De maneira bastante criativa, foi dada a largada para mais uma campanha nacional do Greenpeace. O alvo, desta vez, é a Bunge Alimentos S.A., líder no mercado nacional de óleos e margarinas e a maior trading de grãos do país. Segundo a ONG, a Bunge não tem informado corretamente os consumidores a respeito da presença de organismos geneticamente modificados em seus produtos, possuindo uma linha de produtos certificados como não-transgênicos — dependendo de exigências específicas de determinados clientes — e outra, para o mercado comum — que inclui uma margarina, óleos de cozinha e uma marca de gordura vegetal — na qual a fabricante afirma não poder garantir a não utilização de produtos desta natureza.
Não é a primeira vez que o Greenpeace e a Bunge se estranham nesse departamento. Em 2004, segundo a própria página da ONG, o Greenpeace denunciou uma das fábricas de óleo da empresa em Paço Fundo, RS, porque a própria empresa admitiu não controlar a qualidade da matéria-prima utilizada em seus produtos finais. Para a ONG, isso desrespeita cerca de 70% dos consumidores que, de acordo com uma pesquisa realizada pelo ISER em 2004, preferem não consumir produtos transgênicos. O que o Greenpeace pretende é mobilizar justamente esta parcela da sociedade: “Através de nosso site, estas pessoas poderão enviar mensagens à Bunge manifestando seu direito de saber o que estão consumindo e seu desejo de consumir produtos livres de transgênicos”, afirma o texto de lançamento da campanha.
A ONG espalhou dezoito outdoors em 11 cidades brasileiras e diversos banners na Internet; montou um carrinho de supermercado gigante, equipado com alto-falantes e recheado de produtos alimentícios da marca Bunge, para chamar a atenção dos passantes; e enviou para diversas pessoas embalagens dos produtos da marca envolvidos por uma faixa vermelha de papelão: “Fizemos uma pergunta para quem produz essa margarina”. Dentro da embalagem, há um folder explicando a campanha, onde se lê: “Bunge, você usa soja transgênica nesse produto? A Bunge nos respondeu que não pode garantir se a matéria-prima recebida de seus fornecedores é ou não trangênica. Mas, para clientes que exigem produtos não transgênicos, a Bunge garante a procedência da matéria-prima. Estranho, não? Para os produtos de marca própria à venda no mercado brasileiro, não há garantias e para outros sim! A Bunge possui dois tipos de processos: um para seus clientes que exigem produtos não transgênicos e outro sem controle nenhum. Contudo, existe por parte do consumidor final uma forte rejeição aos transgênicos. Eles cobram e exigem das empresas uma política clara de controle e fiscalização de transgênicos. Mas, e a Bunge? O que tem feito? Por isso, o Greenpeace está lançando, no dia 23 de junho uma campanha que tem objetivos muito claros: incentivar a população a pressionar a Bunge para que ela garanta uma produção livre de transgênicos”.
<>Ainda de acordo com o texto, “o controle da produção e o banimento do uso transgênicos nos produtos têm sido uma política freqüentemente adotada por empresas de alimentos no Brasil e no mundo, segundo Relatório de Mercado Europeu do Greenpeace/2005. Em maio, o Greenpeace anunciou que, graças à pressão dos consumidores, mais sete empresas (Bauducco, Dr. Oetker, Ducoco, Fritex, Kopenhagem, Massa Leve e Visconti) passaram para a “Lista Verde” do Guia do Consumidor, ao garantir produtos livres de transgênicos”. Tudo isso aconteceu, curiosamente, ressalta o texto, após a promulgação da Lei de Biossegurança.
Muito mais do que uma boa estratégia de mercado para agradar aos consumidores, a colocação de informações claras nas embalagens dos produtos sobre a presença ou não de matéria-prima transgênica é uma obrigação legal das empresas. Desde a promulgação do Decreto 4.680, de 23 de abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor com relação aos produtos que contenham ou sejam produzidos a partir de ingredientes geneticamente modificados, a presença de tais informações nos rótulos desses produtos é obrigatória. É o que dispõe o artigo 2º, e seu respectivo § 1º, daquele Decreto. Dizem eles:
“Artigo 2o Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto. § 1o Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: ‘(nome do produto) transgênico’, ‘contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)’ ou ‘produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico’”.
O mesmo dispõe a Lei de Biossegurança, em seu artigo 40: “Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.” O problema é que, devido ao processo de esmagamento dos grãos, através do qual o óleo de soja utilizado em determinados produtos é obtido, a análise de DNA capaz de revelar a presença de produtos geneticamente modificados fica impossibilitada. Isso significa que, em diversos casos, essa forma de controle não pode ser realizada no produto final, sendo necessário acompanhar todo o processo produtivo.
Pode até ser que os produtos Bunge não contenham organismos geneticamente modificados e, portanto, estejam livres do mencionado dever de informação. No entanto, diante da afirmativa daquela empresa de que não pode afirmar, com certeza, se seus produtos contêm, ou não, em sua composição, organismos transgênicos, deve prevalecer o direito do consumidor à segurança dos produtos que adquire. Nesse caso, a dúvida da Bunge deve ser interpretada como uma violação da norma legal e mais uma falha no sistema criado pela Lei de Biossegurança que, até o momento, não dá qualquer sinal de ter criado meios de controlar o monstro que libertou.
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