Dias atrás foi conhecido o projeto de Lei N0 1035/2011-CR que propõe que seja declarada de Interesse Público e Necessidade Nacional a construção de uma estrada ou linha férrea entre Iñapari (Tahuamanu, Madre de Dios) e Puerto Esperanza (Purús, Ucayali). Esta via, bastante longa, seria completamente paralela à fronteira com o Brasil e atravessaria o Parque Nacional Alto Purús, afetando também a Reserva Comunitária Purús. Além disso, nessa região existem índios em isolamento voluntário.
A proposta é justificada da seguinte maneira: 1) pelo indiscutível isolamento da pequena população residente nessa remota ponta do território peruano, e 2) a perda da identidade nacional que essa população estaria sofrendo. É verdade que a cessão de imensos territórios peruanos ao Brasil, como consequência de tratados vergonhosos assinados há mais de um século, deixou uma fronteira com linhas angulosas que abandonou esse pedacinho de terra peruana no meio do Acre, que agora é brasileiro. Por isso, é verdade que alguma coisa deve ser feita a favor dessa população, que com tanta dificuldade continua sendo peruana.

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Equívoco
A menção que os autores fazem sobre os parques nacionais de países desenvolvidos, como o famoso Parque Nacional Yellowstone, onde existem várias estradas asfaltadas, é válida. É verdade que estradas e parques nacionais podem conviver. Inclusive, as áreas protegidas precisam de estradas para a visitação e para o controle. Mas, nenhum cidadão americano instala plantações de milho, caça bisões, introduz vacas, extrai madeira ou busca ouro em Yellowstone. O Peru precisa ainda de muitas décadas de educação cívica para a população se comportar assim. Mas, se há a pretensão de fazer disso uma realidade, deveria-se começar pelo financiamento adequado do sistema nacional de áreas naturais protegidas, que sobrevive essencialmente da caridade internacional, a qual paga mais de 80% de seus custos.
Financiar adequadamente as áreas naturais protegidas é, sem dúvidas, uma questão de “interesse público e necessidade nacional”. Mais ainda, como todos os países o fazem desde que o Perito Moreno delimitou os grandes parques nacionais argentinos, os parques peruanos, sim, respondem a critérios geopolíticos. O Parque Nacional de Alto Purús mais que nenhum outro.
A opção por uma via férrea seria diferente. Outra vez, devemos reconhecer que os autores do projeto foram cuidadosos e pensaram muito antes de fazer o projeto. Não existem dúvidas de que uma linha férrea poderia acabar com o isolamento, fomentar o turismo, e também evitar ou controlar a depredação. Mas, se já é difícil, ou talvez impossível em prazos previsíveis, justificar economicamente uma estrada, fazê-lo para uma ferrovia, embora desejável, é uma utopia, a não ser que o critério geopolítico se sobreponha a qualquer outro e haja alguém disposto a pagar a conta.
De qualquer jeito, o projeto já enfrentou oposição, inclusive local. Tanto a Aidesep regional (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), como o Município de Tahuamanu e a Comissão Ambiental Regional de Madre de Dios se opuseram com argumentos sólidos. O projeto é defendido, obviamente, pelos grandes interesses madeireiros nacionais e regionais, embora sem que se exponham. Curiosamente, o projeto também é apoiado com ardor pela Paróquia de Purús.
Degradação certa
Dada a certeza de que a estrada, além dos problemas ambientais, causará problemas sociais gravíssimos, como tem acontecido com todas as outras, é difícil entender essa posição. Essa rodovia, sem dúvidas, reúne as condições para proliferar cultivos ilegais e para o narcotráfico e o contrabando, entre outros males sociais.
Então, se uma estrada é arriscada e cara, e uma ferrovia é economicamente inviável, qual é a solução? Ela existe sim. Durante muito tempo, houve na Amazônia peruana um serviço chamado de cívico, que oferecia às comunidades isoladas voos gratuitos ou subvencionados. Os governos das últimas três ou quatro décadas abandonaram completamente essa prática, deixando os povos isolados à sua sorte. Este tipo de apoio, bem organizado, é a melhor solução no curto e médio prazo para Puerto Esperanza e outras localidades igualmente isoladas. É barato e pode ser combinado com o turismo, que financia o custo de viagem da população local. Fazer isso implica, claro, melhorar a infraestrutura turística da região, incluindo saúde, educação, etc., e como já foi dito, habilitar o Parque Nacional de Alto Purús, que está quase abandonado. Talvez, depois de alguns anos de promoção do turismo internacional, se justifique construir um trem panorâmico entre Iñapari e Puerto Esperanza.
Um argumento importante é que a população de Purús não tem porque subvencionar, com seu sacrifício, o bem-estar dos outros peruanos. Isso é correto. As florestas de Purús, além de biodiversidade, armazenam enormes quantidades de carbono que, permanecendo assim, evitam agravar as mudanças climáticas. Isto representa bilhões de dólares em negócios de carbono ligados a evitar o desmatamento e a degradação, visto que já existem diversas opções disponíveis no mercado. O governo deveria iniciar imediatamente os estudos que permitam transformar isso em realidade e reinvestir o resultado em Purús, em Puerto Esperanza e em outras localidades tradicionais ou indígenas, e obviamente, no próprio parque nacional.
Sem dúvida, a geopolítica está por trás desta proposta. E essa preocupação também é justa. Mas espanta que depois de declarar-se de “utilidade pública e necessidade nacional” entregar a melhor parte de nosso potencial hídrico energético ao Brasil (Inambari, Paquitzapango, etc.), e estando o Congresso agora mesmo revisando um acordo sobre esse mesmo tema, esteja se preocupando com o Alto Purús. Do jeito que vão as relações entre o Brasil e o Peru, a melhor maneira para unir Iñapari com Puerto Esperanza é através do Acre, alternativa que reduziria a obra pela metade e, pelo menos, deixaria os danos ambientais do outro lado da fronteira.
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