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É tempo de reagir

A mais recente discussão sobre o velho problema da favelização no Rio de Janeiro mostra que temos que reagir na justiça, agora, e não nas urnas em 2006.

6 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

No ultimo round da briga “política versus meio ambiente”, que aconteceu sobre a laje de um edifício de onze andares, na favela da Rocinha, a sede de votos, mais uma vez, espancou o bom-senso. Construído nas barbas do Poder Público, com a chancela do Poder Paralelo, o arranha-céu poderá servir para ao menos uma boa coisa: despertar a parcela da população que se preocupa com o tema ambiental para o fato de que não é só no caminho do desenvolvimento que o verde não pode ficar, mas também no caminho dos interesses mais mesquinhos. Mesmo estando acostumados a ver políticos mentindo, a torto e a direito, com a cara mais lavada do mundo, apenas para cair em contradição dias depois, continua a chocar a desfaçatez com que isso nos é atirado na cara.

O inchaço das favelas, além de um problema social, é um problema ambiental. No Rio de Janeiro, elas invadem, na maioria das vezes, áreas que antes representavam o pouco que nos resta de mata atlântica, já secundária, mas em estado avançado de recuperação. Suas instalações sanitárias limitam-se, quase sempre, a desviar o esgoto das residências para um valão a céu aberto que necessariamente desaguará sem qualquer tratamento em algum córrego.

A proteção das áreas verdes, para impedir a sua ocupação e degradação, caberia, legalmente, ao Poder Público, através do Poder de Polícia que a Constituição Federal lhe confere. Mas nem o Estado, nem o Município – nem a União Federal sequer – têm vontade de subir morro para remover as moradias irregulares. Primeiro porque o tráfico, na maioria das vezes, controla essas áreas – o que, diga-se de passagem, é culpa do Poder Público – e repele a bala qualquer tentativa de instauração da ordem; em segundo lugar, porque, de certa forma, se sentem mal por tirar de suas “casas” pessoas que, se não as construíram com a autorização governamental, ao menos o fizeram com a sua conivência; e, por último, porque isso pode se refletir mal nas urnas.

Por isso, assim que a imprensa publicou, nesta semana, fotos dos edifícios que vêm sendo construídos dentro das favelas cariocas, o prefeito César Maia deu uma declaração que, de tão tola e lamentável, só podia vir de alguém que, não tendo qualquer opinião própria sobre o assunto, fora pego de surpresa. “É melhor termos prédios altos no morro do que na orla, onde fazem sombra”, disse ele. Como se sombra fosse o maior dos problemas causados pela ocupação desordenada do solo. No dia seguinte, veio a retratação, no mais caricato jogo de empurra: “A remoção das favelas só depende do Legislativo aprovar mudanças no plano diretor”.

O Legislativo carioca reagiu, dizendo que bastava que o prefeito encaminhasse o projeto de lei que eles aprovariam. Menos de 24 horas depois, ambas as máscaras caíram. César Maia disse que não toca nas favelas, que “vieram para ficar”. O Legislativo carioca, por sua vez, não conseguiu angariar míseras 17 assinaturas para impulsionar um projeto de lei sobre o tema.

Ou seja, tudo está perdido, certo? Não podemos – e jamais poderemos – contar com nossos governantes para solucionar um problema descomunal que eles mesmos – personificados em quem quer que seja – criaram. O que nos resta fazer, nesse caso? Fugir para a Suécia? Pode ser uma solução. Mas, talvez, haja alguma coisa a ser feita por aqui, enquanto arrumamos as malas.

Independente, em boa parte, das pressões que engessam os demais Poderes, o Judiciário parece ser a única saída, se se mostrar engajado e alerta o bastante para entender o que realmente está por trás da crise ambiental e social brasileira. A pessoalidade, a conivência, a mesquinharia, a corrupção e a conseqüente falta de vontade de nossos políticos é que nos colocaram onde estamos. A sociedade e o Ministério Público, cada um por seus próprios meios, têm que reagir, processando governantes e administradores, não porque eles não logram êxito em fazer o que é bom ou certo para o país, mas porque eles nem ao menos tentam. Hoje em dia nem isso eles fingem que fazem. O que configura um caso típico de inadimplemento contratual.

Por mais que seja difícil visualizar isso – diante da baderna generalizada –, as promessas feitas em campanha vinculam o candidato eleito, que, ao assumir o cargo, assina, tacitamente, um contrato. As obrigações que decorrem desse contrato social podem ser resumidas assim: para o político eleito, agir no interesse dos eleitores e da sociedade em geral, com probidade, caráter e impessoalidade; a obrigação que decorre para o povo, por outro lado, se aperfeiçoa no momento da votação, nas urnas, o que lhe torna credor da contraprestação política. É essa contraprestação que precisamos cobrar através do judiciário. É uma ação para qual somos todos legitimados, enquanto prejudicados pelo descumprimento do acordo.

Quanto às provas, elas estão por toda parte. A cada dia os jornais trazem notícias que, de uma forma ou de outra, demonstram que alguma coisa está fora da ordem e que os nossos interesses têm sido diariamente atropelados para criar uma maquiagem que deixará os candidatos atraentes e formosos para as próximas eleições. Maquiam-se os dados e fatos. Por que não fazer como no direito consumerista e aplicar o princípio da inversão do ônus da prova, obrigando os políticos a provarem que agiram dentro dos poderes que nós lhes conferimos? Seria apenas justo.

A condenação nesses casos, hipoteticamente, poderia ser a devolução de todos os vencimentos recebidos em decorrência do mandato. No mínimo. Afinal de contas, trata-se de dinheiro nosso, que os políticos só recebem porque, teoricamente, dedicam-se à defesa dos nossos interesses. Descumprido o contrato, devem devolver o que receberam para cumpri-lo.

Deixar que o povo julgue, nas eleições, o mau político soa muito democrático. Mas tem um problema. Quatro anos de má administração causam danos que podem ser irreversíveis ou de seriíssimas conseqüências. Em termos ambientais, especialmente, quatro anos de degradação são um ônus insuportável. Temos que agir já, enquanto sabemos quem são os culpados pela manutenção da desordem.

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