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Aqui se faz, aqui se paga

Líderes evangélicos americanos resolveram se aliar à luta contra o aquecimento global. Talvez não salvem a Terra. Mas a decisão deu alento ao ambientalismo.

30 de março de 2005 · 19 anos atrás

No dia 10 de março, o site do jornal The New York Times registrou a entrada de grupos evangélicos na discussão sobre aquecimento global. Durante dois dias, cerca de 150 líderes evangélicos estiveram reunidos nos subúrbios de Washington e na sede do Congresso, o Capitólio, para colocar o tópico na agenda de suas prioridades.

Os líderes religiosos, cientistas, escritores e chefes de organizações de ajuda internacional agora consideram o aquecimento global uma ameaça imediata, uma das causas da pobreza mundial e uma questão cristã. O súbito interesse pelo assunto pega carona na bíblia. Os pastores pró-natureza insistem ser dever moral “guardar a criação de Deus”. Mais uma vez, o texto santo é direcionado ou interpretado de acordo com os interesses do momento.

O Reverendo Rich Cizik, vice-presidente de assuntos governamentais da Associação Nacional de Evangélicos americanos, disse ao Times: “Não acho que Deus irá nos pedir para dizermos como criou a terra, mas certamente nos perguntará sobre o que fizemos com o que ele criou”. Como sempre, tudo será baseado no “Deus castiga”, no pavor do “aqui se faz, aqui se paga”. Acredito que Deus tenha desistido de acreditar que a raça humana seja viável. Entregou os pontos. Provavelmente pagou ingresso para sentar-se ao lado do diabo, abriu uma garrafa de vinho e resolveu apreciar o espetáculo de camarote.

Mesmo assim, seus fiéis representantes acreditam que ainda existe uma penitência que ajudará a reconstruir o que já foi destruído. Participantes de todas as facções no debate ambiental dizem que se os líderes evangélicos tomarem uma posição sobre o assunto, poderão mudar a dinâmica política sobre o aquecimento global. É fato. Se os evangélicos se tornarem fervorosos ambientalistas e começarem a fazer algo além de rezar, estaremos todos salvos.

O Reverendo Ted Haggard, presidente da Associação Nacional de Evangélicos, disse que se tornou um entusiasta da questão do aquecimento global em função de suas experiências com mergulho em profundidade. Depois de observar os efeitos da elevação de temperatura no oceano e a poluição nos recifes de corais, ele resolveu abrir os olhos. O sujeito só se deu conta do que está acontecendo quando foi “brincar” de mergulho? Socorro! Cordeiro de Deus que livrai os pecados do mundo tende piedade de nós.

A declaração dos evangélicos dizia que o governo tem a obrigação de proteger seus cidadãos dos efeitos da degradação ambiental. Cerca de 100 líderes evangélicos assinaram a tal declaração. De repente, não mais que de repente, a indústria evangélica resolveu pegar carona na salvação do planeta. Talvez os sinais da natureza estejam amedrontando os que buscam suíte vip no céu.

Os ambientalistas disseram que aprovariam ter os evangélicos como aliados. “Eles têm boas amizades (leia-se influência) em lugares onde o resto da comunidade ambiental não tem” disse Larry J. Schweiger , presidente e diretor executivo da National Wildlife Federation. “Nos distritos legislativos, por exemplo, os conservadores não se preocupam muito com o que os grupos ambientalistas dizem. No entanto, prestam atenção ao que a comunidade religiosa local está dizendo”. Óbvio. Essa imensa massa de religiosos pode mudar o destino da história política da América (vide as últimas eleições).

A questão então é se os evangélicos farão a diferença? E a resposta é sim, o Senado acha que sim. São 30 milhões de fiéis, alguns até meio fanáticos, que têm o poder de transformar qualquer coisa em febre.

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