Colunas

Construindo pontes na Amazônia

Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana trará obras para a interligação de transportes, energia e logística. Desafio é não replicar ocupação desastrosa da floresta.

9 de janeiro de 2009 · 16 anos atrás

Quase pronta: ponte sobre o Rio Tacutu, entre o Brasil e a Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)
Quase pronta: ponte sobre o Rio Tacutu, entre o Brasil e a Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)
Trecho de mata primária nos arredores de Lethem, na Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)
Trecho de mata primária nos arredores de Lethem, na Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)

Atrasei-me. Não resisti a uma parada na Serra Grande para fazer uma trilha no meio de uma mata primária, que me recepcionou com uma sinfonia de aves e macacos. Acabei por chegar na fronteira com a tarde a meio. Um bloqueio da Polícia Federal desviou-me da estrada principal e orientou-me a descer para embarcar em uma balsa. Assim, gastei mais 20 reais em uma travessia de pouco mais de 50 metros. Ao desembarcar, senti-me em outro mundo. Parecia que tinha voltado ao interior profundo do Quênia ou de Uganda. O caboclo brasileiro havia dado lugar a um negro retinto afro-guianense, o branco sumiu para ser substituído pelos indianos donos de pequenas lojas e restaurantes. Apenas o elemento nativo é comum às duas margens do rio.

Comum na pele e na etnia, mas não nos modos nem nos costumes. Do lado de lá, apesar da distância ínfima do Brasil, é difícil encontrar alguém que se comunique em Português. Quem está com um carro brasileiro tem que dirigir na mão inglesa e a decente infra-estrutura de Roraima desaparece por completo. É como se houvéssemos voltado 50 anos no tempo.

É precisamente aí que entra a IIRSA. Em ambos os lados da fronteira, os oficiais e soldados do 6o Batalhão de Engenharia de Construção labutam dia e noite para terminar a ponte sobre o Rio Tacutu ainda este ano. Querem entregá-la como presente de ano novo. Falta pouco, a estrutura sobre o rio já está pronta. Falta apenas concluir os acessos do lado de Lethem.

Uma vez concluída a ligação, fala-se que o Brasil financiará a pavimentação de cerca de 400 km até Georgetown, facilitando a vida dos guianenses, mas também abrindo uma saída estratégica até o mar para os estados do Amazonas e Roraima. Hoje, apenas um sexto da estrada está asfaltado e perde-se cerca de doze horas para percorrer os quase seiscentos quilômetros que ligam Lethem à capital do país.

Não é sem razão que o idioma consagrou a expressão “construir pontes” como uma metáfora para “fazer amigos”. Os guianenses estão radiantes com o regalo e já se fala de um incremento nas lojas e serviços de Georgetown para melhor atender às demandas do norte brasileiro. Com a integração econômica, inevitavelmente, terá início uma fase onde serão coordenados os instrumentos de gestão, tais como financeiros, de energia, de estratégia do desenvolvimento, educacionais e ambientais.

Ambientais, sim senhor. Pois se a ocupação indiscriminada da Amazônia brasileira tem sido desastrosa, ensejando a destruição da floresta, a poluição e a caça e pesca em escalas insustentáveis, impedir a marcha do progresso não passa de sonho bonito, mas pueril. Só conseguiremos salvar a floresta com políticas sérias de gestão do território, pensadas em escala ecossistêmica e que não parem em uma linha de fronteira arbitrariamente estabelecida de acordo com critérios políticos. Por outro lado, para gerir a natureza como ela deve ser – por ecossistemas – é importante ter instrumentos que sejam efetivos em ambos os lados das linhas que dividem as nações amazônicas. E uma política transfronteiriça efetiva só se constrói entre amigos que se confiam mutuamente.

Rio Tacutu, entre o Brasil e a Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)
Rio Tacutu, entre o Brasil e a Guiana. (Foto: Pedro Cunha e Menezes)

A criação de comitês bi-nacionais de gestão ambiental e de acordos de manejo de Unidades de Conservação transfronteiriças é um passo inevitável a ser tomado em conjunto com nossos vizinhos. Assim como a integridade do Rio da Prata depende da gestão que fizermos da bacia do Tietê-Paraná, nossos esforços para salvar a Amazônia precisam encontrar eco nos países limítrofes. Seja naqueles que controlam as cabeceiras dos rios andinos que formam o Solimões, seja naqueles que ligam a Amazônia ao mar caribenho. Esforços nesse sentido já estão sendo feitos.

No último Plano qüinqüenal das unidades de conservação brasileiras, o Ministério do Meio Ambiente previu o incremento dos acordos de gestão transfronteiriços. Recentemente, o Presidente Lula assinou um acordo com Nicholas Sarkozy, chefe de Estado francês, para que os parques de Tumucumaque e da Guiana Francesa comecem a dialogar em busca de objetivos comuns. É um começo que tende a se replicar no relacionamento do Brasil com as outras nove nações lindeiras.

Agora, temos que fazer a nossa parte, que é gerir a contento a parte brasileira do território. Afinal, seria um contra-senso cooperar tendo por base o modelo que resultou no descalabro atual.

Depois de caminhar cerca de duas horas pela margem guianense do Tacutu resolvi retornar ao Brasil. Tinha planejado jantar em Lethem, mas tive que voltar junto com o pôr-do-sol para não perder a última balsa. Acabei comendo em Bonfim, do lado brasileiro do cerrado Roraimense. A vila está literalmente ocupada pelos homens e máquinas do 6o batalhão de Engenharia que atende pelo pitoresco nome de batalhão Simon Bolívar, líder venezuelano que sonhou com a unificação da América. Não poderia ser mais apropriado.

Leia também

Fotografia
30 de dezembro de 2024

Galeria de fotos: o voo livre de 12 papagaios-de-peito-roxo

Projeto Voar realiza soltura de papagaios, vítimas do tráfico de animais silvestres, em Minas Gerais. Aves foram reabilitadas e serão monitoradas em vida livre

Reportagens
27 de dezembro de 2024

Poluição química de plásticos alcançou os mais antigos animais da Terra

Estudos identificaram que proteínas geradas nas próprias esponjas marinhas eliminam essas substâncias prejudiciais

Reportagens
26 de dezembro de 2024

2024 é o primeiro ano em que a temperatura média da Terra deve ultrapassar 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais

Acordo de Paris não está perdido, diz serviço climatológico europeu. Confira a galeria de imagens com os principais eventos extremos de 2024

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.