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A nova ética do dinheiro

É cedo para dar um veredito sobre a performance financeira dos chamados investimentos éticos, que buscam lucros em empresas socialmente responsáveis.

4 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

Num mundo financeiro cada vez mais povoado de gente que cresceu envolvida ou pelo menos mais preocupada com temas sociais, a pergunta tem sido ouvida com incômoda freqüência. Afinal, trata-se de descobrir a melhor maneira de conciliar a salvação da humanidade com o objetivo de ganhar dinheiro. A resposta não é nada fácil. Mas está cada vez mais urgente, na medida em que cresce o interesse por investimentos éticos – universo que inclui, entre outros, os investimentos ambientalmente responsáveis.

Para se ter uma idéia do quanto esse tema já faz parte da rotina dos investidores dos países desenvolvidos, basta citar uma notícia recente do New York Times: o banco de investimentos Merrill Lynch acaba de promover um Conference Call com seus clientes para discutir o impacto da mudança climática sobre as principais montadoras de automóveis do mundo. A legislação ambiental deverá afetar de maneira diferente cada uma dessas empresas, com impacto sobre seus resultados financeiros e portanto sobre o preço de suas ações.

 

Para quem investe em ações, os fundamentos do problema são bastante simples. Uma ação nada mais é do que uma fração ideal da propriedade da empresa. Na tradição anglo-saxônica, onde cada ação corresponde a um voto na assembléia de acionistas, nada parece mais natural para o investidor do que exigir que as empresas onde seu capital está investido ajam de maneira condizente com os seus valores.

O desafio é transformar esses princípios em uma estratégia de investimentos viável. As dificuldades são muitas, e começam na sua própria definição: Quais devem ser os critérios para incluir ou excluir determinada empresa ou determinado setor? É melhor evitar empresas irresponsáveis ou tentar influenciar seu modo de agir? E a pergunta mais importante: qual será o custo de seguir uma estratégia de investimentos desse tipo? Será preciso abrir mão de rentabilidade para ficar de bem com a consciência?

A – extensa – experiência americana pode ajudar a responder essas perguntas. De acordo com o Social Investment Forum, órgão que representa as principais empresas envolvidas na atividade, o investimento socialmente responsável (ISR) atingiu em 2003 o total de US$ 2,164 trilhões, ou seja, 11% do total dos ativos sob gestão profissional naquele país. O Forum inclui neste número todos os investimentos sob gestão profissional que utilizam pelo menos uma das três estratégias de investimento seguintes: seleção (“screening”), ativismo de acionista (“shareholder advocacy”), ou investimentos na comunidade (“community investing”). Responsabilidade ambiental é apenas uma parte da responsabilidade social, mas os critérios propostos pelo forum nos ajudam a afastar os raciocínios simplórios e considerar as diversas maneiras como esses ideais se transformam em práticas.

A estratégia de seleção consiste em ter critérios formais de exclusão ou inclusão de empresas na carteira de investimentos. Por exemplo: excluir ações de empresas que vendem álcool ou cigarros, ou que usam madeira nativa como matéria-prima de seus produtos. Uma variante é a busca das empresas que podem ser classificadas como as melhores do seu setor com base no critério estabelecido pelo fundo; seguindo essa estratégia, um fundo ambiental (por exemplo) não estaria proibido de investir em ações de empresas de mineração; ele estaria obrigado a buscar, entre as empresas do setor, aquela que melhor respeita o meio ambiente.

Seguindo uma estratégia desse tipo, o investidor não precisa abandonar por completo setores de alto impacto ambiental, como a extração de petróleo ou a geração de energia elétrica. Ele precisa buscar, dentro de cada setor, as empresas que melhor manejam o impacto ambiental das suas atividades. No limite, se todos os investidores agissem dessa forma, premiando a responsabilidade ambiental, criaria-se um incentivo para que todas as empresas do setor buscassem o mesmo nível de excelência.

Outro aspecto importante passa por uma análise mais defensiva da situação. Uma das coisas que se deve evitar quando se investe em uma empresa é que ela tenha passivos ocultos, ou que suas atividades tenham risco de criar novos passivos. Um argumento a favor de empresas ambientalmente responsáveis é que a probabilidade dela estar criando problemas ambientais que possam se materializar em custos futuros com processos tende a ser bem menor.

Já o acionista ativista é aquele que procura influenciar a atuação social das empresas através de resoluções apresentadas nas assembléias – algo muito característico do capitalismo americano mas ainda irrelevante no Brasil, principalmente pela estrutura acionária concentrada de nossas empresas. O ativismo dos acionistas se faz tão mais necessário quando mais irresponsáveis sejam as empresas investidas, o que cria paradoxos interessantes para os investidores que utilizam essa estratégia. Ou seja, investir nas empresas que mais poluem para, sendo acionista, forçar os gestores a mudar seu comportamento.

E como essas estratégias afetam o desempenho de uma carteira administrada? A resposta não é óbvia. A seleção de papéis por critérios éticos ou sociais pode limitar o universo de investimento onde o administrador de carteiras opera, reduzindo as oportunidades de ganho. No entanto, os estudos citados pelo Social Investment Forum não confirmam essa tese: indicam que não há diferença de performance entre os fundos socialmente responsáveis e outros, resultado que deve ser encarado com muito cuidado, dada a dificuldade de medir corretamente esses efeitos.

A tese do ISR ganharia muito se fosse possível argumentar que alguma variante dessa estratégia gera resultados superiores. E existem estudos nessa direção. A consultoria americana Innovest defende que uma empresa alerta para problemas ambientais também estará alerta para outros desafios inesperados e imprevisíveis. Assim, segundo eles, a ecoeficiência seria um indicador de qualidade da gestão, que por sua vez implicaria em retornos superiores.

A tese é sedutora, e a consultoria apresenta no seu website (www.innovestgroup.com) estudos que procuram comprová-la, usando a sua própria metodologia. Ainda é cedo para tirar qualquer conclusão, mas uma coisa é certa; o investimento socialmente responsável hoje é parte do cenário e tem tudo para crescer daqui para a frente – desde que os investidores utilizem as técnicas corretas para desenhar e implementar suas estratégias de investimento de maneira racional e consciente.

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