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Os mistérios das medições do desmatamento no Peru

Truques na forma de contabilizar os números de perdas de floresta fazem com que a Amazônia peruana pareça estar recuperando mata.

21 de agosto de 2013 · 11 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Floresta derrubada no departamento de Loreto. Foto: Matt Zimmerman/Flickr
Floresta derrubada no departamento de Loreto. Foto: Matt Zimmerman/Flickr

De acordo com informações oficiais peruanas de 1990, na Amazônia deste país teriam sido desmatados 7.000.000 de hectares (ha). A mesma fonte informou que no ano 2000 o desmatamento nesta região chegou a 7.173.000 ha, e segundo o último relatório, até 2012 foram desmatados 7.900.000 ha, neste caso incluindo também florestas de outras regiões do país. Se levarmos em conta que nesses mesmos 22 anos na Amazônia do Peru foram construídos alguns milhares de quilômetros de estradas novas, que houve um considerável aumento da população, do número e extensão das propriedades rurais e que a exploração madeireira, petrolífera e a mineração, especialmente esta última, cresceram muito, o Peru teria realizado a proeza, inédita em nível mundial, de controlar mais que razoavelmente a destruição (apenas 41.000 hectares/ano) de suas florestas naturais.

E ainda mais, de acordo com as mesmas fontes oficiais, a superfície de selvas amazônicas que teria diminuído entre 1975 e 1995, passando de 71,8 para 66,6 milhões de hectares, contrariando a lógica, tem “aumentado” entre 1995 e 2000 (68,6 milhões de hectares) e continuou aumentando até 2012 (69 milhões de hectares). Isso significa que no Peru, ao contrário de todos os países tropicais, a floresta amazônica estaria aumentando e isso, sem sequer reflorestar.

É óbvio que esses dados contraditórios escondem mistérios, alguns deles tentamos elucidar nesta nota. O principal, sem dúvidas, é entender como essas cifras proporcionadas por técnicos qualificados conseguem dar a impressão de que na Amazônia peruana tem se desmatado muito pouco – ou nada – durante mais de duas décadas, nas quais o resto dos países tropicais e da Amazônia perderam vários milhões de hectares de florestas.

Essas informações de fontes governamentais, além de incoerentes quando são observadas em conjunto, contradizem a experiência dos velhos que meio século atrás vieram e fotografaram florestas que chegavam até o horizonte, onde hoje só existem paisagens de serras com alguns eucaliptos raquíticos.

Uma Amazônia peruana que encolhe

O Peru, ao contrário do Brasil (Amazônia Legal ou Região Norte), não tem uma definição clara do que é a sua parte amazônica, a qual denomina Região Selva. Tradicionalmente a Selva era considerada a extensão ao leste dos Andes Orientais que começava com a linha de vegetação florestal, geralmente florestas nubladas, a 3.800 metros de altitude e que continuava pela planície amazônica até menos de 100 metros de altitude na fronteira com o Brasil. Até os anos 1960, o governo aplicava esse critério ecológico para delimitar a Região Selva que se estimava que abrangesse 77,9 milhões de hectares. Mas já no final da década dos anos 1970 e especialmente durante os anos 1980 começou a ser mencionada a cifra de 75 milhões de hectares e atualmente o governo considera que a Região Selva possui apenas 72 milhões de hectares.

Não existe nenhuma explicação técnica para o “desaparecimento” de quase 6 milhões de hectares da Região Selva no Peru, a qual foi transferida para a vizinha Região Serra. Embora isso seja admissível porque a eliminação da vegetação dessa parte alta da Amazônia a transformou em uma paisagem de Serra, este fato é conveniente para disfarçar o problema do desmatamento. De fato, se a Amazônia peruana encolheu 7,6%, se reduz também a área total desmatada, e se cada novo inventário de desmatamento desconsidera para sua linha de base o que já deixou de ser floresta na parte alta, aumenta o divórcio entre os resultados e a realidade.

Se esse fosse o caso, o desmatamento acumulado na Região Selva anunciado pelo Ministério de Meio Ambiente para 2012 (7,9 milhões de hectares) deveria ser somado aos 5,9 milhões de hectares descartados, na realidade, chegando a 13,8 milhões de hectares, equivalentes a 17,7% da Selva (com 77,9 milhões de hectares) e não apenas 11% (com 72 milhões de hectares). Aliás, essa especulação coincide com o índice de desmatamento que é estimado por observadores independentes e com a realidade que se observa durante qualquer viagem à parte alta da Selva, onde os remanescentes da floresta tropical em lugares inacessíveis não deixam dúvida sobre o que aconteceu.

O que deve ser medido como desmatamento?

A maior parte das informações sobre desmatamento é um subproduto de estudos cuja intenção principal é medir ou descrever (área, volume, tipos) as florestas que existem. Para isso, inicialmente, qualquer massa florestal é considerada floresta e, embora as metodologias discriminem do resto as matas secundárias jovens de origem antrópica, geralmente não se interessam em distinguir a vegetação secundária mais antiga. Ou seja, uma parte do desmatamento mais antigo transformado em capoeiras de mais de 8 a 10 anos (dependendo de vários fatores) é camuflada quando é contabilizada como floresta. Isso é tecnicamente válido e reconhecido oficialmente, tendo sido usado nos últimos estudos para explicar porque foi registrado um desmatamento tão limitado e porque em vez de diminuir, a floresta teria aumentado. É verdade que a intensa atividade guerrilheira dos anos 1990 obrigou muitos agricultores a abandonar a terra. Um estudo recente na Colômbia revelou o mesmo fenômeno. Mas a situação de instabilidade no Peru terminou faz mais de uma década.

O problema é que desde o ponto de vista ecológico e ambiental as florestas secundárias não são equivalentes às florestas originais. Sua diversidade biológica é comprovadamente muito menor e seus serviços ambientais, embora importantes, não são equivalentes. Pode levar muitas décadas até que uma floresta secundária volte a seu apogeu. Em vários documentos, o governo peruano incluiu as florestas secundárias como “ganho ambiental” e isso é aceitável, por exemplo, para estimar temas como fixação de carbono. Mas, se o que se quer é medir o problema de desmatamento, a inclusão da vegetação secundária como floresta, sem que sejam destacadas, distorce muito significativamente a estatística sobre desmatamento. Essa informação deveria aparecer claramente diferenciada nos resultados.

Também não fica claro na informação desses estudos a maneira em que se informa sobre os sistemas agroflorestais de café e cacau sob sombra densa. Como no caso anterior, existe uma cobertura arbórea, mas não é equivalente ecologicamente à floresta original e deveria ser contabilizada como o que é, ou como área desmatada, de acordo com o objetivo do estudo.

A inconsistência dos dados

De acordo com o governo, no ano 2000 o departamento de Loreto tinha desmatado 945.600 hectares (ha). Uma medição especial e independente do desmatamento neste departamento mostrou que em 2012 já havia 1.304.000 de ha desmatados, isto é, em 12 anos foram perdidas 358.400 ha, ou quase 30.000 ha/ano. Ou seja, o desmatamento anual em apenas um dos 14 departamentos que tem biota amazônica e que, além disso, é o menos desmatado (3,6%) representaria 75% do desmatamento anual de toda a Amazônia peruana. Isso, obviamente, não é crível.

E tem mais. Incongruentemente, a informação oficial considera, sem maiores explicações, que o desmatamento atual é de cerca de 150.000 ha/ano e não 41.000 hectares/ano como fica evidente a partir dos dados anteriormente citados. Se se aplica isto aos últimos 12 anos o resultado é uma área desmatada adicional de 1.800.000 há, que soma a do ano 2000 (de 7.173.000 ha), o que representa quase 9 milhões de hectares e não 7,9 milhões como o relatório de 2012 anuncia para todo o Peru. O autor não pretende explicar tantas discordâncias. Adicionalmente, algumas pessoas adicionam ao exposto uma série de outras possíveis distorções fruto de temas técnicos, como o tipo de imagens de satélite, a escala, verificações em campo e erros no processamento.

Mas em geral, salvo melhor opinião, é provável que para afirmar que a área de florestas aumentou entre 1995 e 2012, recorreu-se simultaneamente à alternativa de incluir a vegetação secundária como área não desmatada e à redução da área considerada como Região Selva. A realidade deve ser, portanto, muito diferente.

A importância da verdade

Muitos governos disfarçam a realidade mediante suas informações estatísticas sobre a destruição de florestas tropicais. Eliminar florestas milenares que cuidam da biodiversidade e que asseguram importantes serviços ambientais não é nem política nem ecologicamente correto. Por isso são anunciadas missões impossíveis como a de “desmatamento zero”, que é obviamente uma utopia, mas que pelo entusiasmo do momento gera aplausos. Além disso, existem vantagens de financiamento e de assistência técnica quando o comportamento ambiental de um governo é bom. As estatísticas das organizações das Nações Unidas apenas mostram as informações dos governos para evitar conflitos com eles. Por isso, na verdade, também não são muito confiáveis.

No caso do Peru, o problema parece ser originado mais na falta de interesse em saber a realidade do que no desejo de escondê-la. Contrariamente ao Brasil, onde anualmente é feito um registro especial e meticuloso, bastante independente, do desmatamento e do uso do fogo, que, além disso, é sistematicamente analisado, discutido e criticado por organizações da sociedade civil, no Peru o desmatamento só é estimado esporadicamente, cada vez usando critérios e técnicas diferentes e, como visto, mudando a linha de base da avaliação. Mais ainda, em geral, o objetivo desses estudos não é determinar o desmatamento e sim saber a extensão das florestas.

Estão previstos duas pesquisas ou inventários para ser desenvolvidos proximamente no Peru para determinar com precisão a situação das florestas. Tomara que eles sejam a base sobre a qual daqui para frente seja determinado, cada ano e sobre bases cientificamente fundamentadas, o avanço do desmatamento na Amazônia deste país.

Todas as nações, ou melhor, seus representantes, preferem se mostrar como eficientes no cumprimento das recomendações aprovadas em fóruns internacionais. Mas este esforço não é suficiente para explicar como informações de boa aparência técnica demonstram o que é evidentemente falso.

 

 

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