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Mercados Verdes II

Os mecanismos e incentivos dos mercados, ao contrário do pensamento convencional, podem ser uma poderosa força a favor da redução da poluição e da conservação.

18 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Na coluna passada, mostrei exemplos da atividade empresarial que conservam e protegem o meio ambiente. Faltou mostrar que a própria razão de ser e incentivos das empresas e dos mecanismos de mercado contribuem de forma decisiva para a conservação ambiental.

Vivemos numa confusão de rotulagens ideológicas anacrônicas. A divisão entre esquerda e direita não funciona mais, muito menos o antagonismo entre capitalismo e socialismo. Desde o fim dos chamados regimes comunistas que, de fato, pretenderam extinguir a propriedade privada quase por completo, o que existe são economias mistas, onde os processos de decisão, produção e gastos podem ser privados ou públicos.

Se olharmos o mundo sem filtros ideológicos e clichês embolorados, a pergunta larga é: quando devemos usar mecanismos de mercado e quando devemos usar o poder de regulação e taxação do governo para resolver um problema de organização social? Como isso se traduz no caso da ecologia? Especialmente, o que essa pode esperar dos mercados? Efeito estufa à parte, que é a exportação da poluição local para o resto do mundo, seguem algumas razões porque os países ricos, onde a produção é largamente feita por empresas privadas, são muito menos poluídos do que os pobres.

O motor social dos mercados é a competição e a inovação tecnológica que ela impulsiona. Empresas querem maximizar seus lucros. A partir dessa premissa, poluição é desperdício, significa um insumo que é jogado fora sem ser totalmente utilizado. Isso só acontece porque, dado o patamar da tecnologia, processá-lo custa mais do que desperdiçá-lo. Quando isso acontece, um custo é imposto aos outros sem consentimento. Os governos podem e devem penalizar esses produtores. Mas qualquer empresa que se preze, gostaria de reduzir suas perdas e tirar o máximo dos insumos que utiliza, já que cochilar pode fazê-la ficar atrás da concorrência. E embora qualquer produção inevitavelmente altere a natureza, a competição incentiva que isso seja feito da forma mais eficiente possível.

Nas empresas que operam em mercados abertos, essa busca de redução de custos e pela inovação tecnológica é um processo que ocorre no dia-a-dia, por todos os lados, nas pequenas mudanças de processo ou nas grandes descobertas. Eis alguns exemplos: a fibra ótica substituiu o fio de cobre nas comunicações. Com isso o cobre, um metal escasso foi substituído pelo silício, um material abundante e mais poderoso na transmissão de dados. As latas de refrigerante e cerveja já foram feitas de grossas folhas de flandres. Nos bares, amassá-las era um teste de força entre machões. Esses saíram de moda, ao mesmo que as latas tiveram sua espessura drasticamente reduzida, com o uso de alumínio e muita técnica. Outra boa história é a dos choques de petróleo da década de 70. Ao aumento dos preços do petróleo, correspondeu um esforço que fez carros, máquinas e sistemas de aquecimento muito mais eficientes. A crise acabou se dissipando e os preços do petróleo voltaram a cair. Hoje, os carros fazem mais quilômetros por litro e poluem bem menos.

As economias que crescem mais rápido são aquelas onde prevalece a produção privada e as trocas via mercados. E isso facilita muito a conservação ambiental. A razão é simples. Os países ricos têm muito dinheiro para gastar com a ecologia. Também tem cidadãos que já satisfizeram suas necessidades mais básicas e podem ter preocupações mais elevadas. A falácia de que o crescimento econômico capitalista é o principal responsável pela destruição da natureza cai frente às evidências. Os países mais ricos do mundo, como a maior parte da Europa Ocidental e os EUA possuem água e ar muito mais puros do que países em desenvolvimento na Ásia, América Latina e África, exceto em regiões pouco habitadas. Nos primeiros, em geral, as pessoas enchem um copo d’água na pia sem medo ou necessidade de filtros. Coisa rara no mundo em desenvolvimento ou nos países ex-comunistas.

Aliás, os países ex-comunistas fracassaram amargamente na conservação. Rússia, países do Leste Europeu e China têm algumas das áreas mais poluídas do mundo. Ao fim da União Soviética, 95% dos rios da Polônia e 70% dos rios tchecos estavam mortos ou extremamente poluídos. O pior acidente nuclear já ocorrido no mundo foi em Chernobyl, na Rússia, causado por má manutenção e omissão do autocrático governo central. Na Bósnia Central, ex-Iuguslávia, tragicamente, a fumaça das chaminés da cidade de Zenica, notoriamente poluída, só cessaram com a guerra.

Os mecanismos de mercado permitem comprar conservação, proporcionando mecanismos voluntários de proteção ecológica. Hoje, fundos ambientais compram habitat para animais em extinção, desviam água antes destinadas a agricultura de volta ao seu curso original e removem represas para devolver as correntezas dos rios aos salmões e outros peixes. Tudo isso, sem precisar do poder coercitivo do Estado e sem gerar oposição política dos afetados que, aliás, sendo devidamente remunerados passam a cooperar com o processo.

Finalmente, um argumento mais indireto. Os direitos individuais e de propriedade multiplicam em muito os reclamantes contra a degradação da natureza. Qualquer um que tenha os seus interesses atingidos pode se mobilizar. Quando a propriedade é coletiva, só chegando ao topo da hierarquia do poder é possível mover a máquina. Isso costuma ser raro, já que as besteiras costumam vir de cima. Em países centralizados e estatizados, governo e justiça misturam seus interesses. Governo não pune governo. Quando alguma coisa dá errada, como foi o caso do acidente de Chernobyl, não há culpados claros, as responsabilidades são difusas e os bodes expiatórios costumam ser funcionários de baixo escalão, que morriam de medo de denunciar os problemas.

O governo é muito mais eficiente quando fiscaliza o setor privado do que a ele mesmo. Os exemplos seriam incontáveis. Mas veja o caso brasileiro das terras públicas. Na Amazônia são griladas e a floresta derrubada, nas encostas do Rio de Janeiro são favelizadas, nos parques nacionais são invadidas por posseiros, em geral, incentivados por prefeitos de municípios vizinhos. Uma das melhores virtudes de tirar a produção e a propriedade do Estado é separar os papéis de quem faz e quem julga.

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