A culpa foi do Marcos. Toda dele.
Quando ouvi falar pela primeira vez do site O Eco, logo que foi criado cinco anos atrás, naturalmente achei que era uma ótima idéia. Sabendo de quem vinha – Marcos Sá Corrêa, Miguel Milano e outros – eu sabia, de cara, que se tratava de conservação de verdade, e não de mais algum discurso meioambientólogo oportunista . É claro que eu sempre gosto de toda e qualquer iniciativa a favor da conservação da natureza. Não havia, então, como não simpatizar com O Eco. No entanto, paradoxalmente, minha relação com o site foi um tanto distante durante vários anos.
Hoje, no quinto aniversário do O Eco, fico pensando sobre as razões desse afastamento. Uma das razões certamente foi que – devo confessar – nunca me senti muito à vontade com essa tal de Internet. Quando eu nasci e cresci ainda não havia essas coisas. Oi? Não, não sou tão velho assim, mas essa é uma revolução bem recente. Eu só fui apresentado a este tal de correio eletrônico com vinte e oito anos, e só passei a usá-lo regularmente muito depois disso. Sou jurássico mesmo, não tenho orkut, nem blog, nem twitter, ou o que quer que seja. Não sou o único a me sentir assim, nem tenho certeza se todas essas coisas de fato melhoram a vida das pessoas (mas isso é outra história). Assim sendo, quando surgiu a perspectiva de escrever para um veículo apenas virtual, a idéia não me pareceu palpável (desculpe o trocadilho).
Além disso, claro, como diz um amigo meu, “meu prato estava cheio.” Ou seja, eu estava tão envolvido com o meio acadêmico que não via como poderia ainda assumir outra responsabilidade, a de contribuir regularmente para um site. Tinha muito medo de falhar, de não dar conta.
Ao mesmo tempo, mesmo fazendo pesquisa em biologia da conservação, e ensinando biologia da conservação, eu me sentia frustrado por não ver as coisas que eu fazia terem um efeito mais imediato, mais concreto, para a conservação em si.
As coisas poderiam ter ficado assim indefinidamente, se não fosse o Marcos.
O Marcos, claro, era aquele Marcos Sá Corrêa que um dia tinha me deixado horrorizado numa polêmica mesa redonda, diante de uma platéia quase só de jovens na UFRJ, ao abrir sua fala olhando nos olhos de cada um e dizendo “Eu tenho pena de vocês.” Pena não é propriamente a melhor coisa que se pode sentir por uma pessoa! Eu já estava procurando onde eram as saídas de emergência do auditório, quando ele prosseguiu: “Vocês não viram o mundo que eu vi.” Começou então a falar do mundo natural que ele tinha visto e aprendido a amar quando jovem, e que aqueles outros jovens dali não iam mais ter chance de ver, porque já tinha sido destruído, ou estava escorrendo por entre nossas mãos. Meu queixo caiu, e de debatedor virei parte de uma audiência hipnotizada.
Dá então para imaginar meu constrangimento quando ele me perguntou se eu lia sempre o O Eco, e eu disse que (naquela época) raramente o fazia. Ele respondeu “que pecado”, com uma cara de profundo desgosto, e me convidou para escrever para o site.
Ainda assim, as razões acima pesaram, e nessa época só contribuí com uma crônica avulsa para O Eco. Foi só mais de um ano depois, após uma segunda crônica avulsa – “Os ursos de R?c?d?u e a esperança”, que Marcos renovou seu convite, e aí ele já tinha me convencido da oportunidade que eu estava perdendo.
O que Marcos mal imaginava – ou talvez imaginasse – era o quanto eu sempre tive vontade de escrever, desde criança. Como era um sonho que alguém quisesse um dia ler o que eu queria escrever! E o meu sonho, mais que tudo, era escrever crônicas para um jornal ou coisa assim (bom, naquela época ainda não havia sites). Agora ele estava me dando a oportunidade de fazer exatamente isso – e logo escrevendo sobre as coisas que eu sempre gostei mais desde criança (além do Flamengo é claro): bichos, conservação…
Muito breve eu era talvez o mais orgulhoso dos colunistas do O Eco (ou pelo menos um dos mais orgulhosos). Continuei dando aulas e fazendo pesquisa na minha Universidade, mas comecei a dizer, para quem quisesse ouvir, que escrever essas crônicas era pelo menos tão importante para mim quanto as aulas e a pesquisa. Acho que devo ter me tornado também, eu receio, um dos colunistas mais reclamões e mais malas que já tiveram que ser aturados pelos editores de O Eco. Meu perfeccionismo atroz me levou a chiar e espernear longamente contra qualquer mínima alteração editorial nas minhas crônicas (na forma, claro, porque no conteúdo nunca houve). Se não fosse a imensa atenção, sensibilidade e paciência do Kiko Brito, eu acho que já teria sido mandado escrever na Conchinchina há muito tempo.
Mas tem sido um maravilhoso aprendizado. Aprendi que num site você vê imediatamente a resposta do público ao que você está escrevendo, e isso é fascinante (embora eu evite, por questões de tempo, me envolver em longas polêmicas através dos comentários). O Pedro da Cunha e Menezes nunca soube disso, mas o brevíssimo comentário (quatro palavras) que ele escreveu sobre “Os ursos de R?c?d?u” foi muito especial para mim, e decisivo para que eu me decidisse a dar esse passo que eu tinha vontade mas ainda um pouco de medo de dar. Depois disso, os comentários me surpreenderam um monte de vezes, quase sempre para bem, descobrindo preocupações e sensibilidades onde eu não imaginava que existissem. Nessa hora um conservacionista descobre uma das coisas mais gratificantes que existe: que não estamos sozinhos. Que há muitos como nós, que se importam com o que nós importamos, que amam o que nós amamos. E isso é a nossa força, uma força admirável num mundo de tantas forças tão pouco admiráveis. A força para fazer um mundo melhor, para todos os seres vivos desse pequeno e combalido planeta. Como cantou John Lennon, “Você pode dizer que eu sou um sonhador / mas eu não sou o único / um dia você vai se juntar a nós / e o mundo será como um só.” Em um site, mais que em qualquer outro veículo, você descobre os outros sonhadores.
Aprendi muito com meus colegas colunistas também, e uma coisa que aprendi com eles, começando pelo próprio Marcos Sá Corrêa, é que – por mais grave que seja nossa situação – conservação da natureza não precisa ser um assunto chato. Nós estamos nisso em grande parte porque amamos a natureza, porque gostar de bichos e plantas é parte (sufocada ou não) da própria natureza de cada um de nós. Além disso, compreender os processos naturais à nossa volta – seja os processos ecológicos, seja os evolutivos que deram origem a tudo isso – é um dos maiores prazeres intelectuais que uma pessoa pode ter. Acredito que a divulgação científica, seja sobre conservação, biologia da conservação ou o que quer que seja, só tem a ganhar ao valorizar a curiosidade, o encantamento da descoberta. O rigor da denúncia não precisa sufocar o deleite do entretenimento; conservação não se faz só com a razão, mas também com a emoção.
Muito ainda há a aprender, e muito ainda há a se fazer. A luta pela conservação só se intensifica, como uma escalada de forças. As agressões à natureza são muito antigas na história humana, mas nunca antes na história deste país, e desse planeta, foram tantas e tão poderosas como agora. Por outro lado, nunca antes se fez tanto pela natureza como hoje, e nunca antes houve tantas pessoas com o grau de consciência ambiental que vemos hoje. O Eco tem tido uma parte muito importante nesse último esforço, e eu sinto um imenso orgulho de ter sido uma pequena parte disso. Longa vida ao O Eco, às pessoas especiais que o tem feito, e aos ideais que ele representa.
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