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Dilma e as árvores

Minha conterrânea Dilma Roussef transformou o cargo de ministra das Minas e Energia numa cruzada fanática contra as leis que defendem o meio ambiente.

4 de novembro de 2004 · 20 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Ninguém de alguma estatura política ou intelectual ouviria falar da atual ministra das Minas e Energia, minha conterrânea Dilma Roussef, não fosse por sua oportuna virada de casaca que há algum tempo guindou-a a uma secretaria do desastroso (as urnas que o digam) governo Olívio Dutra e, hoje, ao posto que ocupa com a empáfia da mulher-interiorana-que-venceu-preconceitos. Assim mesmo, pouco se ouviria falar da ministra se não tivesse ela se lançado a uma cruzada fanática em favor das grandes corporações de energia e empreiteiras, e contra a legislação brasileira de meio ambiente.

Com efeito, subscrevendo fielmente à postura pseudo-desenvolvimentista do atual governo do Presidente José Dirceu, a ministra resolveu encampar a gritaria safada e mentirosa dos empreiteiros e do próprio Palácio analfabeto. A par da incompetência da nomenklatura econômica ora mandante em Brasília para gerar emprego e renda frente às políticas de canibalismo fiscal e entreguismo de dinheiro aos juros da dívida, preferiram encontrar (sic) nas normas que regem o licenciamento ambiental de grandes obras – a maioria dessas obras com horríveis, e muitas vezes irreversíveis, impactos ambientais – o grande Satã da desgraça nacional.

Que os empresários que empesteiam esse país na forma de oligarquias incultas e seus lobistas parasitas que habitam diuturnamente os gabinetes em Brasília venham a público mentir sobre como as leis ambientais “atrasam o desenvolvimento” do Brasil, até se entende. Estão simplesmente sendo eles mesmos, despidos da demagogia calhorda de “responsabilidade social” com a qual se revestem para dar esmolas à sociedade, verdadeiros travestis da benemerência de fachada. Agora, que empregados do governo pagos com o nosso imposto, como essa mulher, façam dos seus gabinetes ministeriais caixa de ressonância desses absurdos, é caso para a polícia – se polícia houvesse nesse país em que tudo que os maus políticos fazem se tolera como folclórico.

Como de hábito, para assustar a catrefa ignara, os empresários e seus lacaios no governo acenam, pela enésima vez, com o fantasma do apagão, da falta de energia “necessária para o país crescer”. (Crescer pra onde? Pra quem? Pra quê? Mas que perguntas inconvenientes, melhor não fazê-las!). Beleza, está justificada a campanha criminosa para acabar com as leis que exigem o adequado licenciamento ambiental – vai faltar luz na indústria e na favela, acabou o trabalho e a novela das 8, porque o “malvado IBAMA” não deixou a “bondosa socialista” Dilma abençoar as novas hidro, termo, carbo, cocôelétricas que levariam, certamente, o Brasil a acabar com a pobreza, as doenças e o bicho-de-pé se construídas fossem.

Ora, pergunta-se o assustado leitor, que tem isso a ver com a jardinagem que eu achava que ia encontrar nessa coluna? Muito, como passo a explicar. Acontece que aos políticos de plantão, amigos das mega-obras e dos anúncios de medidas grandiosas, nunca ocorre olhar para o país com olhos de quem vive aqui de fato. Se assim o fizessem, veriam o quanto se pode economizar de energia com um mínimo de planejamento do setor público – e também um mínimo de jardinagem decente nas cidades.

O Brasil é cheio de espécies de árvores nativas de grandes copas, em especial as leguminosas, como os guapuruvus, as canafístulas, paus-ferro e outras capazes de, em pouco tempo e em relativamente pouco espaço, mudar o budget energético de qualquer prédio de médio porte, ou de bairros inteiros das nossas grandes cidades. Bastaria querer.

Para começar, debrucemo-nos sobre os prédios públicos, em especial os construídos nos últimos 20 anos nas principais cidades brasileiras. Esqueçamo-nos por um momento, ainda que doa, das licitações fraudadas, falcatruas e superfaturamentos que normalmente cercam as notícias sobre os mesmos, e prestemos atenção nas suas estruturas arquitetônicas. Veremos que a imensa maioria é de gaiolas de vidro fumê, pessimamente orientadas em relação ao sol e com múltiplos buracos de onde espreitam, sedentos de energia elétrica, milhares de aparelhos de ar-condicionado! Para começarmos a falar seriamente de estabilidade energética no Brasil, deveríamos iniciar pela proibição dos governos de construir esses chupões elétricos de concreto e vidro, e pela imposição de pesadíssimos impostos e sobretaxas aos empreendedores privados que os quisessem construir de qualquer maneira, insensíveis à necessidade de conservar a energia que se produz a tão alto custo social e ambiental.

Chegamos, então, às árvores. Nossos prefeitos burros, arquitetos e “paisagistas” analfabetos e “otoridades” políticas do setor energético cuja competência mal chega para trocar uma lâmpada, são incapazes de enxergar na arborização urbana uma efetiva solução para boa parte da economia de energia que ajudaria a afastar de vez os fantasmas de apagões. Sim, porque diversos estudos de especialistas – o melhor deles feito no Programa de Clima da Floresta Urbana de Chicago, Estados Unidos, pelo Serviço Florestal norte-americano – provam cabalmente que o plantio de árvores em posições adequadas em relação ao sol e às edificações pode economizar até 7% dos gastos anuais de ar-condicionado. Isso nos climas temperados – imaginem num clima tropical como o da maior parte do Brasil! Trata-se de uma economia considerável, ainda mais num país em que mudam os relógios para tirar 2% ou 2,5% do consumo energético do grid. A arborização urbana, evidentemente, tem uma série de outros benefícios diretos para a qualidade de vida humana, mas de longe a economia energética é a mais ignorada e negligenciada.

O Brasil é cheio de espécies de árvores nativas de grandes copas, em especial as leguminosas, como os guapuruvus, as canafístulas, paus-ferro e outras capazes de, em pouco tempo e em relativamente pouco espaço, mudar o budget energético de qualquer prédio de médio porte, ou de bairros inteiros das nossas grandes cidades. Bastaria querer.

A que conclusão chegamos? Bueno, há duas imediatas: (a) as “otoridades” são tão incompetentes que não conseguem ver essas alternativas de redução do consumo e (b) as “otoridades” estão se lixando para a economia e o uso socialmente justo da energia, e querem mesmo é promover mais obras para alegria das empreiteiras e engordamento das caixinhas eleitorais.

Em qualquer dos casos, deveriam ser defenestrados de seus gabinetes com a banda de música tocando embaixo, ainda que a uma distância segura para não sujar os músicos.

Na próxima vez, portanto, que vocês ouvirem essa balela cretina do apagão, corram a plantar uma árvore nativa na sua cidade. E cuidem do tomateiro – seus frutos são essenciais em qualquer comício. Por que essa gente merece. Até a próxima.

*Esse texto foi editado em 13/05/2024 para repaginação

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