Neste segundo semestre do aziago ano lulístico de 2005, tive a oportunidade de dar uma circulada por dois países em desenvolvimento, razoavelmente pobres, e dos quais temos muito que aprender numa área em que o Brasil ora, engatinha, ora trampeia, ora se perde: o Ecoturismo.
Na Patagônia Argentina, onde estive para minha 12ª. Visita em setembro, o santuário natural da Península Valdés é um dos esteios do turismo internacional argentino. Contam-se às centenas de milhares os visitantes estrangeiros que ali aportam com um único objetivo: ver Natureza preservada. As baleias francas são as grandes estrelas, e os visitantes embarcam aos milhares nas lanchas do pioneiro Peke Sosa e outros operadores para vê-las de perto. Mas há também pingüins, leões e elefantes marinhos, orcas, golfinhos, guanacos, emas, águias, albatrozes, petréis, tudo protegido num notável sistema de reservas provinciais que asseguram a proteção desse patrimônio turístico inestimável.
Os Parques e reservas naturais brasileiros são um tesouro abandonado. Poderiam estar gerando emprego e renda para as regiões onde estão localizados, mas a falta absoluta de investimentos em estrutura de visitação e uma política medieval de gestão praticada pelo IBAMA impedem que eles assim sirvam à sociedade.
Na África do Sul, um passeio de 6.500 Km em outubro me levou a consolidar meu conhecimento de uma expressiva parte dos parques e reservas naturais do país. Guardas bem armados, mapas, guias e placas, pousadas dentro das áreas protegidas com concessões de serviços de passeios interpretativos, e shazam! – haja antecipação para se poder reservar um lugar para conhecer esses paraísos de perto. O Serviço de Parques Nacionais sul-africano, ainda que lutando com as dificuldades inerentes aos países que não nadam em dinheiro, é um primor de atenção ao visitante. Isso se repete nos parques das distintas províncias, da costa do Índico às margens do deserto de Kalahari.
Nos tempos de CVCs da vida, em que se promove a circulação paga de gentios ignaros em bandos ruidosos como se isso fosse turismo, virou moda rotular tudo o que se faz levando gente ao mato ou ao mar como “ecoturismo”. Como quase tudo que se faz aqui, ao invés do país aproveitar a sua ainda enorme riqueza de paisagens, ambientes e diversidade biológica para criar programas de Ecoturismo verdadeiro, com interpretação ambiental, contribuição econômica direta para a conservação e monitoramento capaz de assegurar a sustentabilidade, o que vemos é a palhaçada da apropriação pirata do termo por qualquer dono de jipe velho, de um lado, e pelas operadoras de “veja-o-mundo-em-quatro-dias” que apelam à classe média F brasileira com seus buzuns enfeitados e cruzeiros fajutos.
Quantas operações de verdadeiro ecoturismo – insisto no tripé essencial: interpretação, conservação, sustentabilidade – se podem elencar na vasta Pátria ora afogada em chamas, ora em lamas? Acredito que cabem nos dedos de um só arigó. Ao estudá-las, veremos que 99% das que merecem esse nome estão em áreas privadas, manejadas sem que o Estado burro e safado meta nelas as suas patas. Nos Parques Nacionais e outras áreas públicas, apenas o Parque Nacional do Iguaçu tem um ecoturismo que merece aspirar ao nome, e ainda assim porque concedido integralmente a particulares.
Os Parques e reservas naturais brasileiros são um tesouro abandonado. Poderiam estar gerando emprego e renda para as regiões onde estão localizados, mas a falta absoluta de investimentos em estrutura de visitação e uma política medieval de gestão praticada pelo IBAMA impedem que eles assim sirvam à sociedade. Somos possivelmente o único país do mundo em que as áreas naturais protegidas são deficitárias para a sociedade e por ela mal vistas.
O pior de tudo é que, ao invés dos “centros de visitantes” milionários que o IBAMA inventa aqui e acolá à custa de extorsões legalizadas de “compensações ambientais”, investimentos mixurucas e pontuais poderiam começar a reverter esse quadro. Em paralelo, a implantação de uma política corajosa de concessões de serviços em parques acabaria com o abandono pornográfico em que está mergulhada a maioria deles.
Mas não, já está claro que a política de Unidades de Conservação é exatamente o oposto: estuprá-las através de uma “visão social” que privilegia os invasores, as “comunidades tradicionais” depredadoras, em detrimento da sociedade brasileira como um todo. Tolera-se o caçador, o madeireiro, o pescador ilegal, o posseiro incendiário, tudo travestido de “preocupação social”, enquanto se condena o País todo à perda da biodiversidade, e regiões inteiras vizinhas a parques à perda dos ingressos econômicos e benefícios sociais amplos que sua efetiva implantação traria. Some-se a isso o estrangulamento calculado (e tolerado mansamente pelo MMA) das verbas para a efetiva gestão ambiental, única estratégia que parece agradar igualmente aos burocratas fiscais e à Casa Civil deste governo, e temos aí o quadro atual.
Mudará esse quadro? Vale a pena lutar para mudá-lo? A resposta talvez esteja na ilha Robben, uma de minhas escalas na viagem pela África do Sul. Nela está a pequena cela em que Nelson Mandela passou 18 dos seus 27 anos de prisão, de onde só saiu para ser eleito Presidente. Essa persistência deve nos servir de exemplo, mesmo quando nos sentimos aplastados por políticas de governo tão sórdidas como as que ora vigem. Não abandonemos, pois, a luta pelas áreas naturais. Um dia, estou seguro, alguém vai se dar conta do caminho correto.
*Esse texto foi editado em 17/05/2024 para repaginação
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