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Os benefícios da discussão sobre o Código Florestal

O debate pode até não abrir a cabeça dos ruralistas, mas ajuda ao nosso povo a entender a importância se preservar algo para ter um futuro adequado

13 de maio de 2011 · 14 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Não obstante toda a enorme confusão e os perigos decorrentes da aprovação de um Código Florestal muito mais maleável e permissivo que o de 1965, eu estou vendo enormes vantagens na atual discussão do Projeto de Lei, cujo relator é o teimoso e, a meu ver, inconsequente deputado Aldo Rabelo.

Nenhuma outra legislação ambiental provocou tamanha repercussão no Brasil. O assunto Código Florestal está todos os dias em todos os principais jornais do país e, ainda, nas televisões, internet, em seminários, conferências e até mesmo em bate papos de bares, em consultórios médicos, de dentistas e em toda a gama de locais.

Muitos vídeos didáticos foram magnificamente produzidos por organizações não governamentais e entre eles o que conheço e mais gosto é o da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. Matérias extremamente didáticas sobre os pontos chaves das mudanças propostas por ruralistas e seus asseclas e defendidas por vários partidos políticos e Ministros de Estado estão disponíveis para o fácil entendimento de quem as lê, como por exemplo, matéria aqui em O Eco, que é intrigante sob o aspecto educacional.

Toda essa repercussão conscientiza e educa pessoas sobre os aspectos tão relevantes do Código Florestal, aspectos estes dos quais vai depender uma melhor qualidade de vida para os jovens e seus descendentes.

Parece mesmo que a grande maioria da população está se conscientizando sobre a importância de se manter as Áreas de Preservação Permanente, as APPs em matas ciliares e nas nascentes, as Reservas Legais, os topos de morros, os mangues, as restingas e as dunas. Parece até que a maioria já está entendendo que os grandes desastres do Rio de Janeiro em Teresópolis e Nova Friburgo, bem como o anterior em Santa Catarina em 2008 foram tão grandes pela falta do cumprimento do disposto no nosso magnífico Código Florestal em vigor.

“Parece mesmo que a grande maioria da população está se conscientizando sobre a importância de se manter as Áreas de Preservação Permanente, as APPs em matas ciliares e nas nascentes, as Reservas Legais, os topos de morros, os mangues, as restingas e as dunas.”

Claro está que só as leis não funcionam se não forem obedecidas. Por isso mesmo ninguém lutava contra o Código Florestal de 1965, até o momento em que se começou a exigir sua aplicação em alguns locais do Brasil. Aí ele virou o inimigo do agrobusiness no país. Como se a agricultura que consome 70% da água disponível não precisasse de APPs em nascentes e margens de rios para a produção hídrica.

Muitas fábricas estão também a ponto de fechar ou de ter de se mudar. Até fábricas de celulose e papel no sudeste do país, por absoluta falta de água. Ainda é já preocupante a falta de água em Paulínia e isso para a obtenção de combustíveis fósseis. Como vão se virar grandes áreas do Brasil e grandes indústrias sem água?

As discussões do Código Florestal, principalmente daqueles interessados em execrá-lo, são muitas vezes até pueris colocando muitos argumentos bem fajutos, que a nossa SBPC já respondeu à altura, bem como outras instituições científicas tão sérias quanto a mesma. Quiçá o mais deprimente é que se apresenta o ponto de vista dos ambientalistas como se eles fossem ganhar algo com a preservação da vida, dos bens e do futuro dos brasileiros. Não é uma questão de ambientalistas contra ruralistas. É a defesa do bem comum e do bem-estar de todos contra a falta de senso comum. Não é nada contra os agricultores.

O que tenho visto pouco ressaltado é que mata se regenera quase que sozinha, em locais onde há umidade suficiente, onde não se queima anualmente e onde não haja pastoreio. Assim, a recomposição de matas ciliares ou das Reservas Legais, pode custar muito pouco ou quase nada ao setor do agrobusiness, aos ruralistas, para que produzam soja barata para exportar ou cana, em terras de primeira qualidade para o tal do biocombustível. Além do mais as Reservas Legais podem ter benefícios econômicos diretos, só não podem ter corte raso, bem como nas encostas dos morros.

Os argumentos falaciosos são muito bem percebidos por quem é do ramo, mas o que mais impressiona é que os mesmos argumentos são também rebatidos por pessoas que não são da área, como os que eu ouvi ontem de um médico.

Esse benefício da grande e ampla discussão pode não estar abrindo a cabeça dos nossos deputados que vão obviamente favorecer os grandes setores produtivos, em sua grande maioria, mas está ensinando ao nosso povo a importância de se preservar algo para ter um futuro adequado, pelo menos com água, com menos inundações e desabamentos, com menos mortes, com mais qualidade de vida ou com mais vida.

 

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