A convivência em comunidade é muito difícil e nem sempre estamos preparados para ela. Imagine-se a convivência entre animais e humanos em uma mesma comunidade. Aqui no Rio de Janeiro estamos vivendo uma crise da convivência entre seres sensientes (1).
Refiro-me ao problema gerado pela lei estadual 3.205/1999, que pretende adotar medidas de proteção da população em face do risco causado por cães potencialmente ferozes, tais como pitbull, rotweiler e outros menos votados. A lei de autoria do deputado Carlos Minc – que anda estranhamente quieto, ele próprio com nome de baleia – visa disciplinar a convivência entre nós humanos e os cães. Por enquanto está 1 X 0 para os caninos, que foram beneficiados com uma antecipação de tutela para assegurar que eles não sejam obrigados a passeios noturnos com focinheiras e outros petrechos capazes de diminuir-lhes o potencial ofensivo.
Vale lembrar que a Declaração de Direitos dos Seres Sensientes consagra o princípio da igualdade entre os diferentes seres sensientes, estabelecendo que: “No conjunto dos seres sensientes e devido aos seus direitos fundamentais,
as prerrogativas de cada um cessam onde começam as de outros”. Ora, não me parece que seja lógico que reconheçamos o direito, em tese, de um canino morder um humano sem que, reciprocamente, seja reconhecido ao humano o direito de morder o canino. Está bem, não precisamos ir tão longe, mas que nos reconheçam o direito de pelo menos dar uns arranhõezinhos nos malandros. Devo confessar que, durante muito tempo não entendi por que o Rafa, meu filho, comprava Biscroc, muito embora não tivéssemos cães em casa. Conversa vai, conversa vem, descobri que ele adorava comer a iguaria canina. Espero ansiosamente pelo dia em que verei um chiuaua carregando um saquinho plástico e uma pazinha para recolher o cocô que o seu proprietário fará em uma praça pública qualquer de nossa cidade.
***
O Supremo Tribunal Federal, conforme noticiado por este O Eco, concedeu medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540 que visa impugnar o artigo 4º do Código Florestal. A decisão liminar, em seu dispositivo final, foi assim lavrada:
“Em 25/07/05 (…) em exame prévio verificam-se presentes os pressupostos necessários para o deferimento da medida cautelar. A inicial anuncia a proximidade da 78ª reunião ordinária do Conama, órgão consultivo e deliberativo do Sisnama – (…), que será realizada nos dias 27 e 28/07/05 (fls. 17/20). Ocorre que, com fundamento no art. 4º da MP ora impugnada, o Conama, por meio de resolução, pode vir a autorizar o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de uma área de preservação permanente, para fins de ‘empreendimento de mineração’ (fl. 7) (…) Ora, a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente (…) presente por este motivo o ‘periculum in mora’. o ‘fumus boni iuris’ encontra-se na norma const… daí que a concessão da medida permitirá uma análise mais aprofundada sobre o tema… assim, defiro o pedido de medida cautelar para suspender, ‘ad referendum’ do plenário, até o julg. final da ação, a efic. do art. 4º, cap., e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da lei 4771/65.”
O texto da norma impugnada pelo STF é o seguinte:
“Art. 4o A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1o A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.
§ 2o A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
§ 3o O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4o O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
§ 5o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 6o Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.
§ 7o É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.”
A medida liminar não anula o artigo da lei, porém suspende-lhe os efeitos até julgamento final da ADI. A iniciativa do Sr. Procurador Geral da República foi muito importante e marca uma reversão da atitude do Ministério Público Federal em relação ao Conama. Com efeito, como já me manifestei anteriormente o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) não raras vezes extrapola as suas competências legais e comete verdadeiros absurdos jurídicos. No caso do Código Florestal, à toda evidência, o Conama não tem qualquer atribuição legal para dispor sobre matérias nele tratadas. Basta que se leia o artigo 8º da Lei nº 6.938/81 para chegar a tal conclusão.
Entretanto, a questão suscitada pela medida liminar concedida é muito mais grave do que a simples discussão da competência do Conama. Com efeito, uma leitura simples da questão demonstra que o STF, pela pena de seu presidente, entende, com razão, que a intervenção em áreas de preservação permanente deve ser feita com base em lei. De fato, sob o argumento fácil de que o Congresso Nacional é lento, os burocratas do Conama têm avançado sobre direitos e garantias individuais e, na prática, prejudicado o meio ambiente, as empresas e indivíduos.
É importante que se proceda uma revisão das diferentes Resoluções do Conama de forma criteriosa para que possamos escoimar aquelas que são manifestamente ilegais – infelizmente são muitas – e pela via legislativa sejam tratados temas relevantes para a sociedade brasileira e o meio ambiente. É urgente e necessária uma legislação que possa estabelecer os parâmetros para a intervenção nas chamadas APPs sempre que isto se fizer necessário e, seguramente, são muitos os casos.
Hoje já existe uma massa crítica suficientemente desenvolvida na doutrina jurídica brasileira para que se identifiquem rapidamente as matérias que demandam uma legislação específica. O Ministério do Meio Ambiente prestaria um grande serviço à sociedade se constituísse uma comissão para rever as resoluções do Conama e que, rapidamente, encaminhasse projetos de lei para o Congresso Nacional. Não tenho dúvidas em afirmar que, ante ao relevante interesse nacional, não haveria qualquer dificuldade para que os temas fossem votados em regime de urgência. Marina Silva entraria para a história como a Ministra que implantou o “Estado de Direito Ambiental” no Brasil.
(1) Ser sensiente é todo aquele que pode sofrer física ou psiquicamente, e que se caracteriza por possuir um sistema nervoso e um cérebro desenvolvidos. O conjunto dos seres sensientes compreende, entre outros, as espécies vertebradas, os mamíferos (humanos ou não), os pássaros, os répteis, os anfíbios e os peixes.
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