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As árvores já bateram no Rio o recorde de 2016

Para plantar 24 milhões de mudas até as Olímpiadas seriam necessários 45 parques da Tijuca. Parece demais. E tudo o que é demais, neste país, acaba sendo de menos.

8 de outubro de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Se não for um treino de superfaturtamento para os jogos de 2016, a promessa de que o Comitê Olímpico Internacional plantará 24 milhões de árvores na cidade é a maior notícia ambiental do Rio de Janeiro desde 1565, quando Estácio de Sá inaugurou a guerra de quase cinco século entre os cariocas e a exuberância de sua paisagem.

Ali, uma das primeiras empreitadas civizatórias foi secar a lagoa que havia aos pés do morro Cara de Cão. Ela hoje só costuma ser recordada no melancólico epitáfio do padre José de Anchieta, que a dresceveu como “uma légua de água podre”.

Vinte e quatro milhões de árvores soam como um número prodigioso, que roça o incomensurável. E o incomensurável, em contas públicas, sempre cria problemas. O major Manuel Gomes Archer, no Segundo Reinado, levou 13 anos plantando 80 mil mudas nas encostas da Tijuca. Com elas – e mais 20 mil do barão Gastão d’Escragnolle – deixou no Alto da Boa Vista a mata que, até hoje, as autoridades municipais enchem a boca para chamar de “maior floresta do mundo”.

Maior do mundo é puro ufanismo. O que ela sempre foi, e continua sendo, é o maior feito da engenharia nacional para abater a dívida ruinosa que o Rio de Janeiro contraiu com sua natureza. E o déficit vem de longe. Em 1502, quando foi descoberta no réveillon pela tripulação de Duarte Coelho, a baía de Guanabara parecia pronta para sediar qualquer competição internacional de musculatura geológica irretocável.

De lá para cá, a baía perdeu 36 ilhas, 46 praias, 104 quilômetros quadrados de restingas e 160 de manguezais. As grandes lagoas que coalhavam o núcleo histórico da cidade viraram, na melhor das hipóteses, pequenos jardins ou grandes praças. Elas abrigam atualmente os muitos morros derrubados para aterrá-las, inclusive o do Castelo, que não devia ser tão ruim quanto se alegava no desmonte final, da décadade 1920, pois foi em cima dele que vingou efetivamente a ocupação colonial.

Com base nessa vasta experiência de desinvestimento em seu patrimônio natural, o Rio de Janeiro acaba de ganhar a maratona de 2016, sacando mais numa vez de um dote de belezas naturais, que só por excesso de fartura não foi ainda exaurido. Nem a Floresta Nacional do major Archer escapou incólume ao avanço da cidade. Acabou sitiada por favelas, que governo nenhum levanta o dedo para conter.

Na década de 1990, sumiram nas águas turvas da Guanabara 700 milhões de dólares de um programa de despoluição que poluiu mais a política carioca do que limpou a baía. Durante mais de uma década, depositaram-se num lodo habituado a engolir chumbo, cádmio e mercúrio. São os metais pesados dos financiamentos a fundo perdido.

De repente voltam à tona, com olímpica animação, projetos que deveriam estar concluídos há anos, inclusive porque foram inaugurados por mais de um governo. Fala-se outra em dragar canais assoreados por lixo tóxico, filtrar rios cuja vida vem do esgoto in natura ou recompor matas ciliares, em lugar tradicionalmente reservado a barracos e carcaças de automóveis. Tudo tão auspicioso que vale a pena ouvir de novo. Mas nenhum tem o ineditismo e a escala dos 24 milhões de árvores.

Se forem plantadas a sério, com o devido espaço entre as mudas, elas ocupariam no mínimo 144 mil hectares. Cobririam 45 parques nacionais como o da Tijuca. Mas, infelizmente, não caberiam no município, por mais verde que ele queira ser daqui para a frente, ou mesmo que tenha sido no passado distante. Parece árvore demais. E tudo o que é demais, neste país, acaba sendo de menos.

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