O governo Barack Obama criou tanta notícia bombástica nesses 100 dias, que ninguém se lembrou de verificar a quantas andam as hortaliças que a primeira-dama plantou em março nos jardins da Casa Branca.
O gesto pareceu estritamente simbólico, quando 25 alunos primários de uma escola pública de Washington foram convidados a um piquenique na residência oficial, e aprenderam a cavucar no Gramado Sul o canteiro de cento e poucos metros quadrados, para instalar a agricultura orgânica a poucos passos da mesa do presidente. Michelle Obama declarou, na ocasião, que pelo exemplo esperava ver as crianças convencerem suas famílias, que por sua vez mostrariam aos vizinhos, que de casa em casa ensanariam aos Estados Unidos as vantagens plantar o que se come.
Beterraba e rúcula
Mas, fora os efeitos educacionais de longo prazo, o canteiro da Casa Branca tem a intenção de a curto prazo produzir concretamente verduras para a família Obama. Foi feito a gosto dos freguesas. Seus planos incluem uma colméia, para fazer mel a domicílio. Não tem beterraba, para agradar o presidente. Tem rúcula, para agradar sua mulher. E muita pimenta vermelha, espinafre e manjericão, matérias em que o casal concorda.
Ao todo, serão 55 espécies de vegetais. Senão para já, pelo menos para breve. O milho plantado na virada da primavera americana, se tudo correr bem, deverá ter espigas maduras balançando ao vento em 4 de julho, no feriado da independência. Muito além dos 100 dias. E custou uma pechincha. Em sementes, seu preço não passou de 200 dólares. De quebra, é um santo remédio contra a notícia da febre suína.
Vistos do Brasil, à distância, esse projeto de horta se perde no pano de fundo quase folclórico da era Obama, em que os Estados Unidos estréiam um presidente como se reinventassem o país. O Brasil também passou por isso, anos atrás, quando tudo deu para acontecer pela primeira vez em sua história. Mas, aqui, o mais perto que se chegou do emprego em políticas públicas de um terreno privativo da residência presidencial foi o jardim de flores vermelhas, em forma de estrela, que dona Marisa encomendou em 2005. Marcava a ascensão do PT ao poder, no primeiro governo Lula. E não foi concebido para dar fruto, apesar de ser um produto típico da euforia que lançou o Fome Zero.
A diferenças entre o movimento que queria dar comida ao povo brasileiro e o que quer ensinar o povo americano a se alimentar se encaixam em pequenas, quase imperceptíveis mudanças de atitude que, aproveitando o embalo da crise econômica, reconhecem oficialmente que o mundo, daqui para a frente, nunca mais será o mesmo do ano passado. É a parte mais discreta dos 100 dias. Poucos se lembraram esta semana de que o novo governo americano aumentou substancialnente no orçamento a verba para conservação de trilhas e aquisição de reservas, simplesmente por ser esta uma das apostas mais baratas que pode fazer no futuro, ao abrir agora seus cofres a medidas urgentes de socorro à mão-de-obra que a recessão desempregou. Porque as crises um dia passam. E essas coisas ficam.
O canteiro de Michelle Obama na Casa Branca se enraiza nos “jardins da vitória” que a primeira-dama Eleanor Roosevelt plantou na Segunda Guerra Mundial. Adubados pelo fervor patriótico da mobilização, eles chegaram a suprir um terço do consumo doméstico americano, enquanto as tropas combatiam na Europa. Ou seja, essas hortas, quando pegam, vão longe.
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