Não consigo me conformar com as medidas que vêm sendo tomadas pelo MMA com relação às unidades de conservação ou áreas protegidas. Na minha última coluna aqui, eu já falava do absurdo da operação “bois piratas”. Deu no que era evidente: o Ibama, que nada tem a ver com gado, segundo o noticiado vem gastando mais de 1 milhão de reais para manter o plantel até um eventual próximo leilão. Enquanto isso as unidades de conservação continuam esperando sua implantação ou manejo. A nova invenção genial do governo é pretender se desligar de sua responsabilidade de gestor das unidades de conservação, no que concerne às pesquisas científicas, e, além de tudo, que empresas privadas ou governamentais as “adotem”.
Assim o ministro Minc anunciou, com alarde, em reunião com o próprio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e com dirigentes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência ( SBPC), que apresentou proposta de transferir às universidades a responsabilidade para a concessão de licenças para pesquisas em unidades de conservação. Não obstante todo o aplauso e respeito que merecem a SBPC e as universidades brasileiras, essa medida é demagógica e extremamente perigosa. Os acadêmicos, os estudantes, mesmo que de mestrado e doutorado, não são os que manejam as unidades de conservação e nem sequer estão obrigados a conhecer seus planos de manejo, nem tampouco a legislação e as complexas regulamentações a elas concernentes. O Brasil sequer tem cursos de graduação em manejo de áreas protegidas. A pesquisa em áreas protegidas pode ser e tem sido reiteradamente, uma arma de duas faces. De uma parte é uma ferramenta indispensável para o manejo. De outra, em muitos casos bem documentados, tem contribuído para a destruição e degradação de elementos do patrimônio natural preservados nessas áreas.
Claro que as pesquisas científicas têm de ser feitas e em especial aquelas necessárias ao bom manejo das áreas protegidas. Nosso Ministro inverte o óbvio. É clara a necessidade de se analisar com mais rapidez as propostas de pesquisa e que as apropriadas, necessárias e viáveis, devam ser facilitadas, ao invés de dificultadas. Mas jamais deve se delegar uma responsabilidade tão intrínseca ao manejo a outras entidades que, se pela sua natureza são sérias, incontáveis vezes, têm cometido desatinos em unidades de conservação como, por exemplo: de coletar os últimos exemplares de uma espécie em extinção; fazer coletas abusivas e interferir seriamente no entorno natural ou; enviar estudantes de graduação para trabalhos que exigem muito conhecimento e experiência. Sabe-se dos abusos e do mau comportamento de estudantes em unidades de conservação, inclusive criando conflitos com a sociedade local, ou de atos comprometidos com a moral e os bons costumes. De outra parte, será que o Ministro esqueceu-se da tão propalada, por esse governo e por sua antecessora, biopirataria? É verdade que a paranóia com a tal da biopirataria vinha atrapalhando o desenvolvimento científico no Brasil, bem como as unidades de conservação, mas abrir totalmente as porteiras é demais, além de perigoso para o bem estar da biodiversidade que o nosso país abarca. Vai-se de um extremo a outro para se solucionar questões que só exigem bom senso, algo raro nos dias de hoje.
Outro assunto, como todos os demais, fartamente alardeados na mídia, pelo nosso midiático Ministro é o de responsabilizar aquelas empresas que necessitam de ressarcir o Poder Público pelo caráter de suas obras ou empreendimentos, que provocam danos ao meio ambiente, pela paternidade de Parques Nacionais. A mais badalada é a compensação da Usina de Angra III, onde uma das 60 exigências da área ambiental é que a Eletronuclear “adote” o Parque Nacional da Serra da Bocaina e a Estação Ecológica Tamoios. Primeiramente, isso já está previsto na legislação ambiental. Mas, neste caso parece que o Ministro não quer mais estes filhos bastardos e quer entregá-los rapidamente para a adoção. Para a iniciativa privada ou empresas públicas. Não tão somente as unidades de conservação acima mencionadas, pois vem insistindo na tecla que quer que as empresas adotem os Parques Nacionais, seus filhos não muito diletos. Todo mundo concorda com o fato de ser desejável que o setor privado participe mais ativamente na preservação da natureza, mas para isso existem as reservas particulares do patrimônio natural e toda doação ou apoio do setor privado para as unidades de conservação públicas será muito bem recebido. Porém não a sua pretensa “entrega para adoção”. Novamente porque não estudar ou conhecer o que aconteceu em outros países, como, por exemplo, no Chile, onde tentaram essa medida e até mesmo em um ou outro caso no Brasil e fracassaram?
Claro está que muitas das atividades podem ser terceirizadas como a recepção de visitantes, bares, lanchonetes, restaurantes, camping, coisas usuais em qualquer sistema de unidades de conservação bem implantado em qualquer continente. Pode-se até fazer co-gestão que algumas vezes apresentam certo resultado como, por exemplo, o caso do Parque Nacional do Grande Sertão Veredas em Minas Gerais e Bahia gerido em co gestão do Instituto Chico Mendes com a Funatura, ou o da Serra da Capivara, no Piauí, com a Fundação Museu do Homem Americano. O que não pode o Poder Público fazer é delegar responsabilidades que lhe são inerentes pelo alcance social de seus fins.
Esse governo parece não querer entender o que significa preservar a biodiversidade de um país, através de um sistema de unidades de conservação. Esta tem de ser uma responsabilidade governamental, pois se trata de um patrimônio da União, bem de uso comum do povo brasileiro, que exige segurança nacional, poder de polícia e muito conhecimento. A fauna silvestre pertence ao Estado, segundo reza nossa Constituição. Não se trata apenas de levar turistas para áreas bonitas. O assunto é muito mais sério, pois da preservação da biodiversidade dependem e vão depender sempre a agricultura, a indústria, a biomedicina, etc..
O MMA do Minc, ao invés de investir pesado na implantação das mais de 290 unidades de conservação no nível federal, fica esbanjando recursos humanos e financeiros em ações que não lhe dizem respeito. Porque não copiam, ao invés de querer reinventar a roda, o que outros países têm feito no seu sistema nacional de áreas protegidas aonde funcionam bem? Há muitos exemplos no mundo, quer seja em países ricos ou pobres. Porque o ministro não investe o dinheiro gasto com os bois no estabelecimento de um Centro de Treinamento para Guardas Parques e diretores de áreas protegidas, como o da Argentina, por exemplo, que já completou quase um século? Creio mesmo que as políticas públicas ora colocadas em pauta estão totalmente invertidas na ordem e que prejudicarão a biodiversidade que pretendem proteger.
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