Outro dia, num desses debates sobre sustentabilidade, mudança climática e outros grandes assuntos planetários, o jornalista André Trigueiro contou ao auditório que um dos programas de maior audiência, na série sobre meio ambiente que faz para a TV, falava do Minhocasa.
Minho o quê? Ali, na hora, ninguém precisou perguntar, porque Trigueiro, imediatamente, explicou que se tratava do projeto de “uma meninada de Brasília”. Brasília, como se sabe, não tem só político. O Minhosaca se materializa na vida dos interessados como um conjunto de três caixas de plástico e uma só tampa, mais um garfo de jardinagem, um saco de húmus e outro de minhocas.
Na prática, é um biodigestor de lixo doméstico. Não só o lixo orgânico, como até o papel que sobra depois de se ler o jornal ou limpar a boca no guardanapo descartável. Vale também alimentá-lo com a poeira varrida do chão. Os restos de cabelo cortado. Quase tudo. Bota-se a porcariada na caixa. E, lá dentro, as minhocas se encarregam de transformar tudo num xarope fértil e inodoro, que serve para vitaminar os vasos e o jardim.
Não poderia ser mais simples, limpo, barato e prático. Mas o Minhocasa não entrou aqui por ser novidade. Eu, por exemplo, tenho um desses em casa faz tempo. Ele veio ao caso pelo desejo de voltar à terra firme, depois que decolou no governo Lula a proposta de levar à conferência do clima em Copenhagem o compromisso de reduzir em 80% os índices nacionais de desmatamento. Ou congelar os danos ambientais em 20%, embora faltem até agora, segundo o Tribunal de Contas da União, uns 100% de providências institucionais para o país cumprir ao pé da letra seja lá o que for na Amazônia. E lá, por ser o último a sobrar, é o primeiro lugar para onde se olha no Brasil, na hora de medir desflorestamento.
Oitenta por cento é um número que os brasileiros já ouviram antes. Ele corresponde, por coincidência, à percentagem de reservas legais nas propriedades rurais da Amazônia, onde nunca foi levado a sério. Se os velhos 80% tivessem vingado, pelo menos na Amazônia dificilmente o governo estaria inventando os novos 80%.
Trocada em miúdos, essa é uma boa notícia. Mas as boas notícias oficiais parecem ultimamente grandes demais para caber em nossas expectativas. Enquanto as minhocas, trabalhando em silêncio, sugerem que o futuro pode estar mais à mão do que se pensa. Ou, semanas atrás, a revista New Yorker não teria dado seis páginas à história da escritora Susan Orlean, futura biógrafa do Rin Tin Tin, e as galinhas que ela está criando em casa, num esquema que lembra o Minhocasa.
O kit de Orlean foi comprado via internet. Seu galinheiro é um legítimo Eglu, da marca Omelet. Lavável, portátil e de plástico. No gênero, a última palavra em design europeu. As matrizes chegaram pelo correio, cacarejando na embalagem.
Além de ovos no terreiro, ela agora tem o prazer de dividir o jardim com a criação ciscando na relva. Com esse modesto investimento, ingressou numa vasta confraria, que consome revistas especializadas como Backyard Poultry – ou seja, Aves de Quintal. Conheceu um ativista que está em campanha para convencer o presidente Barack Obama a criar galinhas nos parques da Casa Branca, como um exemplo nacional a seguir. E constatou que, na beira do abismo, as pessoas tendem a dar um pequeno passo para trás.
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