Setembro é um mês repleto de datas ambientais festivas. São pelo menos oito delas, a gosto do freguês. Temos o dia do Biólogo, o dia da Amazônia, o dia do Cerrado, o dia Internacional de Proteção à Camada de Ozônio, o dia Mundial de Limpeza de Praias, o dia da Árvore, o dia de Defesa da Fauna, o dia Mundial sem Carro… Uma beleza! Me parece que temos apenas um dia por ano para cuidar da Fauna, do Cerrado, da Amazônia ou das Praias.
Quem dera que esta linda coleção de dadas comemorativas (?), trouxessem mudanças reais de atitudes por parte da sociedade. No entanto, essas datas são tão relevantes para o povo brasileiro quanto é o dia de São Ambrósio. Apenas enchem o calendário de datas comemorativas inócuas e invisíveis. É o caso do dia do Cerrado…
Tentar encontrar algo relevante no meio do festival de bobagens midiáticas, comuns nestas datas, é como tentar enxugar gelo. Vejo com desdém os manjados plantios de mudinhas por crianças (geralmente de espécies frutíferas exóticas) e os patéticos abraços às árvores, e me divirto com os protestos tragicômicos, como o movimento pela igualdade climática (só falta aparecer um protesto contra a deriva continental).
Mas nas instituições governamentais, é uma correria só. Um secretário quer divulgar com urgência uma novidade qualquer, ministros tentam sacar alguma unidade de conservação do vácuo político (de preferência de uma categoria inócua, como uma Resex ou uma APA), um diretor quer aparecer bem na foto, outros aproveitam para fazer cartazes, camisetas, adesivos e fica por isso mesmo. O importante não parece ser mostrar serviço, mas aparecer. Parodiando Raul Seixas, é muita estrela para pouca conservação.
“Tentar encontrar algo relevante no meio do festival de bobagens midiáticas, comuns nestas datas, é como tentar enxugar gelo. Vejo com desdém os manjados plantios de mudinhas por crianças.” |
Pessoalmente, não vejo motivos para comemorar, especialmente neste 11 de Setembro, uma data que deveria trazer reflexões, ações e parcerias pelo Cerrado. No entanto, nada de duradouro e palpável surge. Ligo minha TV e vejo que o país está vivendo o carnaval eleitoral. Vejo as instituições publicas do País em tanatose, aguardando a inevitável dança das cadeiras, onde o mais recomendável é ficar quieto, chamar pouca atenção e rezar para continuar com os indefectíveis cargos comissionados, que mantém fiéis os diversos “gestores” agarrados às suas pequeninas ilhas de poder, da mesma forma que as cracas se agarram ao leito rochoso marinho.
Enquanto a galeria de aberrações com pretensões políticas continua assombrando o nosso futuro, percebo sombras negras no horizonte. Tais sombras não são apenas figuras de linguagem. São produto da fumaça que se eleva sobre a Estação Ecológica de Águas Emendadas, uma das principais unidades de conservação do Distrito Federal, que observo da varanda de minha casa. O Cerrado está em chamas, de uma forma que havia anos não acontecia.
O Parque Nacional das Emas, patrimônio natural da humanidade, teve mais de 90% dos seus 132 mil hectares queimados em apenas quatro dias. O Parque Nacional da Serra da Canastra também está em chamas. O Parque Nacional de Brasília queimou este ano. De novo. As noticias são muitas. Mais de 300 focos no Mato Grosso, fogo no Piauí, no Maranhão, no Tocantins. Fogo ao longo da Cadeia do Espinhaço. Vestígios de incêndios criminosos foram detectados. Carcaças chamuscadas de animais, e por aí vai…
Garras de fogo correm pelo Cerrado. Rasgam os últimos remanescentes naturais de um patrimônio natural único no mundo e quase exclusivamente brasileiro, mas que a Nação pouco faz pela sua conservação. No entanto, o fogo em si é um dos menores problemas que o Cerrado enfrenta, especialmente quando conhecemos o seu histórico ao longo da evolução do bioma. A queima descontrolada nas unidades de conservação pode até ser resultado de uma opção equivocada dos órgãos gestores quanto ao manejo do fogo. A grande questão é que o fogo mostra como se dá o avanço da ocupação descontrolada sobre as fronteiras naturais do Brasil.
Além do fogo, existem outras ameaças muito mais graves. Resta pouco do Cerrado e os remanescentes estão pulverizados em sua grande extensão geográfica. Existe menos de 50% da extensão original do Bioma. Quando imaginamos isso, vem à mente a idéia de uma metade ocupada e outra não. Este seria um caso aproximado, caso a substituição da vegetação nativa por outras paisagens fosse feita de forma ordenada e espacialmente localizada. Embora longe do ideal, ainda existiria uma vasta região de vegetação nativa de Cerrado. No outro extremo, a forma na qual a ocupação do Cerrado vem sendo feita está longe de ser ordenada. Esta ocupação ocorre muito mais por interesses econômicos de curto prazo, onde a vegetação nativa é um problema a ser eliminado. Os poucos pedaços existentes no Cerrado estão sendo removidos por uma turba esganada e mal educada, que cresce os olhos até sobre os locais onde existem ecossistemas frágeis, essenciais para a manutenção de serviços ambientais de relevância social, como encostas, mananciais, matas ripárias, veredas e ecossistemas lacustres.
O avanço sobre os recursos do Cerrado ocorrem em diferentes escalas de grandeza, incluindo deste a fauna que vai parar na panela dos caçadores e pescadores, até em grandes escalas geográficas, onde vastos espaços naturais são consumidos pela sanha do agronegócio nacional, que se gaba de produzir o grão mais barato do mundo (sem levar em conta, é claro, o custo da água, o custo da erosão, o custo da biodiversidade). Grandes nacos também são afogados em projetos hidrelétricos com objetivos e sustentabilidade questionáveis.
O que esperamos com o dia do Cerrado? Estou pagando para ver. O que estamos aprendendo com a política? Que os fatos são menos relevantes que as versões, incluindo o tratamento dado aos pareceres técnicos produzidos por pesquisadores altamente qualificados. O que aprendemos com a observação do comportamento da sociedade? Que não existe educação social e de qualidade que permita o entendimento do delicado momento histórico que estamos vivendo e da conseqüência futura das escolhas que fazemos agora. Que São Ambrósio salve o Cerrado…
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