A melhor fantasia deste carnaval foi, com sombras de dúvida, a da Eletronorte. Ela saiu de Árvore do Apagão. Guarnecida com os mais preciosos penduricalhos técnicos. Costurada com fios de alta tensão. Cintilando com as luzes que piscaram em dez estados para anunciar sua chegada, do Norte ao Centro-Oeste. Um luxo só.
Foi tempo em que o máximo de Blecaute com que se podia contar no Carnaval era o cantor Otávio Henrique de Oliveira, o de “Chegou o General da Banda, ê, ê”. Agora temos para nos embalar a festa um enredo muito mais imaginoso – o do galho que atravessou o caminho da rede elétrica entre Colinas e Miracema, no Tocantins, conjurando forças ocultas a desligar em série três linhões e engolir 3.600 megawatts no Nordeste, “ê, ê”.
Quem não entendeu muito bem a explicação da empresa só pode estar se embriagando demais com firulas técnicas. Nem os engenheiros eletricistas e outros especialistas na matéria levaram a sério a conversa da Eletronorte. Alegaram que as linhas de transmissão geralmente correm sobre um vasto leito de devastação proposital e sistemática. Logo, se havia árvore sob as torres do Tocantins, o problema não seria o galho sabotador, e sim o descuido das rotinas de manutenção.
Daí para insinuar que há qualquer coisa bruxuleando no sistema que gerou a fama da administradora Dilma Rousseff no ministério das Minas e Energia, e agora alimenta sua candidatura à presidência da República, era um pulo. Mas no Carnaval só se pula por bons motivos. A hora é de reconhecer que a história da Eletronorte acertou em cheio no quesito alegoria. Culpar a árvore foi um achado sociológico.
As árvores, no Brasil, são as suspeitas de sempre, como diria o capitão Louis Renault, se isto aqui fosse Casablanca. O país está sempre pronto a acreditar que as árvores. mais cedo ou mais tarde, vão lhe aprontar alguma, quebrando calçadas, sujando jardins com folhas mortas, manchando de flores a pintura dos carros e, claro, caindo nos fios para provocar pequenos apagões – porque os grandes só as operadoras do sistema sabem fazer.
A má-vontade é tanta, tamanha e tão basta que o brasileiro típico “quase não sabe os nomes das árvores, das palmeiras, das plantas nativas da região em que vive”, segundo o sociólogo Gilberto Freyre, como sempre traduzindo as excentricidades nacionais para o melhor português possível. Certa vez, lá vão quase 90 anos, ele comparou os alarmes contra o desmatamento a “gritos carnavalescos”, que se ouvem como convites a não fazer nada.
A nota da Eletronorte, como um todo samba-enredo que se preza, enrolou-se num mito popular e consagrado, desde que os primeiros povoadores acreditavam que atrás de cada tronco havia índios para atacar suas aldeias, feras para comer seu gado ou doenças tropicais para derrubá-los definitivamente nas redes em que seriam enterrados.
Os europeus que vieram ao Brasil no século XIX estranharam a deliberada aridez das cidades brasileiras, com a selva dando sopa tão perto de seus subúrbios. O sol batia em cheio sobre suas ruas sem calçamento, porque à sombra de toda copa haveria perigos inomináveis. Por essas e outras, “limpar” ainda é o nome que se dá no país a qualquer obra de motosserra. E tudo indica que é o que, passado o carnaval, vai acontecer no Tocantins.
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