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Ministério da (Sobre)Pesca e do Sumiço das Estatísticas

Cartório de interesses que dominam a pesca industrial no Brasil, ministério comeu os números que mostram o massacre dos peixes.

31 de março de 2015 · 10 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

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Durante os dias 26 e 27 de março, a convite do ICMBio, realizou-se em Brasília uma reunião muito rara, reunindo pesquisadores, ONGs ambientalistas e lideranças da pesca artesanal de todo o pais para discutir a recente Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente que lista as espécies aquáticas brasileiras ameaçadas de extinção e determina medidas para sua proteção.

O encontro é incomum, pois envolveu setores que quase nunca se encontram, e menos ainda estão acostumados a encontrar consensos quando se trata da gestão dos recursos pesqueiros nacionais. Para grata surpresa deste que vos escreve, esses consensos foram encontrados até com relativa facilidade, no que tange a apoiar a manutenção da Portaria 445 para proteger o que resta da biodiversidade aquática do Brasil e buscar caminhos para a gestão adequada das espécies vulneráveis.

Outro consenso emergiu nas conversas e da indignação de quem trabalha seja com conservação, seja com pesca: o ministério que se supõe encarregado do tema é o pior problema a resolver, e muitos dentre nós torcemos para que a tão propalada reforma ministerial acabe com esse trambolho que só favorece a devastação e o mau uso do dinheiro público. Trata-se do Ministério da Pesca e Aquicultura, ou melhor, Ministério da (Sobre)Pesca.

Criado com a suposta missão de ordenar e fomentar a aquacultura e o uso dos recursos pesqueiros, ele logo mostrou a que veio, transformando-se num cartório dos interesses que dominam a pesca industrial no Brasil, e que mais parecem ser empresários de mineração do que de uso de um recurso público vivo.

Apropriando-se de montanhas de dinheiro dos nossos impostos, este ministério promove uma verdadeira derrama de subsídios para um setor historicamente responsável pela destruição sistemática da biodiversidade marinha brasileira, com a disponibilização de mais de QUATRO BILHÕES DE REAIS para facilitar a construção de ainda mais embarcações para predar sobre recursos já violentamente sobre-explorados.

Qualquer compromisso com sustentabilidade da pesca empalidece frente à sanha pseudo-desenvolvimentista que caracteriza as ações e o discurso dos caciques políticos que o dominam. Não há qualquer critério técnico para as indicações do ministro e suas chefias, como, aliás, é a má praxe na gestão pública federal de nossa combalida Banânia.

Em nenhuma área a cumplicidade criminosa do Ministério da (Sobre)Pesca com a mineração dos recursos pesqueiros nacionais é tão evidente quanto na pesca oceânica. Basta ver o que está acontecendo com os tubarões do Brasil, um grupo de fauna marinha essencial ao equilíbrio ecológico dos oceanos e à saúde da própria pesca de outras espécies. Os tubarões estão simplesmente desaparecendo de toda a extensão de nossas águas, vitimados pela captura intencional disfarçada de “incidental” para alimentar o tráfico internacional de barbatanas, cuja exportação “legal”, estimulada por esse ministério-cartório, serve apenas para encobrir uma gigantesca e contínua operação de contrabando de toneladas de barbatanas, que corresponde a milhões de tubarões massacrados ilegalmente nas barbas de quem deveria zelar pelo ordenamento pesqueiro.

Cadê os números?

“(…) sem dados oficiais o massacre pornográfico da fauna marinha brasileira não pode ser comprovado em toda sua extensão”

Infelizmente não é possível ordenar a pesca no Brasil, eis que não há dados suficientes para garantir a determinação de cotas sustentáveis para a maioria das espécies de interesse comercial. Como, não há dados? Simples. DESDE 2011 o Ministério da (Sobre)Pesca não publica mais quaisquer estatísticas sobre os desembarques pesqueiros no país, e não os compila mais desde 2008, deixando que a máfia que pratica a sobrepesca sistemática deite e role à vontade. As desculpas para esse absurdo são muitas, mas a verdade é uma só: sem dados oficiais o massacre pornográfico da fauna marinha brasileira não pode ser comprovado em toda sua extensão, dificultando a adoção de medidas de ordenamento e conservação adequadas. Alegria pura para as quadrilhas que vivem de depredar esse inestimável patrimônio público que é o mar do Brasil.

Não é por nada que auditoria do Tribunal de Contas da União corroborou a informação de que estudos de avaliação dos estoques indicam que 80% dos principais recursos pesqueiros nacionais encontram-se plenamente explorados, sobrepescados, esgotados ou (tardia e lentamente) em processo de recuperação. Além disso, nota que o próprio governo brasileiro admitiu, em 2011, no seu 4º Relatório para a Convenção da Diversidade Biológica, que a atividade pesqueira é a principal ameaça à biodiversidade marinha nas águas brasileiras, impactando não apenas os recursos ditos pesqueiros propriamente ditos, mas uma ampla diversidade de espécies, capturadas “incidentalmente” ou como “fauna acompanhante”, e de ecossistemas. A auditoria do TCU apontou a mais absoluta falta de transparência no processo de gestão no Ministério da (Sobre)Pesca e seus “comitês de gestão”. Mas nada foi feito.

Não é de se estranhar, portanto, que este ministério e seus donos, os empresários da (sobre)pesca industrial, tenham ficado furiosos com a edição da Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente, que definiu a lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção. Fruto de um trabalho primoroso das melhores cabeças do país nesta área da ciência e de técnicos do ICMBio, utilizando metodologias aceitas mundialmente, a lista baseou-se em uma enorme quantidade de trabalhos científicos resgatados pelos pesquisadores, vencendo a inércia proposital do Ministério da (Sobre)Pesca e construindo com fatos inequívocos o quadro de horror das mais de 400 espécies listadas, para muitas das quais a pesca é, sim, o principal fator de ameaça de extinção. A reação criminosa da pesca industrial, fechando o porto de Itajaí nas barbas das autoridades navais e policiais omissas, e que contou com todo o apoio do ministério, tenta revogar uma das pouquíssimas medidas que busca impor o interesse público sobre o privado na gestão de nossa biodiversidade marinha, e com sua revogação garantir que a máfia da sobrepesca possa continuar delinquindo livremente.

De Crivella a Barbalho

“Os ditos “recursos pesqueiros” que a máfia da sobrepesca reivindica como seus (…) são na verdade a nossa biodiversidade aquática, um patrimônio de todos os cidadãos”

Chegou a haver um período em que parecia que esse Ministério tomaria outro rumo, quando – pasmem – o folclórico Bispo Crivella esteve à frente do mesmo. O sujeito durante um bom tempo passou a ouvir alguns bons técnicos, apoiando a adoção, entre outras, de medidas de conservação dos tubarões e de ordenamento mínimo das atividades pesqueiras. Mas a entrega política do mesmo a Helder Barbalho mudou esse rumo. Oriundo de um estado que sedia algumas das empresas pesqueiras mais influentes e responsáveis pela exportação ilegal de barbatanas de tubarão para a Ásia, desde o primeiro minuto o novo ministro se recusa a ouvir a sociedade civil e mesmo os pescadores artesanais. Literalmente, entregou o controle da estrutura pública para o lobby da pesca industrial, numa demonstração de que não há futuro para esse ministério caríssimo, incompetente e desnecessário.

Uma secretaria técnica em um ministério mais enxuto, que ouvisse a sociedade adequadamente, poderia suprir as verdadeiras necessidades para que a pesca brasileira deixasse de ser um escândalo de apropriação indébita para se tornar, quem sabe, um benefício para o país.

Os ditos “recursos pesqueiros” que a máfia da sobrepesca reivindica como seus e dos quais pretende apropriar-se no grito, através de ações criminosas como o bloqueio de portos, são na verdade a nossa biodiversidade aquática, um patrimônio de todos os cidadãos e que deveria ser gerido pensando no bem comum, e não no enriquecimento ilícito de uns poucos.

Um ministério que se transformou em cartório de um setor industrial milionário, que desconsidera as necessidades legítimas da pesca artesanal, que abandonou qualquer busca da boa gestão e da sustentabilidade, e que se recusa a escutar os reclamos de todos os segmentos da sociedade que não façam parte de sua claque imediata, não tem o que contribuir para um Brasil moderno, sustentável e justo. Tratemos de nos livrar dessa excrescência, antes que ela acabe de vez com nosso mar.

 

 

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