidora de idéias que agradam ao governo, às custas de censura, perseguições e arbitrariedades. Há uma onda obscurantista rondando as agências de excelência do estado brasileiro e que precisa ser dissipada pela resistência das próprias agências e da sociedade organizada, antes que se dissemine para fora do próprio estado. As ilhas de excelência e competência que restam na máquina pública estão sob visível ameaça. Já deviam estar recebendo o apoio explícito da SBPC, da ANPPOCS, da ANPEC e suas congêneres, caladas demais, quando sempre tiveram sua história marcada pela defesa da independência de informação técnico-científica e da autonomia das agências científicas do estado.

O governo politizou toda a questão amazônica. Até o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que politiza todas as questões em que se envolve, deu de falar sobre Amazônia, repetindo o chavão que encobre as propostas de desenvolvimento da região a qualquer custo – até com o sacrifício da floresta – de que ela não pode ser uma “coleção de árvores”. Desprezar a floresta em pé, como uma “coleção de árvores” sem valor para o povo amazônico, é o mesmo que desprezar uma boa biblioteca, como se fosse apenas uma “coleção de livros” para serem admirados, mas sem valor intrínseco. A Amazônia tem, em sua cobertura vegetal e sua fauna, conhecimentos que podem torná-la uma mina inesgotável de bio-elementos para várias cadeias industriais de base biotecnológica. Derrubá-la para fazer estradas e criar gado é investir no atraso e no regresso do Brasil, ao longo do século XXI, enquanto as outras nações – inclusive China e Índia – vão abandonando essa visão anacrônica e desinformada de desenvolvimento. Há alternativas que o governo se recusa sistematicamente a examinar, nos transportes, na energia e na industrialização da região.

O governo politiza inclusive questões técnicas, como a divulgação de dados obtidos a partir da análise técnico-científica de imagens de satélites. Informação que deveria ser rigorosamente pública. As imagens não são monopólio do governo, elas saem de satélites internacionais, e qualquer organização pode ter acesso a elas. São imagens comerciais. As análises são pagas com dinheiro público, dos nossos impostos. O Imazon divulgou seus dados recentemente, também baseados nas imagens do PRODES, o satélite de mais baixa resolução, comparando-as a imagens do Landsat, de mais alta resolução, o que permite maior detalhe e confiabilidade das interpretações.

Esses dados têm valor científico e servem para serem usados em modelos que permitem entender e explicar a dinâmica do desmatamento. Um grupo de pesquisadores de vários centros e universidades do EUA publicou nos Anais das Academias de Ciências (PNAS) estudo coordenado por Mathew Hansen, da Universidade Estadual de Dakota do Sul, analisando o desmatamento nas florestas tropicais úmidas do mundo, usando a análise comparativa de imagens do PRODES e do Landsat, para concluírem que o Brasil foi o líder de desmatamento no período de 2000 a 2005, com 48% do total. Leia a matéria de O Eco aqui . O INPE também se prepara para usar essa metodologia combinando o PRODES e o Landsat.

Censurar os dados do INPE é como querer censurar a Internet, como a Justiça Eleitoral está fazendo. Resulta em que? Anacronismo, velharia. No caso dos dados de desmatamento, só cria descrédito para uma instituição de altíssima qualidade científica, como o INPE, e confusão em torno do que acontece na Amazônia, o que favorece os desmatadores. Hoje, felizmente, nem o Brasil, nem o mundo, precisam de dados oficiais para saber o que acontece na Amazônia. Mas a democracia brasileira, o estado brasileiro e a capacidade nacional de proteger e desenvolver a Amazônia, garantindo a manutenção da floresta em pé, precisam e muito.

Em entrevista à revista Veja, publicada em suas “páginas amarelas”, o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho, revelou o que vai na alma do presidente, quando se trata de sustentabilidade. Ele disse que “entre um cerradinho e a soja, o presidente fica com a soja”. Imagine-se entre uma florestinha amazônica, a soja, milhões de cabeças de gado, hidrelétricas discutíveis, milhares de quilômetros de rodovias asfaltadas e assentamentos sem colonos, mas cheios de irregularidades oficiais, que respondem por 20% do desmatamento recente.

O ministro Carlos Minc, infelizmente, continua tão encurralado quanto esteve a ministra Marina Silva. Mas, por seu estilo e suas características, está sob fogo aberto de todo lado, de dentro e fora do governo, de governistas e oposicionistas. O destino da Amazônia, neste governo, está e estará subordinado à política de desenvolvimento, que é siamesa das políticas dos anos 70, quando sustentabilidade era uma palavra que não existia e desmatamento e poluição eram sinônimo de progresso.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2024

Desmatamento na Amazônia sobe 41% em novembro, mostra Imazon

Este é o sexto mês consecutivo de alta na destruição do bioma, segundo SAD/Imazon. Degradação florestal tem alta de 84% em relação a novembro de 2023

Notícias
19 de dezembro de 2024

A um mês da posse de Trump, EUA lançam sua meta de corte de emissões

Proposta de Biden é reduzir entre 61% e 66% das emissões até 2035. Governadores dos principais estados dos EUA falam que meta será “estrela guia”

Análises
19 de dezembro de 2024

Restauração muda paisagem em Guaraqueçaba, no litoral do Paraná

Iniciado há 24 anos, plantio de 300 hectares de Mata Atlântica pela SPVS uniu ciência e alta tecnologia, em um casamento que deu certo

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.