Nem sempre é fácil acomodar ou fazer cumprir a lei. Em se tratando de legislação ambiental, então, nem se fale. Por isso, curiosamente na mesma semana, surgiram dois projetos que pretendem dar uma solução parecida a este problema, em dois lugares bem diferentes do planeta: a República Checa e o estado do Rio de Janeiro.
A República Checa, que se juntou à União Européia no ano passado, no último grupo a ingressar no bloco, acaba de anunciar que vai “afrouxar” a sua legislação ambiental. A medida se deve à pressão de empresários e industriais, que já há algum tempo reclamavam que as normas implementadas pelo país eram rígidas demais, superando, inclusive, o exigido pela UE. Finalmente, esta semana, o Ministro do Meio Ambiente cedeu (e nós aqui no Brasil sabemos como eles cedem), anunciando que o governo já prepara uma lista de “leis problemáticas” a serem reformuladas. Segundo a página da Environment Daily na Internet, a atitude do país revela o quanto ainda está quente o embate “meio ambiente vs. competitividade econômica”, especialmente entre os mais novos membros da UE.
A decisão veio após uma série de reuniões interministeriais que identificaram as normas supostamente problemáticas para os negociantes. Ela afetará desde o controle de poluição das águas e do ar até as normas sobre a composição e disposição de embalagens, passando por temas delicados, como a poluição industrial e os estudos de impacto ambiental. O resultado, espera-se, será um conjunto de normas mais equilibrado e em contato com a realidade e as necessidades do país. Segundo um oficial do governo checo afirmou à Environment Daily, “a idéia, na maioria dos casos, é reduzir as exigências administrativas e não cortar obrigações ambientais”. Mas, ainda segundo ele, “as normas da UE não podem sempre ser o único critério adotado para se decidir que política adotar. Em alguns casos, as necessidades internas são mais urgentes que as exigências do bloco”.
Mudando de idéia
Essa não foi a primeira vez em que se falou na necessidade de uma reformulação na legislação ambiental da República Checa. Em um relatório divulgado há poucas semanas, a OCED – Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento da UE – já apontava que o país precisaria aumentar o controle sobre a sua poluição e adotar a aplicação de taxas sobre determinados produtos para compensar a desaceleração da seu índice de qualidade ambiental.
Ainda segundo este mesmo relatório, o país estaria, desde a década passada, relaxando demais suas políticas sobre energia e combate à poluição, acompanhando uma queda de mais de 300% nos investimentos ambientais entre 1997 e 2002. O documento também apontava como sugestões para amenizar o problema o aumento das taxas cobradas de poluidores e das taxas de coleta de resíduos, que estariam defasadas em comparação com os índices de inflação do país.
Quando da liberação daquele relatório, em outubro, o Ministro do Meio Ambiente checo parecia ter entendido o recado, afirmando que se tratava de não abordar os problemas ambientais isoladamente. Na época ele chegou a dizer que o governo, inclusive, já estaria preparando uma reforma tributária “ambiental” que agradaria tanto aos verdes quanto ao mercado. Talvez por isso ele tenha demorado a ceder às pressões dos empresários e industriais. A postura adotada, agora, portanto, parece um tanto quanto contraditória. Teriam os ministros mudado de idéia?
Confusão Generalizada As dificuldades enfrentadas pela República Checa não são, de forma alguma, um caso isolado. Como já noticiado aqui em O Eco, não são poucos os casos de descumprimento das metas e prazos impostos pela UE pelos seus membros, sendo que alguns deles já chegaram às cortes européias na forma de processos judiciais. Vale, citar, por exemplo, que o último relatório sobre a eficácia das normas ambientais feito pela Agência Ambiental Européia aponta que, ao contrário do esperado, a maioria dos países membros não tem conseguido muito sucesso em suas ações preventivas. Entre 1997 e 2001, por exemplo, a quantidade de lixo decorrente de embalagens cresceu 7% na UE.
Reduzir a poluição das águas também tem se mostrado uma tarefa mais difícil do que seria de se esperar. França e Espanha são casos típicos. Segundo o relatório, estes dois países não instituíram taxas para este tipo de poluição, o que tem refreado os resultados de suas tentativas. No outro extremo, a Holanda, com um eficiente sistema de cobrança integral dos particulares pelo tratamento do esgoto, é apontada como um exemplo a ser seguido.
Isso vai diretamente de encontro à política ambiental que as diretrizes da UE pretendiam. Ou seja: os esforços dos países têm sido mais voltados para o tratamento e solução dos problemas ambientais e não para a sua prevenção. Como a própria República Checa descobriu, isso sai bem mais caro. Caro até demais. Tomara que o passo para trás que o país decidiu dar sirva para permitir um passo maior ainda para a frente, ao invés de iniciar uma perigosa onda de retrocesso ambiental.
Solução à Carioca
O problema que surgiu no Rio de Janeiro tem raízes bem diferentes. A solução proposta, no entanto, é bastante parecida: um projeto de lei apresentado à Assembléia Legislativa carioca pelo deputado estadual Noel de Carvalho, do PMDB, quer dispensar a necessidade de tratamento primário para o esgoto que é lançado no mar pelos emissários submarinos da cidade. Com isso, o que pretende o deputado é permitir o despejo, desde já, do esgoto dos três maiores bairros da Zona Oeste do Rio, através do novo emissário submarino, ainda em fase de conclusão, que desemboca a 5 km da costa.
A origem do problema, ou seja, o crescimento desordenado e inteiramente sem controle das zonas urbanas do Estado do Rio, o próprio prefeito César Maia já deixou bem claro que não será discutida ou atacada. A solução, dificilmente poderia ser pior. Diante de sua escancarada inépcia, nossos políticos decidem afrouxar a lei que deveriam fazer cumprir.
Com a mudança da legislação o esgoto chegará ao mar sem que dele tenham sido removidos os dejetos sólidos de matéria orgânica, que hoje são retirados, por lei, juntamente com os plásticos e demais dejetos sólidos flutuantes, quando do tratamento primário. O principal problema disso, segundo informou Gandhi Giordano, do Departamento de Engenharia Sanitária da UERJ, — em entrevista ao Jornal O Globo do último dia 10 de novembro —, é que são justamente esses resíduos tóxicos orgânicos que podem levar para o mar microorganismos prejudiciais à saúde humana.
O projeto ainda será discutido na Alerj e em assembléia pública que será realizada no próximo dia 18, às 10 horas. Mas, desde já, ambos os casos confirmam que, por mais que se queira negar, o pretexto do desenvolvimento econômico continua sendo um dos maiores adversários da preservação ambiental.
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