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Do conhecimento à ação – um longo caminho a percorrer

Estreitar a distância entre saber, e saber e fazer, esse talvez seja nosso maior desafio. Basta querer. Precisamos é aprender a querer.

28 de junho de 2011 · 13 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Em entrevista recente, Eduardo Galeano diz estar pulsando um novo nascimento na Mãe Terra, e que devemos nos ater aos sinais de uma era que se inicia. Sara Mariott, pessoa altamente espiritualizada que viveu muitos anos no Brasil, usava a mesma metáfora e enfatizava que não devemos dar atenção às dores do parto, que seriam muitas, e sim colocarmos foco intenso na celebração do nascimento que está por vir. Ambos acreditam que o ciclo do planeta, com a vida como a conhecemos hoje está por se findar.

Mudanças ocorrem e fazem parte dos ciclos evolutivos. Mas, a grande diferença dos processos naturais que transformam, e nos rendem a vida que herdamos no planeta, é que agora as transformações estão sendo causadas pela espécie que se diz a mais inteligente da Terra: a nossa. Há conhecimentos disponíveis para quem os quer, temos meios de nos comunicarmos num flash de segundo com o mundo todo, mas nos falta uma real vontade de mudar. Demoramos a mudar – há um descompasso entre nossa forma de viver e os conhecimentos que temos. Nossos comportamentos não refletem valores centrados na coletividade, no bem comum e na harmonia. Antigos hábitos predominam por comodismo, egoísmo ou qualquer outro ismo.  Não queremos perceber que nossos atos geram consequências. Pensamos velho, ou até pensamos novo, mas agimos velho.

Consumimos cada vez mais, desperdiçamos recursos naturais e exploramos irresponsavelmente a natureza e, muitas vezes, o próprio ser humano. Recentemente, Miriam Leitão, em seu programa Espaço Aberto na Globo News (23/06/2011), entrevistou o jornalista Marques Casara e a diretora de sustentabilidade do Instituto Aço Brasil, Cristina Yuan, e deflagraram a situação das carvoarias no norte do Brasil, mais especificamente no Pará. Além de destruírem florestas a preços vis, escravizam pessoas de forma inconcebível e inimaginável para o brasileiro que vive no restante do pais. São verdades que não se quer ver. Mas, novamente o conhecimento sobre questões como esta existe ao alcance de quem o quiser, só que nada tem sido feito e as barbaridades continuam (mesmo os centros urbanos, onde a maioria da população habita, concentram realidades “invisíveis” por serem incômodas). O mesmo descompasso entre saber e fazer ocorre com a água que escasseia, as espécies que se encontram ameaçadas e o lixo e a poluição que geramos. Desrespeitamos a vida de forma irresponsável, inconsequente, pouco inteligente (para não chamar de burra por respeito ao animal), e agora tudo indica que os danos são irreparáveis. Nossa própria sobrevivência está em jogo, mas nem assim as mudanças ocorrem no ritmo que deveriam para termos chance de reverter o quadro nefasto de destruição que se instalou no planeta.

Nossos pensamentos são de curto prazo, com interesses antropocêntricos e visões destorcidas. Isso porque nos recusamos a assumir responsabilidades sobre as escolhas que fazemos. Só que agora o planeta reage e nos devolve os maus tratos que vem recebendo há milênios, com uma série de catástrofes naturais que nos estarrecem. Esquecemos que tudo tem conseqüência, que tudo pulsa, que tudo é ritmado. O que vai, volta.

Com o aquecimento global, os efeitos de nossos atos têm sido cada vez mais rápidos. Muitos ainda preferem não ver, e se recusam a relacionar as conseqüências com as verdadeiras causas. Por exemplo, os deslizamentos de terras, maiores e mais freqüentes, raramente são compreendidos como resultantes do desmatamento. Não se propaga o papel das árvores que, além de acolherem uma infinidade de formas de vida, seguram a terra, protegem o solo e asseguram a manutenção da água em boa qualidade e quantidade. Agora, apenas com a possibilidade do nosso Código Florestal se desmantelar, a devastação já foi recorde e promete aumentar após a aprovação das novas leis. Com respaldo legal a destruição levará o Brasil posição de líder em destruição do seu patrimônio natural. Isso em uma época em que o conhecimento prolifera!

Mas, quem será punido e responsabilizado quando mais desastres naturais e mortes ocorrerem? Quando os rios assorearem e a água secar? Quando as espécies se extinguirem? Quando os elementos da natureza que renovam nossas farmácias e opções alimentares desaparecerem?

Novamente citando Galeano: “Somos o que fazemos, mas somos principalmente o que fazemos para mudar o que somos”. É esta vontade de mudança que nos falta.

Afortunadamente, há movimentos em favor da vida e não são poucos. A Carta da Terra, por exemplo, produzida durante a Rio-92, é um novo olhar de justiça, solidariedade e amor que pulsa no coração de quem descobre essa nova forma de ver o mundo. Muitos a estão adotando e fazem parte do nascimento de uma nova era. Mas, a maioria das pessoas permanece na retórica – não adota os princípios que este e tantos outros textos trazem. Isso porque, segundo Bronislaw Geremek, em documento produzido pela UNESCO que pretende revolucionar a educação, por ser um caminho considerado indispensável às mudanças desejadas (Educação – um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI), há um desgaste devido a expectativas frustradas:
 

O século XX termina com esta evidência um pouco amargo: as esperanças surgidas em 1990 foram vãs, e o notável progresso tecnológico e científico que assinalou este século não trouxe mais equilíbrio entre o homem e a natureza, nem mais harmonia entre os homens.
Com base nessa premissa e em análises minuciosas de questões atuais, como aumento populacional, concentração de riquezas, escassez de recursos naturais, entre outros, uma nova concepção de educação foi proposta no documento. A educação terá que sair de um processo onde predomina o mero repasse de conhecimentos, para um que se sustente em quatro pilares:
  1. Aprender a conhecer, pois constata-se que o ser humano não sabe buscar os conhecimentos, ou seja, precisa aprender a aprender para beneficiar-se das oportunidades que surgem ao longo de sua vida;
  2. Aprender a fazer, de modo que as competências que adquire sejam úteis para o enfrentamento dos desafios que a vida traz, favorecendo trabalhos em equipe, pois o isolamento não se adéqua às situações complexas comuns na atualidade;
  3. Aprender a viver juntos, exercitando a empatia e percebendo o mundo pelo olhar do outro, inclusive para valorizar a interdependência da vida como um todo;
  4. Aprender a ser, pois a inteireza é indispensável para que cada um se torne apto “a agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal”.

Este documento é uma pequena amostra do que se tem buscado para um mundo mais equilibrado. Novamente, se pode chamar a atenção para o fato de que foi produzido em 1996, mas sua implementação pode ainda estar por se materializar.

Muitos outros autores introduzem pensamentos nos quais a ética prevalece, demonstrando sintonia com caminhos que anseiam por mudanças. Alguns autores que cito a seguir já parecem estar dando a luz a essa nova concepção de vida. Que eles nos inspirem a buscarmos dentro de nós a luz geradora de mudanças que valham a pena. Pois, para haver uma transformação significativa será necessário que muitos de nós entrem nessa onda…

Carlos Brandão, por exemplo, considera a sustentabilidade fundamental e descreve o conceito de maneira poética:

…opõe-se a tudo o que sugere desequilíbrio, competição, conflito, ganância, individualismo, domínio, destruição, expropriação e conquistas materiais indevidas e desequilibradas, em termos de mudanças e transformação da sociedade ou do ambiente. Assim, em seu sentido mais generoso e amplo, a sustentabilidade significa uma nova maneira igualitária, livre, justa, inclusiva e solidária de as pessoas se unirem para construírem os seus mundos de vida social, ao mesmo tempo em que lidam, manejam ou transformam sustentavelmente os ambientes naturais onde vivem e de que dependem para viver e conviver.                   
     
Moacir Gadotti busca uma visão com base em valores que descreve da seguinte forma: “A cidadania planetária remete a um olhar solidário, generoso, amoroso, de celebração das diferenças e da diversidade, que exige cuidado e amor a todas as espécies vivas e a toda a humanidade”.

Leonardo Boff se preocupa com o cuidar do planeta e dedica um livro inteiro a esta concepção (Saber Cuidar), descrevendo como se dá a interconexão da vida:

Quando dizemos ser-no-mundo não expressamos uma determinação geográfica como estar na natureza, junto com plantas, animais e outros seres humanos. Isso pode estar incluído, mas a compreensão de ser-no-mundo é algo mais abrangente. Significa uma forma de existir e de co-existir, de estar presente, de navegar pela realidade e de relacionar-se com todas as coisas do mundo.
A inquietude que se presencia na atualidade e a busca por novos caminhos podem ser o pulsar desse nascimento previsto por Eduardo Galeano, Sara Mariott e por tantos outros visionários. Que bom que essas pessoas existem!

O importante é nos darmos conta de que conhecimento e princípios estão aí para quem os quiser. Precisamos estreitar a distância entre saber e fazer — esse talvez seja nosso maior desafio neste momento. Mas, basta querer! Precisamos é aprender a querer!

 

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