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Código Florestal: Relatório de Viana desperdiça boa ideia

Nova proposta acerta ao incluir incentivos econômicos de conservação, mas eles não irão funcionar em um ambiente de regras frouxas

6 de dezembro de 2011 · 13 anos atrás
Projeto Oásis Apucarana. Foto: Fundação Grupo Boticário / Divulgação.

O avanço do Relatório do Senador Jorge Viana está na explicitação de incentivos econômicos para a conservação florestal, incluindo a exploração de produtos florestais. Mas, do ponto de vista econômico, a pergunta é saber se esses instrumentos são compatíveis com a flexibilização do desmatamento, conforme aprovado pelo Senado. Infelizmente a resposta é não. A proposta de Código Florestal aprovada pelo Senado é melhor do que a aberração que saiu da Câmara dos Deputados, mas as mudanças introduzidas são ainda insuficientes para garantir o futuro das florestas brasileiras.

As contradições jurídicas e éticas da proposta do Senado mostram que, especialmente, precisam ser revistos a eliminação da data limite de 22 de julho de 2008 como linha de base para aceitação de desmatamentos antigos, e impedir que ocorra um perdão generalizado para os desmatamentos e excessiva flexibilização no atendimento de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais. Uma boa síntese dos problemas que persistem estão apresentados na entrevista de Tasso Azevedo para Miriam Leitão (Globonews Espaço Aberto) e no artigo de José Eli da Veiga no Valor Econômico.

Incentivos Econômicos

“A origem do equívoco é supor que os instrumentos econômicos para a gestão ambiental são substitutos dos mecanismos de comando e controle”

Os incentivos econômicos ajudam desde que seja atendido o Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) e garantida devida fiscalização, e a possibilidade de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs). Segundo o Relatório, as fontes de financiamento para os pagamentos por serviços ambientais incluem recursos diretos a serem cobrados pela exploração de recursos naturais, como: a cobrança pelo uso e distribuição da água, geração e transmissão de energia hidrelétrica, isenções fiscais e comercialização de créditos de carbono e de créditos de compensação, recuperação ou reposição de Reserva Legal e Áreas de Proteção Permanente.

A origem do equívoco é supor que os instrumentos econômicos para a gestão ambiental são substitutos dos mecanismos de comando e controle, quando na verdade são complementares. Em outras palavras, os instrumentos econômicos são eficientes para flexibilizar o atendimento das normas ambientais, mas não podem ser efetivos se essas normas são descumpridas, por falta de fiscalização ou punição para quem não as respeita. A literatura sobre o assunto é clara em apontar que um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais só irá funcionar se houver:

    • Recursos financeiros para induzir a reposição florestal em propriedades privadas,
    • Penalização para quem não esteja disposto a cumpri-las.

Nos termos aprovados pela plenária do Senado, não há razão para crer que nenhuma das condições será atendida.

Cortes do orçamento ambiental

Em primeiro lugar, como apontei em minha última coluna, é nítido a queda de orçamento federal para a área ambiental. Assim, o aumento de necessidades de gasto público implícito na proposta – para fiscalização e pagamento a proprietários rurais para a conservação florestal – exigiria uma reversão do declínio orçamentário do gasto ambiental em uma dimensão que certamente não seria aceita pelo Executivo Federal, que nitidamente desconsidera a agenda verde como prioritária.

“Basta redirecionar o atual subsídio do crédito rural de modo a que apenas os proprietários com práticas adequadas recebam o incentivo”

O mesmo tipo de problema ocorrerá com as isenções tributárias previstas: a Receita Federal é clara em rejeitar o aumento de subsídios fiscais, aceitando apenas que parte dos subsídios já existentes seja redirecionada para novos fins. Isso é tecnicamente possível, como argumenta o ex-Ministro do Meio Ambiente José Carlos Carvalho: basta redirecionar o atual subsídio do crédito rural de modo a que apenas os proprietários com práticas adequadas recebam o incentivo, como aliás já é estabelecido por resolução (não cumprida) do Conselho Monetário Nacional. Mas é pouco provável que Kátia Abreu, Aldo Rebello e o resto do lobby ruralista que domina o Congresso Nacional aceite a idéia de limitar o principal subsídio do setor a apenas os que protegem as florestas, ainda que o volume de recursos total não diminua.

Pagamento por serviços Ambientais

O outro caminho apontado é o da destinação de parte da cobrança de utilidades públicas para financiar os proprietários que conservem florestas. Contudo, a resistência dos potenciais pagadores da conta deverá ser também grande.

O setor elétrico é a menina dos olhos da Presidente Dilma, e em um contexto de desaceleração econômica, os Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia reagirão contrariamente ao aumento dos custos da eletricidade, mesmo que o argumento seja correto – o setor tem que pagar pelas externalidades que gera. Idem caso o alvo seja os royalties do pré-sal, cuja disputa pela partilha é feroz muito antes de se concretizarem.

Um caminho mais fácil para conseguir os recursos necessários para pagar pelos serviços ambientais das florestas privadas é pela efetivação da cobrança pelo uso da água, conforme prevê a Lei 9433/1997. Experiências piloto implementadas por programas como o Projeto Oásis, Mina D´Água e Produtores de Água, que já pagam pela conservação florestal em propriedades rurais, têm resultados positivos.

Acompanhe a votação ao vivo do texto de Jorge Viana no plenário do Senado

Contudo, para que essa prática ganhe a escala necessária para implementação nacional, é preciso que o maior consumidor de água esteja disposto a pagar por isso. E adivinha quem é esse consumidor? O próprio setor agropecuário, que insiste no lema de que “não vamos pagar nada”. Se a cobrança pelo uso da água continuar restrito aos consumidores industriais e urbanos, o alcance dos incentivos ao reflorestamento vai ficar restrito a um conjunto limitado de bacias hidrográficas próximas às principais cidades, pois os recursos da cobrança devem ser alocados pelos próprios comitês de bacia, deixando a grande maioria dos estabelecimentos agropecuários de fora.

Fraqueza dos mecanismos

Resta, por fim, os mecanismos de créditos transacionáveis, de carbono ou de reposição de reserva legal. Porém, os mercados que comercializam esses créditos são caracterizados por uma fortíssima dependência da cobrança governamental: não se trata de um mercado de mercadorias convencionais, mas sim da flexibilização no atendimento de uma norma legal. Ninguém demanda um crédito de carbono por si mesmo, a não ser que seja obrigado a atender uma meta de emissão, cujo esforço de cumprimento é mais caro do que o valor a ser pago para que terceiros façam essa redução.

Isso explica porque o mercado de carbono entrou em um declínio tão vertiginoso: como no Protocolo de Quioto apenas uma parte pequena dos emissores tem obrigações de controlar suas emissões (a maioria dos principais emissores, como EUA, China, Índia e Brasil, ficaram de fora), e a crise financeira reduziu significativamente os preços dos ativos e a demanda energética (logo, a necessidade de créditos), os preços dos créditos de carbono estão no seu nível historicamente mais baixo.

O mesmo irá acontecer com as cotas florestais: é muito boa a ideia de um mercado de comercialização de cotas florestais onde o déficit de reserva legal de uma propriedade pode ser compensada por outra que seja superavitária. Mas a velha lei de oferta e demanda diz que se houver excessiva flexibilização na oferta de áreas consideradas aptas para a compensação (por exemplo, aceitando-se plantações de espécies exóticas ou propriedades em outro bioma), e excessivo afrouxamento na cobrança do desmatamento (com anistias, abrandamentos e todas as exceções de cobrança que estão penduradas na proposta do Senado), faltará estímulo para que um proprietário esteja disposto a pagar a outro para que aumente sua área de floresta em pé.

A situação é agravada pelo estabelecimento de uma data arbitrária para limites de desmatamento (2009) que, além de reduzir a demanda por créditos de compensação florestal, impossibilita mecanismos de redução de emissões de carbono por evitar desmatamento (previstos no REDD), visto que é incompatível com as linhas de base aceitas no Protocolo de Quioto e demais acordos climáticos (1990 ou 1995).

Portanto, caso correções significativas não sejam introduzidas na proposta de mudança do Código Florestal, o destino dos incentivos econômicos para a conservação florestal será muito parecido com o do Protocolo de Quioto: uma boa idéia desperdiçada pela forma equivocada de implementação.

*As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

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