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Conjunto Habitacional Jardim Botânico

Com quase 200 anos, Jardim Botânico do Rio de Janeiro enfrenta problemas fundiários. Ações de reintegração das áreas invadidas já duram mais de 20 anos.

17 de junho de 2005 · 20 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

É do conhecimento de todos os leitores deste O Eco que a França e os franceses sempre tiveram uma relação atávica de amor pelo Brasil e, sobretudo, pelo Rio de Janeiro. Fundadores de São Luís, os franceses invadiram o Rio por duas vezes e chegaram a estabelecer aqui uma França Antártica que, se tivesse prosseguido, seria uma espécie de Folies Bergère avant la lettre. Infelizmente, a França Antártica esquentou e ficou com gosto de cerveja choca. O próprio General De Gaulle, no auge da crise da Véme Republique confirmou a vinculação entre o Brasil e a França afirmando ao se retirar do Elyseé: “Après moi le déluge”. Há quem veja na frase do Grand Charles uma inspiração explícita para que o pai de um bebe nascido em Goiânia batizasse o seu rebento, com nome exótico, e que futuramente seria um dos prováveis responsáveis por verdadeiros dilúvios verdes a inundar as hortas e os campos de altitude do Planalto Central brasileiro. Foi, também, devido aos franceses, ou ao medo deles, que uma das mais tradicionais instituições científicas brasileiras foi fundada. Refiro-me ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro que está próximo dos duzentos anos de vida. Um feito notável para o nosso país, principalmente por se tratar de uma instituição de pesquisa que vem resistindo heroicamente aos diversos governos brasileiros, contando apenas com Deus – pela intermediação de Frei Leandro (1) – e com o apoio de amigos e servidores dedicados.

O nosso Dom João Charuto, apelido de Sua Alteza, o Príncipe Regente de Portugal, posteriormente conhecido por D. João VI que saiu batido de Lisboa com as tropas francesas nos calcanhares no ano de 1808 é o responsável maior pela instituição, pois seu fundador. Tão logo chegou ao Brasil, o valoroso príncipe fez a bravata de declarar guerra à França e determinou a invasão da Guiana Francesa. A antiga colônia gaulesa ficava à uma distância conveniente das tropas do Marechal Junot e poderia ser invadida sem grandes riscos, visto que guarnecida por meia dúzia de gatos pingados que se encontravam mais preocupados em provar que os franceses também tinham uma enorme contribuição a dar para a miscigenação racial do que trocar tiros com portugueses e brasileiros. Chegando a Real Corte ao Rio de Janeiro, ela não se limitou à expropriação de moradias para o seu próprio usufruto, apondo às portas das casas “escolhidas” as letras P.R. (Príncipe Real) que a ironia popular, imediatamente, interpretou como “Ponha-se na Rua”.

Portugal, e não é piada, havia alienado o seu desenvolvimento industrial à Inglaterra, aceitando a condição de mero revendedor de produtos primários para as fábricas britânicas. Devido às guerras napoleônicas as fontes de matéria prima se tornaram instáveis e, em função disso, o governo português optou por estabelecer um Jardim de Aclimatação para as especiarias oriundas das Índias Orientais, aos 13 de junho de 1808. Em tal Jardim eram feitas pesquisas capazes de dizer se o cravo, a canela, e outras especiarias poderiam ser produzidas em larga escala no Brasil. Dependendo do ponto de vista que se adote, D. João VI foi um dos maiores incentivadores da bioprospecção ou um dos vanguardeiros da biopirataria. “Encantado com a exuberância da natureza do lugar, aí D. João instalou o Jardim, que em 11 de outubro do mesmo ano, passou a Real Horto. Por um erro histórico acreditava-se que as primeiras plantas tinham sido trazidas do Jardim Gabrielle, de onde vieram muitas plantas, principalmente durante as guerras napoleônicas. Porém o Jardim Gabrielle era nas Guianas e as primeiras plantas que chegaram aqui vieram, na verdade, das ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, por Luiz de Abreu Vieira e Silva, que as ofereceu a D. João. Entre elas, estava a Palma Mater.”

Como se vê, desde as suas mais remotas origens, o Jardim Botânico é uma instituição voltada à pesquisa científica de ponta, pois a aclimatação pretendida tinha por finalidade assegurar a manutenção do comercio português de especiarias que, indiscutivelmente, era um importante elemento no orçamento luso de então (2). De lá para cá, o Jardim Botânico vem se afirmando como um importante instituto de estudos. Hoje, ele está situado em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro que, não por mera coincidência, ostenta-lhe o nome. Entretanto, toda a pujança científica e cultural do Jardim Botânico, ainda não conseguiu fazer com que a sociedade dedique à instituição à atenção devida e que ele não seja usado para demagogia política.

Uma das questões mais importantes para o Jardim Botânico é a chamada “questão fundiária”. Ora, como questão fundiária? Estamos falando do coração da zona sul do Rio de Janeiro. Que história é esta? Não se assuste amigo, realmente existe uma questão fundiária no Jardim Botânico e no Horto Florestal (centro de produção de mudas anexo ao JB). O Eco já tratou deste tema de forma competente e, para facilitar, permito-me transcrever trechos da matéria assinada pelo nosso Editor, Lorenzo.

“Há no mínimo 589 construções ocupadas irregularmente na área do Parque. Mas não se espante se você já visitou várias vezes o aprazível complexo botânico criado pelo rei D. João VI em 1808 e nunca reparou nessa enormidade de invasores. É que pouca gente sabe que o Jardim Botânico não se limita à área de visitação, chamada oficialmente de “arboreto”. Ao redor dele, estendem-se 83 hectares de floresta nativa que a instituição tem o dever de conservar, nos bairros do Horto, Jardim Botânico e Gávea. É aí que mora o problema.

Parte das casas foi construída no início do século passado, para abrigar funcionários do Ministério da Agricultura (ao qual o Jardim Botânico era vinculado) e da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae). Com o tempo, foram herdadas por suas famílias ou repassadas informalmente para outras pessoas. Aproveitando-se do descaso federal, os moradores passaram a ampliar suas “propriedades” para abrigar familiares. Constroem garagens e arrumam um espacinho para trabalhar ao lado de casa, numa oficina mecânica ou de marcenaria. Além da expansão das casas originais, foram erguidos mais barracos, casas médias e ricos casarões em locais onde antes só havia mato.

Saldo atual: apenas 19 funcionários do Jardim Botânico residem no terreno. O restante, algo em torno de 2 mil pessoas, não tem nada com o Parque, mas desfruta do privilégio de morar em bairros nobres da Zona Sul, cercados de verde, em imóvel que não é seu e sem pagar um tostão.“

A instituição tem o direito de impedir a expansão das casas, mas para retirar os que já se instalaram, só apelando à Justiça Federal. Desde 1986, mais de 220 processos de reintegração de posse movidos pelo Jardim Botânico se arrastam sem solução em Brasília.”

Cabe ao Poder Judiciário, sem dúvida, explicar à sociedade os motivos da delonga, pois ações de reintegração de posse são muito simples, do ponto de vista jurídico. A matéria, também, fala da “proteção” que o companheiro Edson Santos, ilustre vereador da nossa capital concede à companheirada que lá mora e que, segundo a matéria, é liderada por ninguém mais ninguém, menos que a irmã do nosso bravo Edil.

O que há, como sempre, é uma tremenda falta de continuidade administrativa, pois há quase vinte anos existem ações judiciais tentando resolver o problema e, o que nós vemos é o seu agravamento de forma constante. A propósito, não podemos nos esquecer que, recentemente, os jornais andaram noticiando que a multa de R$ 50.000.000,00 paga pela Petrobrás ao IBAMA transitou caminhos tortuosos. O mencionado valor se tivesse sido utilizado, por exemplo, para enfrentar as questões que estão sendo relatadas neste artigo, talvez pudesse ter produzido algum resultado satisfatório. A utilização dos chamados PNR, Próprios Nacionais Residenciais se faz na forma da lei. e apenas, enquanto atenderem ao interesse público; que, no caso concreto, é a proteção do Jardim Botânico. Os problemas habitacionais do Pais são graves e não devem ser menosprezados. Entretanto, o que a realidade nacional nos mostra é que, em nome de solucionar um problema, agrava-se outro e, ao final não se resolve nem um nem outro.

Também não posso deixar de consignar que outras questões merecem ser enfrentadas: (i) a verdadeira esculhambação que se instala na calçada em frente ao Jardim Botânico (Rua Jardim Botânico) nos domingos, em função da visitação e das poucas vagas para estacionamento. Isto, também, deveria ser enfrentado, pois os pedestres não conseguem caminhar na calçada. Já é hora de se fazer uma obra decente que crie um estacionamento subterrâneo para os carros dos visitantes, por exemplo, e que se faça valer o Código de Transito que proíbe o estacionamento sobre calçadas; (ii) o fechamento do Clube Caxinguelê onde são jogadas peladas e curtidos pagodes em áreas públicas federais, atenção delegacia de meio ambiente da polícia federal, que tal a operação “Oh jardineira por quê estás tão triste?” ; (iii) Clube dos Macacos que foi entregue à CEDAE para a “proteção do mananciais” e que se tornou um evidente desvio de finalidade. Enfim, 2008 ainda não chegou e poderemos dar ao Jardim Botânico um belo presente. Infelizmente, voltando à nossa França Antártica, coisas como as que foram acima narradas é que fizeram com que o já citado De Gaulle tivesse dito, pelo menos é o que consta do folclore, que: “Le Brésil est um pays de…” Au revoir à tous.

1. “O Jardim Botânico, que estivera quase abandonado, durante as lutas da Independência, passa a ser dirigido, de 1824 a 1829, por Frei Leandro do Sacramento. Frade carmelita que integrava as Academias de Ciências de Londres e Munique, professor de Botânica da Academia de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, Frei Leandro foi o primeiro diretor botânico do Jardim na época do primeiro Reinado. Na sua gestão, o Jardim Botânico adquire o caráter científico, mais tarde sedimentado por Barbosa Rodrigues, e que o identifica hoje. “…tudo o que o Jardim póde offerecer de notável em trabalhos antigos é devido a seu espírito activo e à sua intelligencia, unicamente empregada sob o ponto de vista scientifico.”

2. Excelentes análises podem ser encontradas nos livros de C.R. Boxer, amplamente disponíveis.

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