Em 1996, o Congresso americano autorizou um programa chamado Fee Demonstration, que permitiu, por um período experimental, o início ou o aumento de intensidade da cobrança de ingressos e serviços nos parques nacionais e outras áreas de proteção federais. Uma característica fundamental do programa é que a maior parte da receita gerada nos parques passou a ser diretamente administrada pelos seus gerentes, em vez de ir para o caixa único do tesouro nacional.
Segundo recentes avaliações do próprio Congresso, a experiência foi bem sucedida. Muitos projetos de melhoria dos parques – antes paralisados pela falta de verbas – foram levados a diante com as novas receitas. Houve redução de lixo, vandalismo e até alguns crimes que costumavam ocorrer dentro de seus limites. Com esses resultados, o programa deverá ser renovado indefinidamente.
A medida marcou uma reversão de curso de várias décadas, quando o princípio de gestão era baseado em ingressos baratos e centralização administrativa do dinheiro em Washington. Isso dava margem a acalorados debates sobre a maneira mais justa de acesso aos parques nacionais. Será razoável cobrar ingressos que excluam a parte mais pobre da população? Terras públicas podem ser comercializadas?
Um artigo publicado em 2004 por J. Bishop Grewell, pesquisador do Property and Environment Research Center (PERC), procura investigar essas questões comparando os argumentos do debate com os fatos. Por exemplo, Grewell cita vários estudos que mostram as despesas com transporte e hospedagem como o grande limitador de acesso aos parques nacionais. A própria renda familiar é outro fator importante na escolha do lazer. As famílias mais pobres, que ganham menos de US$ 20 mil por ano, raramente visitam os parques nacionais. Um estudo feito em Cleveland mostra que mesmo parques municipais são pouco procurados por famílias de baixa renda. A explicação talvez esteja na falta de tempo, informação ou outras opções de lazer dessa parte da população.
Os ingressos representam apenas uma pequena fração dos gastos totais de uma viagem a um grande parque nacional. Para passar dois dias em Yellowstone partindo de Washington D.C., uma família de quatro pessoas gastaria entre US$ 770 e US$ 1.360, dos quais US$ 20 com o ingresso cobrado por carro. Ou seja, no máximo, cerca de 3% do valor da viagem. Para parques distantes dos grandes centros americanos, o exemplo sugere que o ingresso represente uma parte diminuta das despesas.
Se não é o valor do ingresso que limita o acesso dos pobres, e se eles costumam ter outras preferências de lazer, financiar os parques com dinheiro dos impostos é uma política regressiva. Isto é, privilegia os mais ricos, contribuindo para aumentar a desigualdade. Talvez por essa razão, várias pesquisas mostraram que as famílias americanas mais pobres preferem que os parques sejam financiados por ingressos mais caros do que pelo aumento de impostos.
Grewell pondera também os argumentos contra a comercialização da natureza. Os que defendem essa perspectiva comparam o acesso ao patrimônio natural com o da cultura. A experiência seria manchada pelo comercialismo. Muitos museus, bibliotecas e galerias de arte americanas são sustentados por doações, anuidades de associados e ingressos. Algumas das melhores bibliotecas do mundo estão dentro das grandes universidades privadas, como Harvard e Stanford, fortemente dependentes de doações e pagamentos dos alunos. A maior parte delas mantêm-se abertas ao público justamente porque já têm garantida a sua boa manutenção com o dinheiro dos que podem pagar.
Isso mostra que também existem opções para preservar o acesso à natureza de quem tem menos poder aquisitivo. Os parques podem oferecer entradas gratuitas em dias ou épocas menos freqüentados. Ou facilitar a admissão de grupos específicos, como moradores de localidades próximas e estudantes. Existem muitas maneiras de combinar a cobrança de ingresso dos usuários financeiramente mais capazes com o acesso dos mais pobres desde que seja mantido o princípio de que os parques devem viver, sempre que possível, das próprias receitas e ter controle sobre a administração das mesmas.
Como defendi na coluna anterior, dada a enorme desigualdade brasileira, muito maior que a americana, desconfio que, por aqui, cobrar ingressos irrisórios e financiar parques nacionais com impostos federais tenha um forte efeito de transferir renda para os relativamente abonados às custas dos que nunca verão os parques. Como o próprio governo brasileiro vive sobrecarregado financeiramente e tem os parques nacionais como uma das suas últimas prioridades, essa também é uma boa maneira de manter os nossos parques em péssimo estado.
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