A recente divulgação das principais conclusões de um relatório do Banco Mundial sobre os investimentos feitos em projetos de desenvolvimento sustentável mostram o óbvio: extrativismo não rima com sustentabilidade. Os arreios ideológicos dos sócio-ambientalistas utópicos turvam as vistas. O modelo de extrativismo praticado no Brasil serve apenas para manter as pessoas pobres enquanto ocorre a lenta e progressiva espoliação dos recursos e serviços ambientais. É bonito apenas na televisão. E apenas para quem assiste de bem longe.
Já me disseram que eu me preocupo mais com os sapos do que com as pessoas. Sempre respondo que as pessoas é que deveriam prestar mais atenção aos sapos. Alguns pequenos sapinhos dizem muito sobre grandes temas. Dois exemplos são o discreto Rhinella castaneotica e o colorido Adelphobates castaneoticus. Como o nome específico desses animais sugere, eles possuem relações com castanhas, mas não na coloração. Estas espécies (notadamente o Adelphobates castaneoticus) utilizam os ouriços da castanheira (Bertholletia excelsa) como um exclusivo sítio reprodutivo.
Sapos não conseguem romper os ouriços da castanheira. Eles dependem da atividade de grandes roedores, como cutias (Dasyprocta spp.), para isso. Cutias roem os ouriços em busca das sementes (ou castanhas). É comum as cutias armazenarem sementes no solo e esquecerem o local exato onde guardaram sua reserva de castanhas. Essa atividade faz das cutias as grandes dispersoras da castanheira. Os ouriços abertos e vazios acabam sendo preenchidos pela água das chuvas, criando um berçário efêmero, mas bem protegido, para o crescimento dos frágeis girinos.
Competição humana
Além da cutia, um outro mamífero, o homem, também se deleita com as sementes da castanheira. No entanto, esse animal não costuma armazenar sementes no local de onde são removidas. A técnica usada por esses primatas para coletarem castanhas é mais elaborada. Na verdade, eles extraem castanhas da mata para venderem a outros primatas. Muitas vezes, essas sementes são consumidas em locais muito distantes da planta que as produziu.
Como as castanhas são caras, é importante encontrar todos os ouriços produzidos pelas castanheiras. Para isso, é usado o fogo para remover o sub-bosque e a camada de folhas mortas do chão. Nesse processo, o fogo mata plântulas novas, que poderiam gerar novas árvores. Com a remoção de todos os ouriços, também não restam sementes.
Além das castanhas, esses primatas também apreciam a carne tenra das cutias. Apesar de muitas pessoas não acreditarem, os extrativistas caçam. E bastante. Apesar de muitas pessoas não acreditarem, a caça extrativista também causa extinções locais. E mais frequentemente do que se pensa.
O extrativismo da castanha-do-Brasil é uma das vedetes do teatro de fantasias delirantes dos sócio-ambientalistas. As pessoas nas grandes cidades são iludidas por esse falso brilho do extrativismo “ambientalmente correto e socialmente justo” e chegam a ficar mais felizes em comerem chocolates recheados com essas sementes, como se estivessem realmente contribuindo para um mundo mais sustentável. No entanto, esse ídolo de ouro tem pés de barro.
Um conhecido estudo desenvolvido pelo pesquisador brasileiro Carlos Peres já demonstrava que a maior parte das populações de castanheiras exploradas pelo extrativismo no Brasil e países vizinhos apresenta problemas demográficos preocupantes. A explicação é simples: sem as sementes, sem as cutias, sem as plantas jovens, não existe substituição das árvores velhas por novos indivíduos. Sem as sementes, sem as cutias, sem plantas jovens, a exploração da castanha é insustentável. E o dinheiro que essa exploração gera é incapaz de tirar as pessoas da pobreza.
Quando entrar em um castanhal, atenção, abra bem os olhos… Procure sapos se reproduzindo nos castanhais. Procure ouriços com girinos. Espero que você os encontre. Ou, pelo menos, compreenda a importância dos sapos.
A insustentável leveza das reservas extrativistas
Fotos retratam os guardiões da Amazônia
O extrativismo no Cerrado
Leia também
Datafolha: 91% apoia criação de mais parques nacionais, hoje frequentados pelos mais ricos
Pesquisa nacional encomendada pela SOS Mata Atlântica aponta necessidade de democratização no acesso às áreas verdes; maioria quer ver mais ações dos governos contra a crise climática →
Compostagem no Brasil: com quantos baldinhos se faz uma revolução?
No país que recicla menos de 1% do seu lixo orgânico, a compostagem cresce pela força do empreendedorismo que ocupa lacunas deixadas pela ineficiência da gestão pública →
Recuperar a vegetação nativa não pode só compensar o desmatado, pedem ongs na COP16
Uma revisão técnica pode aumentar a área a ser restaurada em todos os biomas, para além do pedido na legislação florestal de 2012 →