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Ecoando a Cidade Maravilhosa

Depois de um ano longe de casa, redescubro os prazeres e as belezas da Cidade Maravilhosa e concluo: viajar é ótimo, mas nada como voltar para o Rio de Janeiro.

26 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás

Escrevo em janeiro mas, espiritualmente, retorno a princípios de dezembro. Ainda estou em Nairobi, atolado em papéis de Embaixada, preso à pesada burocracia que me ata a uma mesa longe dos Parques e Montanhas onde mora meu coração. Conto os dias, o fim do ano se aproxima. Papai Noel, reveillon e pequenas férias de duas semanas nas quais quebrarei meu ano de exílio e voltarei ao Rio de Janeiro, terra natal, pátria amada de onde me sinto eternamente desgarrado. Mãe, filho, irmãos, amigos, cheiros e gostos, vou matar as saudades.

Mas uma pequena apreensão me embrulha o estômago. E a violência? As balas perdidas? A destruição diuturna da Mata Atlântica que leio semanalmente em O Eco? Como será encarar essa triste realidade uma vez mais?

Mas qual! Já no sobrevôo de aproximação, o coração aperta, o sangue acelera, os pêlos eriçam. O comandante gira sobre Niterói, a Baía de Guanabara abre-se esplendorosa, o Pão de Açúcar, o Cristo majestoso, a Lagoa Rodrigo de Freitas, a Floresta da Tijuca viçosa e aparentemente indestrutível. Ah, Rio de Janeiro…

No chão, o calor úmido de uma só lufada entra por baixo das roupas, empapa o ralo cabelo, inebria as narinas com gosto de maresia. Do aeroporto, direto para o Cervantes, onde sou recepcionado com o inigualável filé com queijo e abacaxi. Há que gritar para ser ouvido. A conversa tonitruante das outras mesas lotadas de gesticulantes cariocas ecoa pelas paredes.

Na saída, compro os jornais do dia, dou uma primeira espiada nas águas da praia e vou para casa me sentindo completamente readaptado; como se jamais houvera deixado a Guanabara.

Duas semanas, aí incluídas as obrigações sociais das festas, não é muito tempo mas, tirado o convívio familiar e os contactos profissionais, ainda sobra um tempinho para flanar. Na livraria Letras e Expressões do Leblon o clima gostoso de bate papo literário continua a reinar. Entre um café e outro, refestelo os olhos na diversificada coleção de lançamentos que tem o Rio por tema: há livros sobre as árvores Fluminenses, sobre as praias, sobre a baía de Guanabara, sobre o Palácio São Vicente, sobre a coleção Fadel, livro de contos sobre o Rio, livro de Ney Lopes… Não é mais possível colecionar Rio de Janeiro!

Ainda que nas algibeiras houvesse dinheiro suficiente, não há tempo que chegue para dar conta de tanta literatura carioca.

Mas se não é possível ler tudo, a Floresta da Tijuca e suas cachoeiras ensolaradas continuam, desertas, a oferecer espaço de qualidade para o folhear preguiçoso do fascículo de plantão. Caminhada e cachoeira sucederam o mergulho na praia e o esgazear de gente bonita. Ao final do banho de água doce ainda há uma linda noite de lua cheia a colorir de prateado a enseada de Botafogo ao som melodioso dos Paralamas do Sucesso, que o toque mágico de Maria Ercília trouxe de volta às Noites Cariocas, no Morro da Urca. Nem Sherazade faria melhor!

No cinema, Vinicius canta a Cidade em prosa e verso. Mas não é tudo. Chorinho na Lapa, mostra Marc Ferrez na Fundação Moreira Salles, entra e sai despretensioso dos prédios do Centro: Palácio Itamaraty, Real Gabinete Português, Companhia Lage de Navegação, Centro Cultural dos Correios, Museu Nacional de Belas Artes. No Rio, mesmo em tempos bicudos, não se morre de fome cultural.

Pelas ruas, turistas e locais colorem de alegria as ruas da Zona Sul. Há agora uma onda de turismo gay no Rio. Com seu jeito blasé, a cidade dá as boas vindas ao terceiro sexo e recebe os visitantes (e seus dólares cor- de- rosa) de braços abertos. Vêm desfrutar desse ar de azaração constante que paira no sovaco do Cristo.

No futebol, a bola anda murcha, mas o carioca não passa recibo. Romário segue marrento e Pet é idolatrado. Pena não poder estender minha estada até a abertura do cariocão que, de tão importante, deveria se chamar Campeonato Nacional da Guanabara.

Ao fim e ao cabo, com Ana Leonor, vou visitar O Eco, em sua redação na Gávea. Queremos dar caras aos nomes que assinam os e-mails de nossos editores. Como será Lorenzo Aldé, gordo ou magro? Carolina é Carol ou Caína? Somos recebidos com pompa e ar condicionado. Conversa gostosa (ou desgostosa com os rumos ambientais do mundo), café, água e risadas sinceras. Estendemos nosso tempo além do que seria conveniente a quem, do outro lado da visita, trabalha. Finalmente, felizes por termos vindo, nos despedimos.

Já na porta, Marcos Sá Corrêa e Kiko Nascimento Brito mencionam a inveja que têm das nossas matérias, escritas de alguns dos cafundós do planeta onde o trabalho, amiúde, nos leva. Olho o Morro Dois Irmãos chapado ali na minha frente, a resplandecer na luz do fim de tarde. De fato, é bom viajar mas, Kiko e Marcos que me perdoem, bom mesmo é morar na Cidade Maravilhosa.

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