Após décadas servindo de cartão-postal e representando, no mundo inteiro, ao lado da praia de Copacabana, a cidade mais famosa do Brasil, o Pão de Açúcar acaba de ser decretado monumento natural. Mas o que isso significa, afinal? Monumento ele sempre foi. Natural, nem se discute. O que muda, então?
Muita coisa. As implicações disso superam o mero reconhecimento oficial de uma beleza fora do comum. Erigindo a área à categoria de Monumento Natural, ela se transformou na mais nova unidade de conservação carioca, regida pelas normas impostas pela Lei 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC) e pelo seu plano de manejo, ainda a ser elaborado. Seu uso, daqui para frente, só pode ser indireto, ou seja, que não envolva “consumo, coleta, dano ou destruição de recursos naturais”, conforme determina os artigos 2º, IX e 8º, IV daquela lei.
O art. 5º do decreto que criou a nova UC determina que “quaisquer intervenções, obras, ações degradadoras ou atividades impactantes, incluindo modificações ou ampliações, quer de caráter público ou privado, dependerá de autorização e/ou licenciamento dos órgãos responsáveis pela tutela e gestão do Monumento Natural e/ou dos órgãos licenciadores”.
Incrustada no pequeno bairro da Urca, e circundada por instalações militares, a nova unidade de conservação sempre teve uma condição particular na cidade. Um pouco mais controlada, talvez. Mas sua popularidade sempre atrapalhou. O lixo ainda é um problema — embora tenha melhorado muito de alguns anos para cá —, especialmente ao redor das estações do bondinho. As trilhas sofrem com o pisoteio excessivo e descuidado, algo que a nova unidade de conservação tem a chance de mudar.
Diversas iniciativas extra-oficiais também contribuíram até hoje para amenizar o impacto da presença humana no local. Os montanhistas, apesar de contribuírem consideravelmente para o fluxo de pessoas para as montanhas e trilhas do local, têm se organizado, com o apoio da Federação dos Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro – FEMERJ, para fechar os atalhos abertos nas trilhas, colocando placas educativas — que devem ser substituídas freqüentemente por causa da ação de vândalos. São eles também que, há anos mantém bem-sucedidos projetos voluntários de reflorestamento no local.
Mas a cidade deve sua mais nova área protegida, em grande parte, a um dedicado grupo de pessoas que, há 16 anos, resolveu comprar essa briga.
“É com grande satisfação que comunico que ontem o prefeito César Maia assinou um decreto criando o Monumento Natural do Pão de Açúcar. Este decreto coroa uma luta de 16 anos do GAE [Grupo Ação Ecológica, uma ONG criada por montanhistas cariocas], e tenho certeza de que a médio e longo prazo será muito benéfico para aquela área.
Apenas para relembrar, em 1990 Marcelo Hohlborn Ribeiro e eu redigimos, em nome do GAE, a Proposta para a Criação da Reserva Florestal do Pão de Açúcar e a submetemos ao IEF que, no entanto, nos convenceu que a área era pequena demais para justificar uma unidade de conservação estadual. Assim, nós a mudamos a proposta para Parque Municipal e, em 1993, a apresentamos à Fundação Parques e Jardins, onde teve uma acolhida excelente, particularmente na pessoa da Patrícia Figueiredo, que está recebendo esta mensagem e a quem faço questão de agradecer uma vez mais de público. A FPJ elaborou um mapa detalhado da área, uma minuta de decreto e remeteu o processo à Procuradoria do Município, onde o mesmo, entretanto, passou anos à espera da definição quanto à titularidade da área.”
Assim começa o e-mail que André Ilha, montanhista e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro, e uma das pessoas que, como se percebe, esteve à frente desse lento movimento desde o início, mandou para a lista da FEMERJ.
Mesmo depois que se chegou a uma conclusão sobre a titularidade da área, com a definição de que ela pertence, de fato, ao município, vários anos se passaram até a edição do decreto publicado na semana passada. Segundo André, foram dezenas de reuniões, abaixo-assinados e muitas ligações, e-mails para a imprensa e pressão interna no Conselho Municipal de Meio Ambiente.
“Em 1998 o Conselho Municipal de Meio Ambiente – CONSEMAC, acatando encaminhamento nosso, aprovou por unanimidade a proposta, mas nada aconteceu, e o projeto chegou a ser arquivado.
Continuamos insistindo e, mais recentemente, o GAE, que ocupa uma vaga de membro titular no Conselho de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro – CONSEMAC, pediu o seu desarquivamento e voltamos à carga, primeiro com a nova denominação de Parque Natural Municipal do Pão de Açúcar (para adaptá-la ao SNUC) e, depois, com a possível conversão de parque para monumento natural, devido às características cênicas da área. E hoje [02.06.06] , para nossa grande surpresa e alegria, vimos no Diário Oficial do Município o decreto criando a unidade”, lembra André.
A nova Unidade de Conservação tem 91,5 há de área, incluindo o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. Seus objetivos, segundo o art. 4º do decreto de criação, são: garantir espaços verdes e livres para a promoção do lazer em área natural; conservar, proteger e recuperar o ecossistema de Mata Atlântica existente e o patrimônio paisagístico da área; e garantir a preservação dos bens naturais tombados.
Resta saber o que será considerado como “ações degradadoras ou impactantes”, e como isso se aplicará ao potencial turístico e esportivo do local.
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