Uma semana antes da data prevista para seu lançamento formal, o Índice Bovespa de Sustentabilidade Empresarial (ISE) foi o objeto de uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. A convocação foi feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Rede Tabaco Zero e outras ONGs, que prometiam uma discussão acalorada. Falava-se em um verdadeiro “escândalo” cercando o ISE da Bovespa. Não foi bem isso o que se viu, mas para quem esteve lá o debate ajudou a entender o que é o ISE e por que um assunto aparentemente técnico suscita reações tão acaloradas.
Esse tema já foi tratado aqui no O Eco, por nós mesmos, e por Clarissa Lins, da FBDS. Recapitulando:
A Bolsa de Valores de São Paulo resolveu, ainda em 2003, criar um índice que pudesse servir de referência para investidores que procuram incorporar valores éticos nas suas estratégias de investimento. A demanda veio de investidores institucionais domésticos e internacionais. Em outras palavras, gente que administra o dinheiro de terceiros. Para medir o seu desempenho, eles precisam de alguma referência que mostre o que está acontecendo com o mercado – se sobe, se cai, e quanto – para que eles possam verificar se estão melhor ou pior do que a média. Não faz sentido compará-los com índices que medem o mercado como um todo, porque há uma série de ações que esses investidores não podem negociar.
Por entender muito de mercado de ações e muito pouco de responsabilidade social e ambiental, a Bovespa procurou ajuda para criar o seu Índice de Sustentabilidade Empresarial – ajuda de entidades que julgou representativas dos participantes do mercado e da sociedade civil, para criar uma estrutura de governança, e da Fundação Getúlio Vargas, na criação da metodologia do índice.
O ponto de partida foi o conceito da “triple bottom line”, isto é, a idéia de que o desempenho de uma empresa não deve ser medido só pelos resultados financeiros mas também por indicadores sociais e ambientais. Incorporaram-se também indicadores de governança corporativa e da sustentabilidade dos produtos de cada empresa. Mas a grande controvérsia metodológica aconteceu em torno dos critérios de inclusão ou exclusão de empresas.
Inclusão ou exclusão?
Há pelo menos duas maneiras de construir um índice desse tipo: por critério de inclusão ou por critério de exclusão. É possível fazer, para cada setor de atividade, uma lista das empresas e escolher entre elas as mais virtuosas. O outro critério possível é o de exclusão, onde se retira da lista a priori as empresas que atuam em setores considerados inaceitáveis, tais como álcool, fumo e armas.
Os dois critérios têm vantagens e desvantagens. O critério de inclusão funciona melhor em mercados onde há um número muito grande de empresas listadas em bolsa, como nos Estados Unidos. A sua principal vantagem é servir como estímulo para todas as empresas que participam do mercado. Os critérios de exclusão, por sua vez, satisfazem os investidores ativistas, que procuram mudar o mundo com a sua poupança. Mas tem um sério problema: é mais fácil começar a excluir do que parar. Há boas razões para excluir as mais diversas empresas dos mais diversos setores.
É claro que alguns setores são mais perversos do que outros. Fumo, por exemplo, que foi o centro das discussões da audiência pública. E a decisão de não excluir ninguém a priori, tomada pelo conselho que a Bovespa criou para dirigir a criação do índice, tem sido o centro das controvérsias desde então.
As ONGs que se dedicam ao assunto alegam que as empresas de fumo (na realidade a Souza Cruz, única empresa aberta do setor no Brasil) fizeram um lobby agressivo contra o princípio da exclusão. Alegam ainda que isso faz parte de uma estratégia mais ampla de persuasão que procura convencer a sociedade de que as empresas do setor são cidadãs responsáveis. Sob esse ponto de vista, sua inclusão em um índice de sustentabilidade seria premiar uma mentira, pois a indústria do tabaco polui, trata mal os fumicultores, escraviza e mata seus consumidores.
O assunto é técnico mas nem por isso deixa de ser importante. A inclusão de uma empresa no ISE talvez não seja um prêmio, mas será interpretada como tal. Além disso, a tendência é que sem esse tipo de reconhecimento ficará cada vez mais difícil para as empresas levantar recursos no mercado. O foco na questão da exclusão de empresas de setores pouco virtuosos não permitiu que se discutisse mais a fundo qual o conceito de sustentabilidade empresarial que o índice expressa. A partir do anúncio das empresas que farão parte do ISE talvez seja possível aprofundar a discussão.
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