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Protecionismo tupiniquim

Tramita no Congresso Nacional, em caráter conclusivo, um Projeto de Lei que quer combater a biopirataria e proteger as instituições de pesquisa nacionais.

3 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

De autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca, o Projeto de Lei (PL) nº 4.285/04, que tramita em caráter conclusivo na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, pretende amenizar o problema da biopirataria no Brasil. Ao mesmo tempo, pode ajudar a preservar a biodiversidade e as universidades e instituições de pesquisa federais que, afinal de contas, também podem ser consideradas espécies ameaçadas.

O objetivo do Projeto de Lei é fazer com que toda a verba de origem estrangeira que entre no Brasil destinada à pesquisa ou à preservação da biodiversidade seja direcionada a universidades públicas ou a instituições de pesquisa federais. As entidades ficarão responsáveis pela coordenação e realização dos trabalhos. Para tanto, diz o texto do Projeto, poderão firmar convênios com universidades ou instituições de pesquisa estaduais ou municipais ou, ainda, com entidades privadas, desde que pertençam “integral ou predominantemente a brasileiros natos ou naturalizados”.

Os resultados dos trabalhos realizados, dispõe o art. 2º do PL, terão titularidade brasileira e poderão ser explorados economicamente pelas instituições participantes, mediante autorização governamental. No entanto, todo o dinheiro resultante dessa exploração econômica, pelo que se compreende da leitura do texto, vai para o Governo, que deve investir nas universidades e instituições que desenvolvem as pesquisas e promovem a biodiversidade. Com destino certo: o “aprimoramento dos laboratórios e bibliotecas”, a “contratação de novos servidores” e “o treinamento de capital humano” pertencente ao seu quadro efetivo. Tudo isso para possibilitar o êxito da pesquisa e a preservação da biodiversidade nacional.

O texto proposto também afirma que, caso se decida pela assinatura de convênios para a realização dos projetos, as instituições conveniadas, sejam elas públicas ou privadas, poderão receber “repasses compensatórios” caso seja obtido benefício econômico com o resultado das pesquisas. Tais repasses, no entanto, serão limitados ao percentual por elas investido.

Caso o Projeto venha a ser aprovado e transformado em lei, alguns de seus pontos deverão ser regulamentados por norma posterior, expedida pelo Poder Executivo até 90 dias após sua promulgação.

Não há dúvida de que a proposta parte de objetivos louváveis. A possibilidade de melhorar as condições de pesquisa sobre a biodiversidade brasileira e o conhecimento que temos a seu respeito é muito bem-vinda e necessária. O mesmo se pode dizer sobre a tentativa de refrear a exportação ilegal de nosso patrimônio genético. Por outro lado, alguns pontos do PL merecem ser revistos.

Se é facultado às universidades e instituições nacionais a exploração econômica dos resultados das pesquisas por elas conduzidas, por que esse dinheiro deve ser dado ao governo brasileiro, para ser investido de volta nas entidades que não apenas o geraram, mas criaram os meios para tanto? Por que não deixar essa verba diretamente com as universidades, para que façam os investimentos necessários, em áreas prévia e legalmente determinadas? Por que inserir o governo como intermediário entre as instituições e o dinheiro que elas mesmas ganharam e terão que investir?

Fazer com que a verba saia das universidades para depois retornar aos seus cofres cria um monte de problemas e preocupações e não traz nenhum benefício. Isso apenas atrasaria os investimentos por parte das instituições, geraria gastos absolutamente desnecessários e aumentaria muito as chances de uma parte do dinheiro ser desviada. Sabemos que quanto mais mãos tocam o dinheiro público, maior a possibilidade de uma parte ir parar onde não deve. Também fica mais difícil saber quem foi o responsável por um eventual desvio.

Outro ponto a ser observado é o impacto de tais medidas no aporte de verba estrangeira para a pesquisa sobre biodiversidade no Brasil. O próprio autor do Projeto de Lei reconhece isso, embora afirme que se trata de medida necessária ao estudo e à proteção do patrimônio genético brasileiro. Pode ser, mas existe o risco de a emenda sair pior do que o soneto.

Se toda verba estrangeira destinada à pesquisa e preservação da biodiversidade for parar necessariamente nas mãos de entidades nacionais, e se os resultados das pesquisas forem propriedade dessas entidades, que interesse terá o investidor estrangeiro em mandar seu dinheiro para cá? Pode ser que a nova lei, caso venha a ser promulgada, caia em absoluto desuso, por falta de quem queira, lá fora, fazer o trabalho que o governo brasileiro deixa de fazer por aqui. É difícil imaginar alguma empresa com esse espírito altruísta.

Caso não se ofereça uma contrapartida de real interesse financeiro a aos investidores estrangeiros, corremos o risco de vê-los abandonar suas atividades no Brasil. Ou, pior, eles podem passar a buscar brechas em nossa legislação ou cair na clandestinidade. Omitir ou camuflar os verdadeiros fins do dinheiro que mandam para cá é fácil e, sem dúvida, muito mais interessante para os investidores do que doá-lo, de mão beijada, ao governo brasileiro.

Financiar a pesquisa e as nossas instituições é papel do governo e de mais ninguém. E combater a biopirataria é mais difícil do que regular o que entra no Brasil. É, em primeiro lugar, controlar o que sai dele.

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